Movimento Anarquista (já em 1906) mobilizou e agitou Piracicaba

Em anotações do acervo de documentos deixados por João Chiarini, encontramos escritos do saudoso intelectual sobre o movimento anarquista em Piracicaba, anotações que ele fazia certamente para um livro de memórias que não chegou a ser publicado. É o seguinte:

“O movimento anarquista começa em Piracicaba em 1906”. Tinha feição anarco­sindicalista porque era reivindicatório. Uma luta de classe, organizada e liderada por italianos natos. Quase todos tinham lido Malatesta, um contra-revolucionário, combatente do “faccio” mussolinesco.

No princípio, estavam Pasqual Guerrini, Pietro Coffani, Nazareno Coffani, Mário Paccini, que se infiltraram na “Societá Italiana Doppolavoro”, em Vila Rezende, onde, hoje, encontra-se a sede social do Clube Atlético Piracicabano, edifício “Com. Armando Dedini”. Pietro Coffani buscou a “Societá Italiana Mutuo Socorro”, à rua D.Pedro I, onde montou uma série de peças teatrais, entidade de que foi presidente por mais de 40 anos. Houve um companheiro chamado Ettore, que para cá viajava e vendia um jornal anarquista. Juntamente com Pasqual Guerrini, visitavam os compatriotas e vendiam-no a cada edição.

Da pregação de idéias daquele pessoal, houve o nascedouro da fundação da Sociedade Beneficente Operária de Piracicaba, em terreno e prédio próprios, à Rua Voluntários (depois, de Piracicaba), n° 435. Era um casarão construído em 15 x 50m. Neste, havia um Curso de Alfabetização, cujas carteiras-bancos foram cedidas à Sociedade 13 de Maio, através de seu secretário, prof. José Martins de Toledo.

Esses móveis serviram à Escola Masculina Noturna do “13 de Maio”, que fora regida, até 1940, pelo mestre-leigo João Batista Rolim. Com as revoluções de 1924, 1930 e 1932, o movimento aludido arrefeceu-se, ainda que, na Sociedade Beneficente Operária de Piracicaba (SBOB) houvesse em sua direção alguns comerciantes. (Os grandes não se incorporaram ao movimento: Terêncio Galesi, Emílo Bertozzi, Antonio Ribecco.) Eram eles: João Franco de Oliveira, João Eudóxio da Silva (um grande “prestista”), Plínio Corrêa Lara, praticamente todos os seus líderes.

Então, aquele prédio foi cedido aos “agricolões”, que, sucessivamente, montaram as suas repúblicas”. Em 1958/60, os estudantes ingressaram com uma ação de usucapião, arrolando como testemunhas o prof. dr. Phillipe Westin Cabral de Vanconcellos, Monsenhor Francisco Manoel Rosa e dr. Coriolano Ferraz do Amaral, depoentes imbatíveis. Foi o patrono da causa o advogado Jacob Diehl Neto que, mais tarde, foi contemplado com o diploma que lhe outorgava a Medalha Cultural e Comemorativa “Luiz de Queiroz”, reconhecida pelo MEC (1957).

Os últimos remanescentes da SBOP contestaram, primando-se por uma titânica luta, o escriturário Paulo Gonçalves de Oliveira, que sofrera as mais violentas pressões do comendador Louis Clement, quando gerente da Fábrica Arethuzina “Boyes”. Paulo era do PCB. Fora execrado pelo “cão belga”, como chamavam os trabalhadores mais esclarecidos daquela indústria têxtil. Os fascistas trouxeram a Piracicaba o general Badoglio. Em 1939, veio o casal Conde Ciano-Edda Mussolini, que se hospedaram no Solar dos Morganti, a Usina Monte Alegre.

Há que se reparar que a Ação Integralista Brasileira teve o maior núcleo do interior do Brasil aqui em Piracicaba, chefiada, primeiramente, por Edgar Fernandes, engenheiro agrônomo pela ESALQ, colaborador da página agrícola do Estadão. E depois por Jorge Coury, advogado. Os últimos remanescentes da Ação Integralista são Antonio Cera Sobrinho (que passou a ser hostil às idéias e pensamentos plinianos), o casal Martini e Guilherme Vitti. Os outros, milhares, já se foram. (NR: As anotações de Chiarini são da década de 1980.)

De saudável, dos anarco-sindicalistas, foram atos de bravura, hoje considerados. À época, imensas loucuras: a intimidação da “Padaria do Sol”, em Vila Rezende, pela não concessão de férias aos padeiros e entregadores; o rompimento do canal (ainda de terra) cujas águas invadiram a Fábrica Boyes; o hasteamento de bandeiras vermelhas nos fios de alta tensão, que passavam sobre as águas do rio Piracicaba, junto à Ponte. Entendo que o mais atuante e combatente entre os trabalhadores foi o nosso Francisco Mattarazzo (“Chiquinho”). Por ofício, era sapateiro. Postalista (1950/55). Falecido em 1 de janeiro de 1982, com 73 anos. Foi um dos anistiados do Presídio Maria Zélia, em 1945.

[Este conteúdo foi publicado no “Almanak de Piracicaba”, editado pelo jornalista Cecílio Elias Netto, do jornal impresso “A Província”, que circulou como suplemento do jornal “A Tribuna Piracicabana”. Para este projeto, foram elaborados vários fascículos ao longo do período de novembro de 1995 a agosto de 1997.]

Outros conteúdos estão reunidos na TAG Almanak de Piracicaba.

Deixe uma resposta