Mirante, entre altos e baixos

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Esse texto foi publicado em setembro de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para marcar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

Está certo que atualmente ele anda muito abandonado, mas não há como negar que o velho Mirante é um dos pontos que mais identificam a cidade. Para muitos visitantes, guardadas as devidas proporções, chegar pela primeira vez em Piracicaba e não conhecê-lo, pode ter a mesma sensação que ir ao Rio de Janeiro e não se interessar em ver o Corcovado ou o bondinho do Pão de Açúcar.

Talvez esse abandono tenha muito a ver com a própria situação do rio, que nos últimos anos deixou de oferecer às pessoas o antigo espetáculo das águas revoltas no salto para se transformar numa testemunha viva dos efeitos da poluição.

Certamente há quem pense que não existem motivos para se cuidar de um antigo cartão-postal que hoje dá mostras de irremediável decadência. Mas tem quem pense o contrário, que tomar conta do Mirante só pode ser necessário para se retomar uma tradição e preservar um dos nossos espaços mais autênticos.

Com certeza; um dos que pertencem à segunda corrente de opinião é o professor Guilherme Vitti, um dos grandes estudiosos da história piracicabana. E quando se fala para ele sobre o Mirante, uma das suas primeiras reações é de desânimo. “Ah, aquilo está que é uma vergonha, não pode ficar tão abandonado, o povo ainda não parou pra pensar sobre o valor daquilo”.

INICIATIVA PARTICULAR

Guilherme Vitti é pessoa bastante autorizada para falar sobre a história e o valor do Mirante. E não só em relação a ele, mas sobre tudo o que diga respeito à formação e o desenvolvimento de Piracicaba neste sécuIo, com uma paciência e um senso metódico impressionante.

O Mirante desde o início passou a ser um dos orgulhos de Piracicaba, mas desde àquela época já se realizavam esforços para sua conservação. Como demonstra a ata de uma sessão realizada na Câmara Municipal, já que correm o risco de se desmanchar. Outros dão um grande trabalho até para serem decifrados, pois a escrita antiga quase se assemelha a hieroglifos.  Nos documentos que tem sobre a cidade, numa sala acanhada que dispõe no prédio da Câmara Municipal, ele estuda e pesquisa. São volumes e mais volumes que mantém para consulta da população.

CUIDADOS

Um documento de  21 de janeiro de 1929 fala sobre o péssimo estado de conservação, na época em que a presidência da Câmara era de Coriolano Ferraz do Amaral. Falava sobre desabamento de terra que poderiam ocorrer em épocas de chuva. Como afirma a mesma indicação: ‘Obriga desta forma a obras urgentes de reparação imediata e de proteção ao canal para limitar o prejuízo, o que será em benefício do Patrimônio Público e do Engenho Central”. O trabalho foi feito em conjunto, dividindo as despesas entre e Prefeitura e a Società de Sucreries Bresilênnes. Como afirma Vitti, “hoje fica comum se falar mal das multinacionais, mas neste caso você pode perceber que a Sucrêrie realmente se interessava pela cidade e não apenas com seu próprio lucro. E depois dá pra ver que a preocupação com a preservação de nossos lugares históricos não é uma coisa recente”.

NOVA CONSTRUÇÃO

O Mirante e o Engenho Central, pela proximidade, funcionavam em Piracicaba como coisas praticamente ligadas. Até que em meados da década de 50, o Engenho foi finalmente desativado, não conseguindo mais suportar a crise deste tipo de estabelecimento com a implantação das usinas. Depois disso, passou a ser uma das grandes reivindicações da cidade que o Mirante fosse reformado.

E o projeto só foi concretizado graças à atuação do prefeito Francisco Salgot Castillon. Sobre isso, Vitti diz o seguinte: “O mérito é todo do Salgot, não há dúvidas e nem como negar. O pessoal às vezes tenta diminuir o valor, mesmo que seja por que não conhecem a história da cidade, mas eu costumo dizer que o tempo acaba dando razão pra quem realmente tem. E também não posso deixar de dizer que Salgot foi um de nossos maiores prefeitos.

O novo Mirante foi inaugurado em 1º de agosto de 1962, numa grande festa que contou com a presença do então governador Carvalho Pinto. A grandiosidade da obra recuperava o orgulho dos piracicabanos pelo lugar, feito através de uma arquitetura moderna e arrojada para a época. Acontece que 26 anos se passaram e o Mirante está praticamente abandonado, pouco ou quase nada foi realizado depois da inauguração. As marcas do tempo foram inevitáveis, com o desgaste de muita coisa e a conservação foi deixada de lado. A propósito, Guilherme Vitti tem um fato interessante para contar: “Nós, que somos piracicabanos, notamos que a maioria já nem se interessa sequer em visitar o local, a não ser para frequentar o restaurante. E que de vez em quando é alarmada por notícias, como a divulgada no ano passado, que dava conta de um provável desabamento. “Respeito muito o trabalho do Nelson Rodrigues, que fez a denúncia, como cientista, mas neste caso foi um exagero. Pois se sabe que esta preocupação já existia há muito tempo e se resolve simplesmente com conservação de maneira planejada e bem feita, o que não está Refrigerantes acontecendo”.

Aliás, Vitti também acha que existe um certo exagero na postura de muitos ecologistas atuais na postura feroz de combater qualquer corte de árvore. “Eles parecem que se esquecem que os cortes às vezes são necessários. Mas notei que quando recebi aqui uma delegação de tiroleses da província de Trento. eles ficaram literalmente embasbacados com a beleza do lugar.”

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