Japoneses em 1988: 80 anos no Brasil, 70 em Piracicaba

O texto abaixo foi publicado em junho de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

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A primeira leva de imigrantes japoneses pisou em terras brasileiras há 80 anos. Era 18 de junho de 1908 quando o navio Kasato Maru aportou em Santos (SP) trazendo os primeiros imigrantes japoneses. Dez anos depois chega nova turma e, nela, estavam integrantes das famílias Takaki e Yiamashita.

De São Paulo, vieram para Piracicaba de trem Sorocabana. “Eles chegaram aqui no dia 7 de setembro e a cidade comemorava com banda, desfiles e fogos a Independência do Brasil. “Acharam que tudo aquilo era para recepcioná-los e ficaram surpresos” — diz seo Oscar, (Massashi Nishimura), rindo.

As famílias Takaki e Yiamashita foram para o bairro Pau D ‘Alho, onde trabalharam de colonos nas plantações de café. Mas a intenção, segundo seo Oscar, era mesmo formar uma grande lavoura. “A esperança no Brasil era grande” — conta.

As dificuldades que encontraram aqui não foram poucas. A começar da comida. Os japoneses acostumados com legumes e verduras, tiveram que entrar  na carne seca, arroz, farinha e feijão, “bem temperado” – observa.  Aqui em Piracicaba, especificamente, onde o número de italianos era considerável, os imigrantes japoneses tiveram que optar pela massa.

Uma outra dificuldade: a linguagem. Seo Oscar lembra de um fato pitoresco. Um japonês entrou num armazém gesticulando, mas o comerciante não conseguia entender o que ele queria. Irritado, o japonês xingou: bacaiarô (que quer dizer bobo). E o negociante pegou bacalhau e entregou ao freguês.

Em 1.920 nova turma de japoneses chega a Piracicaba, indo também para a fazenda Pau D’Alho. Foram trabalhar como colonos e aos poucos compraram suas terras, cultivando frutas e legumes em suas propriedades.

Os imigrantes japoneses são testemunhas da crise do café vivida pelo Brasil. “Todo mundo jogava o café que custava sete mil réis o saco, enquanto o salário era de três mil réis. Como podia a lavoura aguentar? Jogavam o café no mar. Aqui em Piracicaba, queimaram montes de café” — relembra.

Seo Oscar calcula que integrantes de 200 famíliasjaponesas residem em Piracicaba, hoje. Eles estão nas indústrias, no comércio, nas escolas contribuindo com o desenvolvimento da cidade.

Seo Oscar, um imigrante persistente

Massashi Nishimura, conhecido como Oscar, tinha 20 anos quando chegou ao Brasil. Integrava um grupo de estudantes japoneses que deixava no Japão a crise do desemprego. Trazendo na bagagem a esperança, o entusiasmo e mudas de Juta do Paquistão, os 56 jovens chegaram ao Brasil no dia 31 de maio de 1933. Na embaixada japonesa, no Rio de Janeiro, cantaram o Hino Nacional Brasileiro do “começo ao fim”, lembra seo Oscar, aos 75 anos. Eles tinham aprendido a língua Portuguesa num curso que fizeram no Japão.

Instalado confortavelmente no edifício Bandeirante, ele e sua esposa lembram com detalhes do início difícil num pais onde a língua costumes e cultura são completamente diferentes.

Assim que chegaram ao Brasil, seo Oscar e seus companheiros foram direto para a região Amazônica. A juta que trouxeram, da Índia e do Paquistão, é uma variedade bem diferente da nossa, e até hoje se desenvolve no Brasil chegando a atingir até quatro metros de altura (hoje o Brasil produz cerca de 15 a 20 por cento de juta que utiliza).

Na época, ele também plantou cacau e seringueira, num período aproximado de dois anos.

Mas em 1935, o governo, com a aprovação da Lei “Miguel Couto”, limitou sensivelmente a entrada de japoneses no País. Com isso, o número de imigrantes que entrava no país caiu de 15 mil para três mil. Eles ficavam em São Paulo e Paraná, já que não existia mais condições de irem para a Amazônia, onde a concentração de japoneses era grande. A consequência da medida governamental foi a redução de mão-de-obra para o cultivo de juta e outras plantações naquela região. Seo Oscar explica: “O caboclo não trabalhava”. E sua esperança tinha ido por água abaixo.

Seo Oscar decide deixar o Amazonas e vir para São Paulo. Desembarcou no porto de Santos e foi para Suzano, plantar tomates, alface e outras verduras. Lá trabalhou como lavrador, recebendo pouco. A luta não era das mais fáceis. Segundo seo Oscar, em São Paulo ninguém queria verduras e os caminhões de repolho apodreciam nos mercados.

De Suzano, foi morar em Mogi das Cruzes, onde plantou tomates em um sítio que comprou em 1935. De lá foi para Piraí, onde aprendeu a “queimar carvão”. Continuou sua peregrinação e acabou em Santa Bárbara do Rio Pardo, iniciando uma plantação de algodão em uma área de dois alqueires que havia arrendado. Teve azar. A querequê acabou com todo algodão e Oscar, desanimado, abatido, voltou para São Paulo.

Já em São Paulo decidiu montar uma equipe da luta livre e sair pelo interior fazendo apresentações. Araraquara, Taquaritinga, Piracicaba. Aqui se apresentou no antigo Teatro Santo Estevão, que ficava ali onde atualmente é o teatro São José. Como ganhava pouco lutando, abandonou as apresentações e voltou a ser lavrador. Primeiro numa região próxima a Marília, depois em Rio Claro onde plantou cereais e tomates numa chácara. As perspectivas eram excelentes com o preço do tomate a 30 mil réis a caixa. Tudo daria certo se não fosse o rio Carumbataí transbordar, registrando a maior enchente de sua história, e cobrindo toda a plantação. Desolado, seo Oscar viu o resultado no final da safra: apenas três caixas de tomate…

PASTELARIA 

Persistente, tentou uma pastelaria. Não teve sorte e veio, então, para Piracicaba. Estava doente, com maleita, barrigudo, mas o clima “bom” da cidade ajudou-o a se recuperar. Aqui as coisas começaram a melhorar. Conheceu dona Lourdes, também imigrante japonesa. Casaram-se em 1941, e tiveram seis filhos “todos formados e bem colocados hoje” — como afirma.

Naquele tempo, quando chegou aqui, Oscar foi fazer o que aprendeu em Piraí: queimar carvão na Chácara Nazaré. Com a guerra, veio a falta de petróleo e, consequentemente, a valorização do carvão. Mas Oscar recebia apenas dois mil réis por saco produzido, enquanto os donos da Chácara vendiam por até 30 mil réis um saco de carvão. Insatisfeito, decidiu entrar no comércio e fazer pastel no mercado municipal.

Um ano mais tarde, comprou uma quitanda que ficava em frente ao Teatro São José, onde existia o Santo Estevão. Depois montou um bar esportivo e, tempo depois, seo Oscar e dona Lurdes decidiram partir para um negócio maior. Surge, então, o restaurante Alvorada. Há cerca de 10 anos venderam o restaurante e foram ao Japão, rever amigos e parentes, e matar a saudade dos lugares. Dona Lurdes comenta: “Ainda tinha gente num hospital por causa da bomba que jogaram em Hiroshima”. Sua expressão dócil revela uma profunda decepção, tristeza e mágoa. Antes de embarcarem rumo ao Japão, passaram dias conhecendo o Brasil para divulgá-lo lá fora.

Lúcido, às vezes bem humorado, seo Oscar revela uma de suas grandes preocupações longe de sua terra: manter a cultura de seu povo. Tanto que chegou a contratar uma professora para ensinar japonês aos seus filhos. Foi presidente por 12 vezes da entidade japonesa fundada em Piracicaba, em 1950, onde ensinava judô aos jovens. Ele lembra com detalhes: lotava uma perua Kombi, e levava-os até a sede onde ficava horas ensinando, sem ganhar um tostão. Até os alunos da escola de Agronomia (Esalq) iam ter aula com ele. Dedicava-se na tentativa de enraizar os costumes japoneses e a cultura naqueles jovens.

Hoje, aposentando, reconhece que era uma tarefa difícil. A maioria dos costumes japoneses se perdeu com o tempo e os jovens japoneses vão, a cada dia, sentindo mais forte a cultura brasileira em suas vidas. Afinal, é aqui que vivem.

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