“Não roubar”, “Não desejar a mulher do próximo”. O que foi que você aprontou hoje?

O texto abaixo foi publicado em outubro de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

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Segundo o Gérson, aquele ex-craque da Seleção Brasileira, numa propaganda de cigarros, “o negócio é levar vantagem”. E muita gente boa, desde psicólogos até o Conselho de Ética de propaganda, achou que a afirmação do velho craque tinha muito de amoral e de imoral. Será? Pois a verdade é que as pessoas, em seu cotidiano, gostam mesmo de levar vantagem umas sobre as outras, como se isso fosse uma compulsão ou um verdadeiro esporte nacional.

Tirar uma balinha a mais, a dúzia de 15 laranjas, esconder alguma mercadoria pequena na sacola, levar o cinzeiro do hotel, colecionar talheres de bordo ou simplesmente levar uma colherinha do restaurante — isso é quase um esporte nacional, um verdadeiro “catch-as-catch” que se faz dos dois lados do balcão. E errar no troco? Ou dizer que não tem troco? No cotidiano das pessoas, “levar vantagem!” é uma espécie de aventura. E A PROVÍNCIA foi atrás de saber como anda esse esporte nacional aqui na província.

Maurício: pequenos objetos 

Quem sempre procura uma forma de sair do cotidiano é Maurício, que pediu para não publicar seu sobrenome. Ele trabalha como gerente de uma empresa de médio porte da província e sua maior satisfação é quando consegue driblar o segurança de uma loja e guardar em seu bolso qualquer mercadoria. Maurício não aceita ser chamado de cleptomaníaco e, ao mesmo tempo, revela ter em sua casa um armário para guardar todos os objetos que conseguiu tirar – “não roubar” — das lojas. Alguns ele diz ser “preciosidades”, pela dificuldade que teve em escondê-los.

Essa mania, Maurício tem desde os 8 anos de idade, quando ia à escola e não tinha dinheiro para gastar nos intervalos das aulas. Seu primeiro ato ilícito foi retirar um chocolate de um supermercado, escondendo-o em seu material escolar. O frio na barriga quase o entregou para o caixa. Mas nada lhe aconteceu. O perigo e o medo o fortaleceram a continuar as retiradas, como ele mesmo classifica  seus atos. Hoje, tornou-se um expert no assunto. Seu conselho, para quem quiser segui-lo nessa maratona de perigos, é nunca se impressionar com objetos grandes, procurar não transformar sua fisionomia, agindo com a “maior naturalidade possível.”

“Como enganar garçom”

Maurício é apenas um dos milhares de casos que existem na província e o certo é que um se diferencia do outro. Como as atitudes de Ana Maria, estudante da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Ela é de Campinas e mora na cidade há 4 anos, numa república. Seus pais a ajudaram a comprar os móveis essenciais, deixando faltar muitos objetos necessários para um bom funcionamento de uma casa.

A solução que encontrou foi frequentar os barzinhos da cidade e no final da noite apoderava-se dos copos, facas e até pratos que ficavam sobre a mesa, esquecidos pelos garçons. O início foi difícil, conforme explicou, mas ela gostou da experiência e começou a negociar com os outros estudantes mercadorias, em troca de enfeites para sua república. Atualmente ela não precisa mais levar nada pra casa. Entretanto tornou-se urna colecionadora e expõe sua coleção com muita seriedade. “É um trabalho difícil enganar os garçons, principalmente aqueles que trabalham em bares frequentados por estudantes”, diz orgulhosa.

Como Isabel reage 

Uma dona-de-casa que se preze, sempre está tentando economizar, fazendo suas compras depois de ter concluída a criteriosa pesquisa de preços. Esta ordem social perturbava Maria Isabel, por detestar fazer pesquisas, pelo tempo que perdia e o cansaço que lhe causava. Isso aconteceu até o dia que decidiu usar a “inteligência” e trocar os selos das mercadorias expostas, economizando na hora de pagar. Ela é esperta: nunca troca o preço de um produto popular e que tenha seu custo exposto, como acontece com o arroz ou farinha de trigo.

Maria Isabel procura, por exemplo, as latarias (como palmito, que tem variedade de marcas e preços) e com isso a despensa de sua casa tem “um pouco de tudo”. Ela diz que nunca foi surpreendida por funcionários mas que procura agir com “muita cautela”. Tão acostumada a enganar os gerentes de supermercados, Maria Isabel pensou que seu filho de 12 anos também poderia fazê-lo. Mas desta vez enganou-se.

Ela deu dinheiro para o menino comprar milho de canjica e pipoca, ensinando-lhe o que deveria fazer para ganhar uns trocadinhos. O menino errou na troca dos preços, por ter ficado nervoso, e acabou pagando a mais do que devia ao caixa… Acontece.

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