Moçada nativa discute a cidade

O texto abaixo foi publicado em outubro de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

mo (1)

Neste bate-papo, seis jovens nascidos e residentes em Piracicabana opinam sobre variados temas. O debate foi realizado na inauguração do “Bar do Queiroz”, no Calq.

São eles: Roselene Maria Angeli, 21 anos, funcionária da Telesp; Mauro Rontani, 24 anos, estudante de Direito e chefe do gabinete do deputado federal João Herrmann Neto; Margarete Regina Chiarella, 20 anos, e Ana Cláudia Carraro, 23 nos, estudantes de Economia Doméstica; Eri Borges Regitano, 21 anos, e André Blumenschein, estudantes de Agronomia.

mo10

Qual é a maior dificuldade que o jovem de Piracicaba encontra? 

A Margarete começou a discussão dizendo que a cidade é cheia de ti-ti-ti (fofocas), bastante conservadora, e que existem padrões rígidos a serem seguidos. Para ela, Piracicaba também é muito preconceituosa.

Mauro concorda em relação às fofocas. Segundo ele, os fatos correm muito rápido e isso assusta um pouco as pessoas.

Roselene diz quase o mesmo do seu modo: “fala-se muito e faz-se pouco”, e diz que há tradicionalismo na cidade.

Então há muita fofoca e “policiamento”?  

Margarete admite em parte, pois acha que existe um grupo fechado de pessoas, o qual estabelece regras na cidade; conseqüentemente, quem sai fora desse esquema é excluído, tachado quase como anormal.

Já o André disse que em Pira não existe anonimato, mas não considera isso um grande problema. Após ter entrado na Esalq, se envolveu bastante com pessoas de fora e praticamente cortou relações com a cidade. Acha difícil o relacionamento do universitário com pessoas que não estudam.

André também afirmou que Piracicaba é uma cidade do interior e grande, mas não deixa de ser província. Pelo número de universidades que possui, a cidade deveria ter uma cultura melhor. Conclui: “a sociedade piracicabana é rica mas tem uma cultura tupiniquim”

Quais são, então, as opções de lazer e cultura? 

Eri acha Piracicaba bastante limitada em opções de lazer. Segundo ele, ainda existe motivação à tarde. Rua do Porto, Aeroporto, barzinhos da Av. Carlos Botelho. Já a noite fica restrita às boates. A parte cultural, segundo ele, está bem restrita: faltam shows. Afirmou: “como disse o André, o pessoal é muito metido e caipira”.

Mauro disse que para diversão só existem bares e restaurantes, e que as duas boates são suficientes. “A cidade precisa ferver em nível de cultura, no Teatro, Praça, assim como devem surgir oficinas de músicas”, e acha que as universidades devem entrar nesse processo. “Os vídeo-clubes estão tomando conta da cidade”.

Ana Cláudia disse que Piracicaba tem muitos “traillers” , as pessoas preferem comer sanduíches no carro, sinal de que não querem se relacionar com outras. Em nível de barzinhos diferentes, disse que há só um com música ao vivo. Então acha que restam poucas opções como vídeo e boate, “a qual vende convites até uma certa hora, então você tem que programar o seu lazer”.

mo1

Quando você sai em Piracicaba é fácil ou não se relacionar? 

Margarete acha que a interação entre as pessoas diminuiu bastante, além de haver preconceito em se fazer amizade em determinadas situações. “Tudo é visto com muita malícia”, e diz também que existe pressão por parte de algumas pessoas, o que faz com que as outras sejam barradas.

André sente falta de maior número de bares caracterizados e restaurantes típicos. Em geral, sobre o que está ruim em nível de lazer, acha que as pessoas reclamam mas gostam da situação. Acha que estão muito acomodadas, falta incentivo. Reclamou que há poucos shows na cidade, e que a população não costuma freqüentar muito o Teatro Municipal, o Cine Arte e a Escola de Música.

Mauro ressaltou que tudo o que se discutiu até então como lazer é privilégio da classe média e média baixa. Segundo ele, os problemas que a periferia encontra nesse sentido são muito piores, pois não existe dinheiro para diversão e os “botecos” estão sempre cheios, assim como a Praça no final de semana.

Roselene concorda com ele e acha que isso, ocorre, de um modo geral, também no País. Explica que o comodismo de algumas pessoas pode decorrer da falta de grana para o lazer. Reclamou que alguns barzinhos não deixam as pessoas à vontade, pois estão sempre “dando um toque” para se ir embora.

Como o povo de Piracicaba se relaciona com quem vem de outras cidades? 

“Muito mal”, disse Roselene, explicando que o pessoal da cidade se fecha.

Já o Mauro discorda, achando que a cidade é receptiva. “Quem morou em Araraquara, acha Piracicaba um berço”.

Eri concorda com Mauro. Segundo ele, é grande a presença de nativos nas festas de repúblicas da Esalq, os quais se enturmam bem.

André acha que nas universidades o pessoal de fora chega com preconceito para com quem mora aqui. O ideal, segundo ele, é que isso não aconteça e haja um intercâmbio entre os dois lados.

Ana Cláudia considera o seguinte: há receio por parte dos nativos em freqüentarem as festas da Esalq, e como explicação para isso diz que tanto o pessoal de Pira se fecha, como também o de outras cidades.

Margarete concorda com Ana Cláudia e vê o problema em dois grupos de pessoas: um, que “comanda a cidade”, que é forte e conservador, composto por pessoas de elite e “aderentes”. Segundo ela, é difícil chegar neIas. O outro grupo, diz, são jovens, cuja relação é mais fácil.

Mauro discorda quanto a um grupo de pessoas controlar a cidade. Para ele, o poder local rompeu as oligarquias.

André acha que as universidades deveriam fazer promoções conjuntas, o que facilitaria o relacionamento.

Roselene acha que a classe alta sempre acaba falando mais alto.

Foi citado que a cidade é preconceituosa. 

Segundo Eri, há cidades piores nesse sentido, e não acha que “panelas” signifiquem preconceito. Disse que talvez pessoas negras sejam barradas ao tentarem freqüentar piscinas do Clube de Campo, mas não verificou com certeza se isso acontece.

Mauro disse que o preconceito racial existe e citou o caso da estudante Rita de Cássia Silva Augusto, de 25 anos, que foi barrada no Clube Coronel Barbosa neste carnaval. Mauro afirmou que há preconceito também em outros níveis, já que é comum pessoas (principalmente profissionais liberais) quererem ascender socialmente pra fazerem parte de um núcleo restrito.

Piracicaba é uma cidade machista? 

A resposta afirmativa foi unânime entre as meninas. Rose disse que também existe preconceito quando se fala de alguma mulher que é separada ou “amigada”.

Mauro acha que a sociedades em geral é machista.

André discorda da Roselene quanto ao preconceito contra mulheres separadas. Acha que existe preconceito racial na cidade e, noutro sentido, nota que é utópico grupos de classes econômicas diferentes se relacionarem entre si.

Ana Cláudia concorda com André nesse último aspecto, dizendo que a sociedade já estabelece essa separação.

(Mauro diz para o André, rindo: “você criou a luta de classes.”)

Como é o relacionamento amoroso em Piracicaba? 

Eri acha a cidade bastante romântica e privilegiada em meninas. Para ele, há um clima gostoso à tarde, de paquera na avenida. “O número de motéis justifica isso”, diz.

Mauro: paquerar é bom aqui, tem gente bonita.

André acha que, por ser do interior, Piracicaba tem uma vantagem: o clima de paquera. “A rua do Porto parece praia” mas acha que não é como “quadrar-jardim”

Margarete diz que para o homem, namorar é “status”. Segundo ele, para a mulher há muito mais cobrança, e quem é separada aqui é considerada “mulher de programa”. Acha que a cidade condiciona as pessoas acharem natural o homem sair por aí e procurar alguém para transar, enquanto que para a mulher isso “pega mal”.

Ana Cláudia diz que a cidade é legal para paquerar, mas acha difícil se relacionar com caras que não sejam da Esalq, pois geralmente tais pessoas são bem vazias interiormente.

Roselene acha que depende do objetivo de cada pessoa na paquera. Sente que não pode sair fora do convencional, porque isso com certeza vai gerar comentários maldosos.

Como vocês veem a política na cidade? 

Mauro diz que há um bom clima político, pois em plena Constituinte, Piracicaba tem quatro deputados, existindo também pequenos partidos atuantes. Acha que a juventude piracicabana é apática na política, por causa da repressão de 64.

Margarete acha que há muita politicagem em nível de Brasil e que está difícil crer em algum político, o que dificulta aos jovens se interessarem pelo tema.

André diz que é fruto dessa massa apática, mas acha que há chance das pessoas se envolverem politicamente.

Roselene diz que não costuma acompanhar pelos jornais o que acontece.

Eri acha o jovem sem poder de engajamento político. Para ele, o próprio clima universitário é apolítico; acha os políticos de Piracicaba bem intencionados, mas sem força.

Ana Cláudia acha que o jovem não se envolve politicamente por não ter recebido da família esse incentivo.

Deixe uma resposta