Os sinos do Bom Jesus

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Igreja Bom Jesus

Esse texto foi publicado, originalmente, em agosto de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

Todos os piracicabanos que moravam no Bairro Alto, a partir da década de 1930, acordavam às 6 horas da manhã. Mesmo que depois voltassem para a cama. Quem os acordava era o sacristão António Correia, que levantava todos os dias às 5 horas e ia até a Igreja Bom Jesus toca a Ave Maria.

A canção deixava os devotos emocionados. Alguns chegavam a chorar. Outros rezavam e faziam o sinal da cruz. Dependendo da posição do vento, até os moradores do Piracicamirim escutavam. E o sacristão repetia, ao meio-dia e às seis da tarde. “Quem passasse perto da igreja, parava. Todos ouviam os sinos”, recorda-se Amélio Pizzinatto, de 76 anos.

Amélio acompanhou a construção da Igreja do Bom Jesus. Ele nasceu em Piracicaba, morou na região com a família, e voltou aos 13 anos, em 1925. Nessa época, havia só o alicerce. E, brincando pelos arredores da igreja, viu cada tijolo ser colocado. Lembra que o arquiteto Napoleão Belucci reforçou a torre para que pudesse receber os cinco sinos, inaugurados em 1929, com missa seguida de uma festa. “Desde que foram colocados os sinos, tocaram a Ave Maria”, lembra.

Os sinos — 2 grandes e 3 pequenos — foram fabricados em São Paulo e doados à igreja pela família Cardoso. O material era bronze puro e para tocar a Ave Maria foram colocadas sete cordas de aço — duas cordas foram instaladas nos dois sinos maiores, o que dava uma pequena falha nas notas do refrão. “Deveriam ter colocado sete sinos para acompanhar as notas musicais, mas só colocaram cinco e a gente percebia a falha.”

Amélio Pizzinato tinha um bar na rua em frente à igreja e durante 40 anos acompanhou o toque da Ave Maria. “’Na falta do seu Antonio, quem tocava os sinos era uma moça da familia Zotelli”, conta, mas não se recorda do nome da moça, nem como o sacristão aprendeu a tocar a Ave Maria com os sinos da igreja. Ele ainda possuía um livro que contava toda a história do Bom Jesus, mas emprestou e não sabe para quem. Nesse livro está a história do trabalho do padre Francisco Borges do Amaral — hoje bispo de Taubaté — e que, como o padre Martinho Salgot, viveu na paróquia.

Aposentado, Amélio fica muito triste quando se lembra que os sinos da igreja estão parados. “Era muito bonito. Não sei porque pararam de tocar.” E fala que até se acostumou com a ideia de o sino estar mudo. “Se o sino tocar novamente, a gente até estranha.”

Ele deve, então, ter-se emocionado na semana que passou. O padre Reinaldo Zaniboni Neto, atual pároco da igreja, depois que deu entrevista para A Província, tocou os sinos. NaqueIa semana, os fiéis participavam da novena do Trento e, na manhã seguinte, testou o mecanismo dos dois sinos. “Eu só experimentei e desliguei rápido. Depois os sinos tocaram à noite. Mas foram só badaladas”, explicou.

Mesmo assim, muitos fiéis chegaram a ligar para o padre Reinaldo, perguntando o que estava acontecendo. A curiosidade, ou preocupação, dos fiéis, segundo ele, é que antigamente, quando os sinos da igreja badalavam durante o dia, significava a morte de alguém do clero ou, então, da saída de um corpo bento da igreja para o cemitério.

O padre Reinaldo frisa que os sinos da igreja, apesar de intactos, não tocam mais a Ave Maria. A primeira explicação é que os sinos, em 1973, foram reformados por determinação do padre Otorino Santim, que também mandou reformar a igreja. Um dos sinos estava rachado e todos foram retirados e mandados para a Fundição Angelo de Angelis, em São Paulo. Voltaram desafinados.

No início, o sacristão António Correia tocava os teclados com os pés e as cordas de aço amarradas ao sino davam o som da Ave Maria. Hoje, o padre Reinaldo se diz desanimado: “Apenas dois sinos estão funcionando.” O problema são os motores que foram queimados com um raio durante uma noite chuvosa. “Os três sinos não funcionam, porque precisam acertar a parte elétrica.” Mesmo assim, os dois sinos, que estavam parados há dois anos, voltaram a tocar.

Quem chorou ao escutar as badaladas do sino da Igreja Bom Jesus foi José Capranico. Ele estava na novena junto com a esposa, quando ouviu. “O padre voltou a tocar os sinos. Foi uma maravilha. Eu até chorei”, disse. Capranico também sempre frequentou a paróquia e tinha vários documentos sobre os cinco sinos de bronze — o maior pesa 1.200 quilos — por causa de sua irmã que dava aulas de catecismo às crianças do Bairro Alto. “Com a morte de minha irmã, os documentos sumiram.”

Inspiração

O badalar suave, o ritmo quase perfeito dos sinos e a devoção à Ave Maria foram as principais razões que levaram Amuar Kraide e Jorge Chaddad a compor a música “Os Sinos do Bom Jesus”. O disco foi gravado em 1962, por Pedro Alexandrino. “Foi uma forma de louvar a Ave Maria”, explica Anuar.

Segundo ele, “todos os moradores do bairro, quando iam ao Centro, na volta olhavam para a igreja e viam o Cristo de braços abertos e dali a pouco escutavam a Ave Maria”. Recordações que deixam qualquer devoto contente e, ao mesmo tempo, triste. “Todos nós sentimos falta da Ave Maria”.

Em todo caso, o encontro de Anuar Kraide e Jorge Chaddad para a composição foi o início de uma longa amizade. Outra música que compuseram foi o hino oficial do XV de Novembro.

“Os Sinos do Bom Jesus”

(por Anuar Kraide e Jorge Chaddad)

De longe se vê

Que felicidade

Jesus com os braços abertos,

Abençoando a cidade

E toda manhã

Ao romper o dia

Ouvem-se as badaladas da Ave Maria

Sinos do Bom Jesus

Que despertam a cidade

Trazendo paz e amor

Alegria e felicidade

Sinos do Bom Jesus

Os teus sons ficam ao léu

Sinos do Bom Jesus

Que nos conduzem ao céu

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