Engenho Central, nossa maravilha de cenário

engenho central

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Essa matéria foi publicada em agosto de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para marcar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

Um estudo sobre a identidade cultural de Piracicaba teria necessariamente como ponto principal o rio da cidade. Não é apenas uma imagem poética, mas ao longo daquele curso d’água se encontra muito da alma de Piracicaba, nao só pela sua importancia histórica, mas também por refletir muito sobre a economia e a cultura do lugar. E teriam que ser incluidos como destaques o salto e a rua do Porto. E também o Engenho Central.

Hoje•é um prédio desativado, mas ainda conserva entre suas quatro paredes um local que marca de forma nítida uma passagem importante de uma Piracicaba essencialmente agrícola para o início das atividades industriais. Ocupa uma área aproximada de 58.000 metros quadrados e seus 13.500 de área construída abrigam edificios com a arquitetura típica do século passado, que permitem um amplo aproveitamento de suas instalações.

Acontece que hoje o Engenho Central é apenas uma testemunha imóvel do passado, símbolo de uma época atuante, mas que permanece vencido por uma longa e irritante inutilidade. Não é à toa, portanto, que ele seja tema privilegiado de muitas pessoas ou grupos que desejam sua preservação e sua utilização para a comunidade. Um trabalho que seria entendido não apenas como um resgate do passado, mas também como a sua projeção para o futuro de uma comunidade que conserva sua identidade histórica.

E dentre essas pessoas, certamente deve ser incluído o arquiteto Dirceu Rother Junior, que também é membro do CODEPAC-Conselh0 de Defesa do Património Artístico e Cultural de Piracicaba. Com a diferença de que essa preocupação para ele não é recente e nem tem sabor de novidade. Tanto que, ainda em 82, o Engenho Central foi o objetivo principal de sua tese de graduação na Faculdade de Arquitetura. Por que este interesse? Rother fala, em primeiro lugar, pelo próprio espaço em si. “Só a forma dele já é importante, já marca a cidade, Não consigo imaginar o rio passando sem ele”.

Rother define o Engenho Central como um cenário. Um palco que possibilita definir a função de uma cidade que se pautou principalmente pela cultura da cana de açúcar. “O Engenho marca de maneira clara a passagem da agricultura para a Industrialização. E ajuda a entender a própria cidade. Pois Piracicaba é muito curiosa por assumir uma posição de independência. Ela é monocultura em tudo, gira mesmo em torno da cana de açúcar, para a qual tem produção, indústrias e até escolas voltadas. Por isso, nao dá pra negar que a identidade da cidade se situa mesmo no rio, incluindo principalmente o Engenho Central”,

ÁREA PROTEGIDA

Porém, o arquiteto dá informações importantes para quem acredita que nada ainda foi feito para preservar o local. ‘ ‘A área do engenho e protegida peIa Lei de Zoneamento n.0 2641, editada em 1985. Isso impede a sua demolição ou então a sua adaptação para atividades que não sejam do interesse público”.

Para ele, a lei ajuda a garantir a integridade da área, considerando até que “o tombamento se faz desnecessário, já que a tendência natural é que seja utilizado pela área pública. O problema principal não é exatamente este, mas sim como seria feito o seu aproveitamento”.

Acontece que o Engenho Central ainda é uma propriedade particular, pertencente a UBASA-Usinas Brasileiras de Açúcar S.A. Então, se a administração manifestasse interesse em sua utilização, teria que necessariamente manter contato com os donos para efetuar a desapropriação e posteriormente tomar conta do espaço. A este respeito, Rother se manifesta de maneira lacônica. “Não sei exatamente qual foi o interesse manifestado pelo poder público”.

Quanto a isto, não fica difícil imaginar que a quantia exigida para tanto seria bastante elevada.

CENTRO CULTURAL

As discussões sobre o Engenho Central, até agora, apontam para a necessidade de seu aproveitamento como espaço cultural. Rother não exatamente discorda, mas entende que seria uma utilização limitada. “É demais você querer que um local enorme como aquele seja usado apenas para a cultura.

Ele vai mais longe e acha que, além de atividades de arte e cultura, o espaço poderia servir até para a nova Prefeitura. “Eu lutei muito para que ali fosse instalado o Centro Administrativo, já que tem lugar para tanto”.

Pelo menos, em seu projeto e apresentado em 82, o arquiteto já previa a instalação dos órgãos públicos da cidade naquele espaço, com quase todas as secretarias, além de uma nova Biblioteca Pública e um Departamento de Turismo. Também poderia acolher oficinas de criação e arte, um museu do ciclo da cana de açúcar, um ateliê e estúdios para cursos de comunicação e arte, um novo teatro, galerias para exposições, academias de ballet e outros.

Isso seria feito utilizando apenas o bloco maior dos prédios, mas um espaço anexo existente poderia abrigar todas as atividades decorrentes à função principal. E também não seria esquecido o aspecto do lazer, através da conservação do lago e do bosque.

Todo este projeto de Rother ficou apenas no papel? Ele acha que sim, mas ainda por enquanto. Pois não deixa de ser otimista e considerar que a tomada do Engenho pela comunidade é uma questão de tempo. “Pode ter certeza de que ele vai ser meta prioritária de todos os candidatos a prefeito nas próximas eleições. Isto porque a questão da ecologia e da preservação serão temas fundamentais e que vão definir a disputa. O próximo prefeito terá como ponto de princípio resolver a questão. E tenho certeza de que vai ser preservado, ninguém vai ser louco de tentar demolir, o ônus seria muito grande”.

RICA HISTÓRIA

Também, mexer com o Engenho Central é mexer com muito da história que ajuda a entender a formação de Piracicaba na atualidade. Construído em 1880, ele foi inaugurado em 1883. Porém, para ter uma ideia das razões de sua instalação, é preciso recuar um pouco, mais precisamente em 1875.

Foi neste ano que foi criada uma Comissão Especial pelo Parlamento brasileiro, Seu objetivo principal era estudar a questão da agricultura e, mais especificamente, a da cana de açúcar no país. De imediato, foram levantados seis problemas— falta de treinamento profissional de fazendeiros e trabalhadores, falta de transporte, taxas altas, carência de mão de obra, necessidade de divisão de trabalho e falta de capital.

Assim, foi criado o Banco de Crédito Territorial e Fábricas Centrais de Açúcar. A finalidade do mesmo saltava aos olhos: desenvolver e modernizar a indústria açucareira. Por isso, logo em 6 de novembro de 1875, foi baixado um decreto que garantia juros de até 7% ao ano e um capital estável para companhias que estabelecessem Engenhos Centrais, fabricando açúcar de cana através de aparelhos e processos modernos.

A iniciativa era justificada pelo argumento de que os Engenhos Centrais seriam um passo para a modernização, trazendo como consequências mudanças sócio-econômicas: a separação da fabricação do açúcar da cultura da cana, trazendo uma nova divisão de trabalho.

O Engenho possuía um belíssimo canavial anexo, cuja extensão é de 1.500 hectares. A fabricação de álcool atinge a 3.000.000 de litros. O capital fixo é de 2.500.000.000 réis, sendo que só o valor das terras é calculado em 1.000.000.000 réis. A força empregada é de 740 cavalos. O número de empregados e pessoas vivendo no Engenho atinge a 5.000. É seu diretor gerente o dr. Holger Jensen Kock, um hábil engenheiro e perfeito administrador. A “Società de Sucrériés Brésilênnes”, em Paris, a quem pertence o Engenho, possui ainda três importantes estabelecimentos no Estado — o de Vila Rafard, Porto Feliz e Lorena, e mais dois no Estado do Rio, situados em Cupim e Tocàs, Estrada de Ferro Leopoldina. O capital da sociedade é de 7 milhões de francos”.

Toda a matéria prima que chegava era pesada, para controle dos fornecedores. O Engenho tinha capacidade de moer 125 toneladas de cana e produzir até 7500 quilos de açúcar diariamente, além de aguardente fabricado com resíduos de melaço.

O caldo da cana era levado, através do emprego de bombas, para grandes tanques. Aí passava para as caldeiras, com capacidade para 1500 litros, e depois para dois decantadores contínuos. Depois de passar por uma ebulição para ficar mais puro, ia para um evaporador de tríplice efeito, que elevava o grau sacarino. Permanecia em repouso e era transferido para caldeiras de cozer, que o deixavam a problemas com fornecimento de cana, falta de c planejamento, escassez de mão de obra e inexperiência de muitos industriais. E tinha um outro fato para se juntar às dificuldades: o desgaste das máquinas, que eram importadas e de complicada reposição.

Criados para garantir a competitividade da produção de açúcar brasileira no mercado exterior, os Engenhos Centrais também não estavam dando conta do recado. Isto porque as ex-colônias espanholas tinham a preferência dos Estados Unidos.

MECANISMOS DO ENGENHO

MECANISMOS DO ENGENHO

A sua produção anual era de 400 mil arrobas, mas começou a fracassar. Causa apontada, além da competição, foi o fato de que na Europa, os países produtores de açúcar da beterraba protegiam seus mercados internos com altas tarifas. Assim, o produto dos Engenhos Centrais ficou apenas para consumo interno e mesmo assim enfrentando a competição do açúcar bruto.

Logo começaram a entrar em dificuldades financeiras e, depois de algum tempo foram abandonados, dando lugar à usina, grande unidade produtiva que reunia novamente a agricultura e a indústria.

Em Piracicaba, apesar de tudo, o Engenho Central ainda resistia na década de 40. Principalmente porque tinha terras próprias para o cultivo, ficando em grande parte independente dos fornecedores. Até sofreu uma ampliação, suportando a crise e continuando com a sua atividade inalterada até os meados da década de 50.

Foi então desativado, tendo também como causa o fato de estar situado dentro da malha urbana de Piracicaba. Mas sua edificação permanece como um símbolo precioso para a cidade. Testemunha de uma época e de uma transformação que ajudam a entender uma identidade. É como diz o arquiteto Dirceu Rother Junior: “Muito da alma piracicabana esta lá”. Resta à comunidade lutar pelo seu resgate e o preservar para o futuro.

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