Japoneses: da lavoura à indústria

casa_japonesa

Casa japonesa do início do século passado

Esse texto foi publicado em setembro de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

Eles trabalharam com afinco em terras estranhas, com costumes e uma língua diferente daquela em que estavam. Pela enxada, plantaram, colheram e os frutos estão maduros. Há uma nova geração japonesa, os nisseis, que relembram a história de seus avós, cultivando uma tradição muito rica, de um país que hoje é um dos melhores na área da tecnologia.

Quem lembra a história de uma vida dura, sacrificada, é dona Rosa, ou como está em seu registro de nascimento, Yukie Takaki, viúva de Shigueli Takaki. Hoje ela está com 73 anos de idade. Chegou a Piracicaba aos 16 anos, junto com seus pais, para trabalharem na lavoura, a da Fazenda Pau d’Alho. Nessa época, mais de 40 famílias vieram do Japão com contrato de trabalho durante um ano, na fazenda de plantação de café. “Eu nunca tinha pegado na enxada. No Japão, eu estudava, fazia o terceiro ginasial. Aqui tive que trabalhar na roça”, diz dona Rosa.

Seu pai resolveu morar no Brasil, como conta, para ganhar dinheiro. Naquele tempo, havia muitos comentários de que o Brasil era um ótimo lugar para fazer o pé de meia. “Mas, quando chegamos aqui, vimos que não era fácil, não. Minha mãe vivia chorando, porque ela queria ir embora”.

Eles ficaram e durante o contrato de trabalho cultivavam café. “Ah, mas o café não era bonito, não.” Porém, a maior dificuldade da família de dona Rosa não era apenas a lavoura. Era a forma de se comunicar. “Pra gente falar com eles, tinha que ficar gesticulando. Até hoje eu não aprendi direito, porque nunca fui na escola. Só puxava enxada”.

Depois, o pai arrendou um sitio. E lá foi dona Rosa trabalhar novamente na lavoura. Conheceu Shigueli Takaki, casaram-se e foram morar com o irmão mais velho, num sítio. Até que conseguiram um sitio próprio, em Pedra Branca (bairro Limoeiro), onde ficaram 12 anos e tiveram nove filhos. “Meus filhos mais velhos também trabalharam na roça. A gente levantava cedo. Junto com o sol, e ia embora quando o sol baixava.”

Há 30 anos, dona Rosa está morando na cidade. Takaki vendeu o sitio para comprar um bar em frente à Universidade Metodista de Piracicaba. Os filhos estudaram e hoje ocupam cargos de destaque nas empresas da cidade. Um deles é Irineu Yugo Takaki, gerente de segurança do trabalho na Caterpillar do Brasil. Ele não chegou a trabalhar na lavoura. Tinha apenas cinoco quando a família se mudou para a cidade. ‘ ‘Os japoneses mais tradicionais, que vieram do Japão, trabalhar no Brasil tiveram vida muito difícil. Os mais velhos sofreram muito. Submeteram-se a trabalhos rudes, sem dinheiro. Hoje, eles gostam daqui”, diz Irineu.

Presidente do Clube Recreativo da Comunidade Japonesa, a Chácara Sol Nascente, Irineu confessa:  ‘Eu sou muito pouco japonês. Não conheço bem a cultura com profundidade, porque aprendi a viver com os brasileiros.” Casado com uma brasileira, afirma que pertence a outra geração de japoneses. “Eu sou brasileiro, mas gosto da cultura do Japão porque as raízes são fortes.”

Japonês ou brasileiro?

O diretor industrial do Grupo de Papel Simão é japonês. Pelo menos essa é a raça de seus pais. Itiro Sato é filho de imigrantes, mas nasceu no Brasil. Seu pai veio para cá aos seis anos de idade, indo morar em Cafelândia, onde ele nasceu e morou até os cinco anos. O pai de Itiro, Kiyoshi Sato, trabalhou na lavoura, depois comprou um caminhão, durante a Segunda Guerra, que utilizava para comprar cereais no Paraná e comercializá-los depois.

Comprou uma torrefação de café até que fundou o Café do Ponto quando morava em São Paulo. Itiro sempre estudou, juntamente com os irmãos. Mas, como ninguém optou por administrar a torrefação, Kiyoshi Sato acabou vendendo e fundou uma indústria de material de construção, em Indaiatuba. Formado em engenharia química, Itiro Sato começou no Grupo Simão como estagiário e há oito anos está na cidade, administrando a Indústria de Papel Piracicaba.

Olhando para o passado de seus pais, diz acreditar que os imigrantes japoneses foram obrigados a se submeter a um regime de trabalho forçado, diferente daquele existente em seu país de origem. “A maioria não tinha convivência com o campo.” O que provavelmente deixou muitos desiludidos. “A diferença da cultura, da língua… houve uma segregação da raça. Havia ainda as diferenças climáticas, geográficas. Eles lutaram muito através do trabalho.’

Itiro Saro diz sentir muitos reflexos da cultura japonesa,

são regras seguidas por ele rigorosamente. ‘ ‘Quando era criança não entendia porque meus pais eram rígidos comigo. Eu vivia numa sociedade aberta para certas coisas. Mas, com a rigidez da minha infância e com a própria vida, eu misturei a cultura japonesa com a brasileira. Eu me sinto um privilegiado”. E confessa: ‘ ‘Eu sou brasileiro. Vivo com a insegurança que existe neste país, vivo o drama criado pelos políticos.”

‘ Não nego a cara”

Quem sempre procurou conciliar a cultura japonesa com a brasileira é o gerente da CPFL, Yoichiro Umeda. “Sempre tive na cabeça que não poderia negar minha cara, e estudei a língua japonesa, procurando não deixar a cultura.” Vice-presidente da Comunidade Japonesa de Piracicaba, Umeda é filho de imigrante e nasceu seis meses depois que os pais se mudaram para Bastos, na região Oeste. “Eles compraram terras brasileiras lá no Japão e quando chegaram aqui, viram que a mata era virgem, que a terra tinha que ser tratada. Eles sofreram bastante”.

E derrubando matas, plantando e esperando o resultado do trabalho, a família Umeda, que tinha trazido um pouco de dinheiro para o Brasil, ficou pobre. “Tiveram que recomeçar a vida”. Yoichiro Umeda estudou na Fundação Getúlio Vargas e começou a trabalhar na CPFL como técnico e fala que os pais, com os demais imigrantes japoneses “contribuíram bastante para o progresso do Brasil. Os japoneses por natureza são dedicados. Às vezes, até fanáticos pelo que fazem.”

Casado com uma japonesa, que veio para o Brasil com apenas um ano de idade, junto com os pais, Umeda sempre procurou estar no meio da colônia japonesa para entender e participar da cultura de seus pais. Atualmente, um de seus objetivos é cadastrar as famílias japonesas que moram em Piracicaba, já que apenas 100 famílias participam da comunidade. O levantamento faz parte das comemorações dos 80 anos de imigração no Brasil. Mas a festa oficial da colônia local será em agosto, quando os japoneses completam 70 anos de imigração em Piracicaba.

Deixe uma resposta