“Para dirigir em Piracicaba, é preciso ter duas mães..”

O texto abaixo foi publicado em abril de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

dirigir

Buracos, motoristas mau humorados e um trânsito conturbado. São os principais desafios àqueles que decidem aprender a dirigir em Piracicaba, uma cidade de porte médio que está entre as que possuem maior número de veículos por habitante. Os motoristas mais apressados, quando não buzinam para que o carro da auto-escola saia da frente, ficam acelerando sem parar, deixando os nervos do aprendiz à flor da pele. Aí, entra a experiência de anos de trabalho do instrutor, como de seo Daniel Barbosa Amaral, por exemplo; um piracicabano de estatura média que tem tudo para ser um mineiro. Caladãó, seo Daniel, que há 21 anos dedica-se à profissão, trabalha em silêncio. Limita-se apenas a responder às perguntas e dar as instruções, é claro.

Na semana passada, seo Daniel mostrou porque a calma e a paciência devem ser características fundamentais do instrutor. Tem motoristas nesta cidade que é caso de policia. O trânsito, principalmente nas horas de pico, transforma-se, num verdadeiro caos. Poucos respeitam as faixas de pedestres, os sinaleiros parecem “descontrolados” e os benditos motoqueiros, com habilidade de um malabarista, zigue-zagueiam entre os carros, alinhavando quer peIa direita, quer pela esquerda, fazendo lembrar o dito popular: “Cada um para si e Deus para todos”

Foram as principais constatações, depois de cinquenta minutos percorrendo as principais ruas da cidade, as mais movimentadas, com o Gol branco da auto escola Relâmpago. A proposta era sentir de perto o que os alunos enfrentam (além de pagar hoje 700 cruzados por auIa) neste trânsito tão conturbado de Piracicaba, considerado pelo perito criminal Sérgio Bastos, 46, de “louco, irresponsável e mal-educado”. Seo Daniel dava as coordenadas. Tentei dar uma de aprendiz, mas foi impossível tamanha a confusão de carros. “Os alunos, coitados, sofrem, ficam nervosos” – diz o instrutor. (Não é para menos, pensei).

A cidade está repleta de obstáculos, popularmente chamados de zíperes, tachões amarelos que a Secretaria de Serviços Públicos está espalhando pelas ruas, colocando-os até em subidas. No início da aula, às cinco horas da tarde, o trânsito estava tranquilo. Desconfiado, seo Daniel andava com os pés em cima dos pedais da embreagem e do breque, que ficam ao seu lado, prontos para serem acionados a qualquer navalhada. “Eu sempre falo para os meus alunos, quando forem fazer uma curva, é sempre bom tirar o pé do acelerador e colocá-lo no breque” — fala, explicando que sempre que o aluno fica nervoso, acaba acelerando o carro, ao invés de brecar.

Já estávamos na rua Governador Pedro de Toledo, por volta das cinco e vinte. O trânsito livre e os poucos carros que trafegavam naquele momento passavam despercebidos a dois guardas que conversavam tranquilamente na esquina da rua 15 de Novembro, olhando discretamente as moças que passavam, indiferentes aos desrespeito dos motoristas com a sinalização. Parados em cima das faixas, enquanto aguardavam o sinal verde, os motoristas faziam com que o pedestre circulasse pelo lado de fora.

Mas se, na área central, o trânsito estava livre, por volta das 17h30, o mesmo não acontecia na avenida Armando de Sales Oliveira, que recebe um dos maiores fluxos de veículos da cidade. Para eu conseguir fazer o retorno, ali perto do Teatro Municipal, foi um Deus nos acuda. Acho que cheguei a dar calor em seo Daniel, que acompanhava o movimento olhando de todos os lados. Os motoristas, ao invés de colaborarem, diminuindo um pouco a velocidade, pisavam duro no acelerador não deixando espaço entre um carro e outro. Não tive dúvidas, esqueci que estava com o carro da auto-escola e entrei num espaço mínimo, deixando alguns com os olhos arregalados.

Minutos depois, estávamos na avenida sentido Santa Casa Centro. Próximo ao abrigo de ônibus, o trânsito voltou a se complicar. Fiquei do lado direito e logo estava parada, me intoxicando com aquela fumaça preta e mau cheirosa, atrás de um ônibus intermunicipal que pegava passageiros (que saco! Como faz falta um corredor de ônibus…). Atrás uma fila de carros.

Comecei a observar a avenida e lembrar do carnaval. No asfalto, em cima das faixas ou não, estão os nomes das pessoas que reservaram lugar para ver o desfile das escolas de samba. Os carros que vinham no sentido contrário queimavam as faixas que separam as pistas, ao fazer a ultrapassagem, enquanto alguns pedestres, num verdadeiro salve-se quem puder, tentavam atravessar a avenida de um lado a outro.

“Motoristas, você também é pedestre”. A placa num daqueles blocos de cimentos colocados na avenida passava, certamente, despercebidos. Já na esquina da rua Treze de Maio, um motorista mais afobado entra com a frente de seu carro na avenida, fazendo com que os demais diminuam a velocidade. “Nesta situação, o aluno não sabe o que fazer” revela seo Daniel. Aliás, uma das maiores dificuldades para quem vem sentido bairro Alto-Centro é justamente atravessar a Armando de Sales Oliveira. Os que preferem passar onde tem semáforo (ou sinaleiro) vão até a rua 15; em compensação, enfrentam as filas constantes de veículos.

Outros problemas observados no trânsito local são: o estacionamento irregular; os ônibus que ficam embicados para apanhar passageiros, impedindo que o tráfego se desenvolva normalmente; o não uso de setas, e motoristas sem paciência e mal educados. Aliás, para dirigir em Piracicaba é preciso ter duas mães: uma em casa e a outra para o desabafo dos mais nervosos. (E haja mãe!…). Em suma, andar no trânsito local é enriquecer o repertório de palavrões. Esse pessoal xinga mesmo. E como num campo de futebol. Alguns lavam a alma. Mas não é só isso, não. Para  completar o quadro tem os buracos. E desviar de um, para cair no outro. Pode?

 

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