Festa do Divino, por Maynard de Araujo

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Alceu Maynard Araújo, considerado um dos maiores folcloristas brasileiros no século XX, nasceu em Piracicaba, onde estudou até concluir o curso normal. Na década de 50, ele produziu um texto especial para a edição do Almanaque de Piracicaba – 1955, de Hélio Morato Krahenbuhll, analisando a Festa do Divino, do qual reproduzimos trechos.

Trata-se da descrição das festividades realizadas em 24 de maio de 1947, em dia ” ensolaradamente piracicabano”, e que aponta várias modificações ocorridas com o passar dos anos:

(…)”em Piracicaba, a grande festa se dá no rio, nas proximidades do Porto Velho. Ainda hoje o povo desce a rua Direita (Moraes Barros) para assistir, da margem esquerda, ao espetáculo empolgante do encontro, agora sem aquele esplendor de antanho, embora o rádio e jornais convidemo povo e peçam que as indústrias e comércio fechem as portas, para que haja grande assistência.

(….) Nos lugares onde a festa do Divino é apenas uma tradição guardada carinhosamente , onde é quase que tão somente uma cerimônia teatral como em Piracicaba, em geral prevalece o calendário religioso, isto é o sétimo domingo da Páscoa. A festa do Divino é de data móvel, de acordo com o calendário agrícola e aqui muito mais condicionada à época da baixa do rio. Numa cidade industrializada como Piracicaba, se não fora a beleza do Encontro, já havia desaparecido ou se transformado radicalmente tão preciosa tradição religiosa-profana….

(…) Em Piracicaba, ao contrário do que acontece noutros municípios paulistas, não há sorteio para escolha do festeiro, Uma pessoa se oferece para realizar a festa. A condição sine qua non é ser católico-romano. Um festeiro poderá realizar uma só festa em toda a sua vida… Ofesteiro terá que efetuar muitos gastos. Em 1947, o padre cobrou, só para participar do Encontro, a importância de 800 cruzeiros. Rezas e procissões também são pagas. E há muitas despesas. Segundo nos informaram, aqui não há contabilidade do que se recebe e do que se gasta….

(…) Os participantes diretos da Festa do Divino, aqueles que saem no batelão e nas canoas são popularmente chamados marinheiros(…) Às 16:30 horas descem todos os marinheiros do rio-abaixo para a margem esquerda do rio Piracicaba… Do rio acima desce a balsa. No tablado flutuante vem três padres e um capuchinho, autoridades civis e militares, também a banda música ituana, garbosamente uniformizada. O festeiro, mordomos. Num altar a bordo, está a coroa de prata … A distância entre as três barcas que sobem e a balsa que desce cada vez se torna menor…

A secularização tem sua cabeça de ponte no festejo, no comércio que se faz nessa ocasião solene: há um batelão todo enfeitado, cujo dono cobra 2 cruzeiros por pessoa. O que rende… não será em benefício da festa, mas do sabido, que proporciona tal passeio de barco aos ádvenas, pois piracicabano que se preza não entra neles… é pecado. Pecado contra a tradição.

(…) As canoas e balsas encostam no Porto Velho. Forma-se a procissão, que segue atrás da bandeira. Sobe a antiga rua Direita, toda enfeitada de bambus. Dirige-se para a igreja. Houve um padre que não era amante da tradição e proibiu a entrada dos remeiros na Igreja. Padres e delegados de polícia, quando não são esclarecidos, atrapalham muito as manifestações públicas de nosso folclore, matam a tradição. Na igreja termina a festa do Encontro, geralmente realizada aos sábados…. No domingo, saiu imponente procissão encerrando os festejos…”

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