A heroica travessia do Rio Piracicaba

travessia

Google Image

Esse texto foi publicado em outubro de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para marcar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

Foi uma grande aventura. Não poderia ter outra classificação o que fizeram aqueles seis ousados jovens piracicabanos, da equipe de remo do Regatas, em 1937. Enfrentando perigos e dificuldades, venceram uma travessia de treze dias pelos rios Piracicaba e Tietê, saindo do Piracicaba e chegando a São Paulo. Tudo isso feito com um barco yole de 4 remos, contando apenas com a força dos braços para vencer as corredeiras dos rios. Uma façanha que hoje seria comparável a um rallye de moto por todo o Brasil. Não é à toa que até hoje muita gente da cidade não se esquece do fato.

Os nomes dos seis rapazes: Sylvio de Aguiar Souza, Braz Grisolia, Guido Pettinazzi, Sydney Petta, Orestes Signorelli e Osires Tolaine. Sylvio, Braz e Sydney já faleceram há algum tempo e Orestes, O ‘ ‘Foguinho”, na semana passada. Osires mudou-se para São Paulo e faz tempo que não vem pra cá. Mas quem ainda se recorda de tudo, como se tivesse acontecido ontem, é Guido Pettinazzi, hoje bancário aposentado e com 73 anos.

MANIA DE GRANDEZA

Guido lembra da aventura com indisfarçável emoção. “Foi a maior coisa que eu já fiz na minha vida e não vou esquecer mais” , ele diz. Para Guido, o desafio de enfrentar esse “raide fluvial”, como foi chamado, surgiu até espontaneamente. Afinal de contas, o remo para ele era companhia frequente desde quando era moleque e morava na rua Prudente de Moraes, perto da Tiradentes.

Guido morava ali pertinho do rio, rio que exercia uma atração grande em todo menino daquela época. E à beira do rio, já estava um clube, o Regatas, que era o centro de todos os esportes em Piracicaba. Ele se lembra disso e afirma que o Regatas daqueles tempos tinha um clima diferente, era mais cheio de vida, enfim. “Era bastante agitado, tinha sempre competição. Quando completei 15 anos, comecei a praticar remo e não parei mais. Também, dava gosto, porque o rio era uma beleza. Se a gente ficava com sede, dava até pra beber a água, que era limpinha.”

Não demorou para Guido logo fazer amizade com outros moços que praticavam o esporte. Diz que era “uma turminha muito unida”. Entre eles, estava Braz Grisolia, que afirma ter uma característica especial: ‘Ele tinha mania de grandeza.” Braz achava que a

“turminha” era boa de remo e colocou na cabeça que eles deveriam fazer alguma coisa que ficasse marcada na cidade. E por que não ir de Piracicaba a São Paulo remando?

A princípio, o pessoal não levou muito a sério a história, mas Braz conseguiu a adesão de Sylvio, Guido, Sidney, Orestes e Osires. Guido recorda dos planos. ‘ ‘A gente acabou gostando da ideia, e ficamos treinando 15 dias, indo do Piracicaba até o Corumbataí e depois voltando, todos os dias, até ficar com maior resistência.”

A TRAVESSIA

O barco era de quatro remos, com Sylvio e Braz, que eram mais elhos, ficando como patrões. O percurso seria feito peIo rio Piracicaba até a altura de Barra Bonita, depois pegando o Tietê até chegar a São Paulo. A previsão da viagem era de 13 dias, sendo definidos 13 pousos para recuperar as energias.

A partida foi em 5 de dezembro de 1937, em frente ao Regatas, como diz Guido. “Tinha bastante gente que foi ver, mas não teve festa. E todo mundo torceu muito. Minha mãe, por exemplo, sabia que ia ser perigoso, mas não foi contra. Acho que porque ela sabia que aquilo era importante pra mim.’

Importante mesmo era ter espírito forte e senso de resistência para aguentar a viagem. Guido diz que não foi fácil, não. Para começar, era preciso enfrentar águas traiçoeiras de alguns trechos, como o de Barra Bonita. “Tinha lugar que precisava descer do barco e ir empurrando. E em muitos pedaços, tivemos que dormir na beira do rio. Comida também não era muito fácil de arrumar, a gente chegava a passar a pão e banana.”

Apesar de tudo, ele confessa uma coisa. “Não teve nenhum momento em que eu ou nenhum deles pensamos em desistir”. É que a turma era muito animada, eles se entendiam muito bem. Pelo menos, ele diz que brigas nunca aconteceram. “Os mais brincalhões eram o Petta e o Foguinho. Eu me lembro que tivemos que levar uma panela e um fogareiro para fazer comida e cada dia um é que tinha de cozinhar. No dia do Petta, tinha uma galinha, mas ele deixou queimar. Reclamamos muito e pegamos no pé dele. Mas não teve outro jeito, tivemos de comer galinha queimada mesmo. “

OS APUROS

Guido diz que, para terminar a travessia, eles tiveram que passar por muitas coisas. “No pouso de Porto Martins, não tinha onde dormir, tivemos que deitar no chão da estação de trem. Medo não dava, porque naquele tempo não tinha perigo de assalto como tem hoje, não acontecia nada. A única coisa que a gente precisava ficar atento era se aparecesse alguma cobra, isso quando tinha que dormir na barranca do rio.”

Por sorte, não acabou aparecendo nenhuma cobra, mas quase que eles foram confundidos com uma capivara e levaram um tiro. Guido explica. “É que fomos armar as duas barraquinhas que levamos na beira do rio e não percebemos que bem naquele lugar estava preparada uma armadilha para caçar capivara. A arma estava carregada, e se o bicho passasse por uma linha, ela disparava. Quase que quebramos a linha e por pouco não levamos um tiro.”

Outros imprevistos aconteceram, como quando Braz e Sylvio quase foram queimados pelo sol. “Os dois eram mais velhos e não tinham muito costume de enfrentar o sol, como nós quatro. Então, logo no primeiro dia, ficaram com as costas queimadas. Paramos em Santa Maria da Serra, mas não tinha nada para colocar, puseram fermento nas bolhas, eles até choraram, mas não desistiram.”

A CHEGADA

Eles chegaram em São PauIo no dia 18 de dezembro de 1937, às 17 horas, no Clube de Regatas Tietê. Guido diz que o cansaço dos seis era enorme, mas a recepção foi ótima. “Eles deram uma janta muito boa pra gente e depois pudemos finalmente dormir numa cama macia depois de tanto tempo.”

O feito dos rapazes era considerado inédito e puderam experimentar o doce sabor da fama. ‘Demos até entrevista pra jornal de São Paulo. O Sylvio e o Braz é que gostavam muito disso, eles diziam que agora a gente era importante.” A volta para Piracicaba aconteceu no dia seguinte, eles pelo trem da Paulista e o barco trazido de caminhão. Guido diz que teve até festa na Estação e durante muito tempo aquilo foi comentado na cidade. “Todo ano nós fazíamos reuniões no dia 5 e no dia 18 de dezembro para comemorar, mas depois não deu mais certo, cada um foi para um lado. Só o que me entristece é saber que a maioria deles já morreu, só sobrou eu e o Osires, mas eu não vejo ele faz muito tempo”.

Guido diz que a prática do remo o acompanhou durante muito tempo, até quando sentiu que não tinha mais resistência física suficiente. Para ele, esse esporte muito saudável e deveria ser mais praticado, principalmente no Regatas, torcendo para que volte logo. Tem razões para essa paixão pelo remo, afinal foi ele que lhe trouxe uma das maiores emoções da sua vida. “Essa aventura eu não vou esquecer enquanto viver”.

1 comentário

  1. LINNEU JOSE LIBORIO STIPP em 27/04/2018 às 16:13

    PRAECLARUS

    O CLUBE DE REGATAS PIRACICABA DURANTE MUITOS ANOS OFERECEU ESPORTE, AMIZADE, ALEGRIA AOS FREQUENTADORES SOCIOS DO CLUBE.

    ALGUNS SOCIOS CUIDAVAM VOLUNTARIAMENTE DO CLUBE, LEMBRO-ME DO ANTONIO FLORA, QUE ESCAVAVA UMA AREA DO TERRENO PARA FAZER UMA PISCINA!

    EM UM DOMINGO DE CARNAVAL FIZEMOS UM BANHO A FANTASIAA. DESFILAMOS PELA CIDADE, TERMINAMOS NA BARRANCA DO RIO PIRACICABA. OS SO CIOS DESFILARAM COM SUAS FANTASIAS E ALEGORIAS. EU PEDI PARA MINHA MAE COSTURAR UMA ROUPA DE PAPEL CREPOM SIMULANDO A VESTIMENTA DO GENERAL DA BANDA. LEMBRAM-SE DA MARCHA CARNAVALESCA?..

    À FRENTE DO DESFILE UMA ALEGORIA, UMA CATRAIA, PILOTADA POR UM SOCIO, O TARZAN.

    ÁS VEZES APARECIAM NO CLUBE UNS VISITANTES, LEMBRO-ME DO MILTON RIBEI RO,ARTISTA QUE FEZ O PAPEL DE LAMPEAO REI DO CANGAÇO..

    DE REPENTE O REGATAS SUMIU, OS BARCOS FORAM ARMAZENADOS NO ENGENHO CENTRAL.

    SAUDADES!

    LINNEU JOSE LIBORIO STIPP

Deixe uma resposta