Dramas e sonhos de inocência na praça central

O texto abaixo foi publicado em dezembro de 1987 no semanário impresso A Província. Preservamos datas, idades, comentários e gramática originais do texto.

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“Tio, quanto custa para andar de carrinho?”. “Vinte cruzados.”

Quem pergunta é André, um garotinho de quatro anos de idade que sempre vai à Praça José Bonifácio, com sua mãe, Inês Marcelino. Eles moram no bairro Algodoal e vão ao centro da cidade, procurar diversão. A resposta é de João Teodoro, um senhor de 47 anos, que trabalha com o “Táxi-Mirim”, pequenos carros – que imitam charrete, calhambeque e um vagão de trem – estacionados na Praça durante todo o dia, esperando por uma criança que se interesse pelo passeio.

Os adultos, que passam apressadamente pela Praça José Bonifácio, botam pouco reparo nos sete senhores sentados no banco olhando as pombas que comem milho sossegadamente, entre o canto dos pássaros e das cigarras. Mas não há criança que não olhe e peça: “Pai, deixa eu dar uma volta?”

João Teodoro é aposentado por invalidez. Ele tem lesão cerebral e trabalha com o Táxi Mirim “para ganhar um dinheirinho”. Com a aposentadoria não dá para viver. Mora no bairro Maracanã e paga Cz$ 4.500,00 de aluguel da casa, enquanto que sua aposentadoria não ultrapassa a casa dos Cz$ 3 mil. Quando era jovem, trabalhava na lavoura de algodão e amendoim, foi funcionário da Prefeitura, no Paraná, e ajudou a construir uma estrada de ferro.

Ele mora há sete anos na província. O salário que recebe trabalhando com o táxi mirim não é fixo e às vezes trabalha doente, como na semana passada, quando estava tomando antibióticos, para o braço adormecido e dolorido. Mesmo assim, empurrava com carinho o táxi, com uma e até duas crianças sentadas. “A gente se distrai aqui”, diz. João gosta do serviço por estar constantemente em contato com as crianças. “A gente brinca com elas, agrada. Elas se comportam bem e ficam alegres com o passeio”.

O percurso pela Praça José Bonifácio não demora nem cinco minutos. O ponto de partida é próximo à Fonte Luminosa, indo em direção ao Banco Bradesco, depois até a Catedral, vira em frente ao Banco do Brasil e retorna para a Fonte Luminosa. O trajeto é curto, mas cheio de atrativos: tem as pombas que voam e andam pelo chão, as pessoas passando pela Praça, o relógio da Igreja e até os carros que passam pela rua Moraes Barros. Detalhes que chamam a atenção da criançada e que as distraem por alguns momentos.

Ninguém dá serviço a aposentado

José Mariconi, 59 anos, diz que “as crianças são muito boazinhas”. Ele está neste trabalho há três meses, também, como forma de ganhar ‘”um pouco mais”. Aposentado por invalidez, é o único que tem o carrinho imitando uma charrete, com um cavalo branco. “As crianças têm um pouco de medo do cavalinho, mas com jeitinho elas andam.”

Ele mora no Jardim Novo Horizonte, paga aluguel e pensão para a irmã e saiu do hospital há menos de duas semanas. “Eu tenho pedra no rim e lesão cerebral”,

Ele não se sente cansado de empurrar o carrinho “porque eu vou bem devagar e aí não sinto cansaço.” Preocupado com sua aposentadoria, pergunta: “Isso não vai cortar minha aposentadoria, vai?”

Quem está há três anos nesse serviço é Gabriel André, também aposentado, só que por idade. Fala que “estou bem acostumado” com o trabalho e já se apegou às crianças que vão à Praça. “É só ter paciência, cuidar bem para que a criança não caia, conversar com ela, ter jeito, carinho e aí vai tudo bem,” explica. Ele empurra carrinho na Praça para ajudar orçamento, principalmente para pagar o aluguel da casa, que fica no bairro Verde. “Pessoa de idade não tem muito o que fazer. Ninguém dá serviço para nós.”

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 “Quem manda é a criançada”

Enquanto a criançada se diverte com o passeio pela praça, dá sossego para os pais, que ficam sentados nos bancos esperando pelo filho.  “Às  vezei pai não quer deixar a criança andar de carrinho, mas ela fala pé firme e acaba ganhando. Quem manda aqui é a criançada.” A observação é de Holando França Nascimento, 48 anos, também aposentado por invalidez. Ele tem problemas na perna, mas para ganhar a vida acaba empurrando o carrinho. E até se diverte, um pouco. “A gente esquece da vida e dos problemas cuidando da criançada. Eu gosto.”

Holando está trabalhando na praça há dois anos e fala que se acostumou. E as crianças com eles. “Aqui não tem para a criançada. Não tem parquinho, a fonte não funciona. Só nós é que damos diversão para elas.” E afirma que “nós estamos aqui para agradar as crianças”. E quando esses senhores mais trabalham é no final de semana. Ficam até as 22 horas esperando alguém para alugar o Táxi Mirim. “Sábado e domingo aqui é um barulho”.

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