Havia, realmente, um porto
O texto abaixo foi publicado em dezembro de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.
A Rua do Porto teve este nome, porque à sua margem esquerda atracavam os vapores, que puxavam as chatas, que traziam madeira e areia da “Estação Prainha”, junto à atual Bacia do Piracicaba, em terras do município de São Pedro. Havia realmente, um porto.
Há 15 anos, só encontrei os ferros, pois, que a mesma era construída sobre pilares, que se ligavam com vigas desse metal.
De João Alfredo (nome do Conselheiro), hoje, Ártemis, quando o rio dava calado, subiam os vapores do “Engenho Central”, rebocando as chatas com aqueles carregamentos. Porém, atracavam à margem direita, bem em frente à Rua São José.
Quando isso não acontecia, o ramal da EFS, que ligava Piracicaba a “João Alfredo”, o fazia. Este ramal foi extinto pelo governador Carvalho Pinto, em 1960.
A linha de Navegação Fluvial Prainha — João Alfredo — Piracicaba foi uma iniciativa do Barão de Rezende, que batizou um dos vapores com o nome de “Santo Estevam”.
Posteriormente, ancoravam os de Paschoal Guerrini — (faleceu com 103 anos), os de Portela, ambos com serrarias na cidade.
A descaracterização da Rua do Porto começa em 1907, com a Fundação do “Clube de Regatas Piracicaba”, com a Cerâmica Nerhing, em 1908.
José Vizioli, em 1941, então prefeito, levou o esgoto por dentro, isto é, desviou-o da rua do Porto, fazendo-o passar peIas terras da “Fábrica Arethuzina Boyes”, pela parte baixa do ex-Palacete “Rodolpho Miranda”. A tubulação pode ainda ser vista no topo do início da Rua Prudente de Moraes, onde estão as jaqueiras; pelas terras do “CRP”, indo até à Estação de Tratamento, onde, agora está a Loja Maçônica. O remanescente era descarregado no rio, entre a Rua Rangel Pestana e Rua Ipiranga.
Em frente à Olaria, do Elias Cecílio, junto ao antigo campo do “União Porto E.C.”, havia o último pouso dos irmãos do Rio Abaixo, uma palhoça, construída por José Viégas Muniz, em 1862, que introduziu o “Encontro das Bandeiras”, em nossa “Festa do Divino”.
Um pouco adiante havia a “Ponte do Morato”, em virtude de ali perto se situar a chácara de Francisco Morato.
A Ponte ficava sobre o ribeirão do Enxofre, que ainda aí deságua. Era um ótimo pesqueiro de barranco.
Até a presente data não entendi, por que se chamar “Ponte do Morato” a de concreto, que liga a Avenida Paulo de Moraes à “Nova Piracicaba”. Não vejo nenhum relacionamento entre ambos, isto é, entre o homem e a ponte construída pelo Prefeito Luciano Guidotti, em sua primeira gestão (1956/59).
Na margem de lá (a da direita) se não podia chegar. Embora, fosse terreno de marinha — o dr. Daniel Rinn, o dr. Jean Balbaud ali mantinham guardas permanentemente.
As únicas que aportavam eram as canoas de uma só peça — as dos “painguá”, as de Emílio Adâmoli. É que os ribeirinhos trabalhavam na safra do “Engenho Central” e só pescavam à época de peixes.
Assim, em fins de novembro até março — o começo preciso da safra.
Como restaurar a rua do Porto?
Os outros aspectos que modificaram a geografia urbana da Rua do Porto foram:
A construção do “Clube Náutico” (1929), que tratarei em um dos registros neste mesmo espaço; a introdução das dragas de areia de João Serra, depois, de Emílio Adâmoli; a mudança do calendário da Festa do Divino, de maio para julho — (1947), não se obedecendo a septuagésima da Pascoela.
Até a alteração do nome de seu Grupo Escolar “Profa. Francisca de Castro” para “Profa. Francisca Elisa” por sugestão do prof. Elias de Mello Ayres — modificou a vivência do ribeirinho e não piraquara, como se dizia ser Adhemar Pereira de Barros.
A ida desta escola para o Jardim Monumento forçou a transferência dos escolares para o G.E. “Moraes Barros”, que modificou os seus hábitos, os costumes, os usos, pois que, o “Francisca Elisa” fora transferido de bairro e para lugar muito distante.
A Rua do Porto é estranhamente um bairro sem qualquer tipo de templo, cujos habitantes, jamais frequentaram a igreja N.S. Aparecida, construída por José Vizioli, em 1941 e a 150 m da errada “Casa do Povoador”.
Em 1964, quando fui diretor do Departamento Municipal de Turismo, tentei convencer o alcaide Luciano Guidotti para declarar de utilidade pública o ex Clube Náutico em Igreja do Divino (Espírito Santo). Nem um computador o convenceu.
A própria denominação de Avenida Beira Rio é demasiado sofisticada. Foi uma indicação ineficaz.
O grupo que irá trabalhar na restauração da Rua do Porto precisa pensar na incorporação da “Usina do Queirozinho”, que ainda está intacta; na feitura da Santa Cruz, no começo da Rua 13 de Maio, junto à grade do “Palacete Rodolpho Miranda”.
Há de se levantar a Alfândega, de que Archimedes Dutra tem um óleo; trazer a Festa do Divino para a data correta; construir a sede da Irmandade do Divino; levantar a palhoça dos Irmãos do Pouso ou do Rio Abaixo; replantar as mesmas espécies, que um leigo às suas expensas e vontade fez de um vazio o bosque, que foi derrubado com a abertura da Avenida no fundo daquele Palacete. Foi o sr. Borrêgo, então servente do G.E. “Dr. Prudente”, à Rua Santo Antônio, à época (1943).
O plantador de mudas, que as regou e viu-as crescerem ali morreu, atingido por uma árvore, decepada por um raio.
Por incrível que pareça o ribeirinho sobreviveu graças ao barro das olarias. O famigerado “Contrato da Elétrica”, em 1929, entre a Prefeitura Municipal e a “The Southern Brasil Eletric Company”, de que foram signatários, entre outros, o dr. José Rodrigues de Almeida (prefeito), o dr. José Sant’Anna (Secretário da Prefeitura), o prof. João Vizioli (Secretário da Câmara), dr. Bierrenbach de Castro, dr. João Sampaio (genro de Prudente de Moraes) – trouxe um atraso de 29 anos à cidade, pois que em 1958, um decreto presidencial extinguia a exploração das quedas d’água brasileiras por organizações estrangeiras, contemporaneamente chamadas multinacionais.
A um metro da “Ponte Velha” até o “Vai-Vem” ou “Poço” havia uma bateria de placas proibitivas. Não se podia pescar no “Canão Vermelho”, no “Pisca”, junto à Casa de Força. Os gringos já tinham noção de segurança a partir da assinatura do abominável contrato.
Entenda-se que os ribeirinhos não eram pescadores profissionais. O maciço era constituído por amadores da cidade, mas nunca moradores da Rua do Porto.
A Colônia de Pescadores Z.20 — da qual foi o seu presidente de 02.08.1952 até 26.03.1976 tinha em seu quadro menos de 20 pescadores profissionais de todo o município de Piracicaba, contra 500 de outras cidades.
O fundamental não foi a pesca, partindo-se de 1926, quando já havia gente aqui. O importante foi o barco para o painguá, para o ribeirinho. Ao tempo do róscio o capitão do mato prendia o pessoal caçando; jamais, pescando. Ainda mais: o negro não gostava d’água. Está nas Atas da História de Piracicaba.
tenho dados do Cartório de Imóveis de Piracicaba de que meu bisavô, Roque Gallucci havia comprado um imóvel em Porto Alfredo em 1918.