Por trás dos classificados

O texto abaixo foi publicado em setembro de 1987 no semanário impresso A Província. Trazia curiosidades sobre os anúncios da época. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

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“Quem não anuncia, se esconde!”. Recorrer aos anúncios classificados dos jornais é prática que vem de longe, desde a época do Império, quando era comum senhores de terra oferecerem gratificações a quem localizasse seus escravos fugidos. De lá para cá, a coisa só aumentou. Os classificados ou os “pequenos anúncios” já se tornaram uma instituição na vida brasileira.

Já se tornaram um comércio alternativo, sem intermediários, e por isso mesmo, mais humano. Quer trocar seu vestido de noiva por um carrinho de bebê? Anuncie! Quer localizar seu cãozinho desaparecido? Publique no jornal! Anda solitário e está à procura de uma alma gêmea? Um anúncio pode te ajudar!

Por trás de cada anúncio, se esconde uma história. Gente que desiste de um sonho e entra em contato com outras que vão começar o mesmo sonho. Gente que vende o que tem pra conseguir o que precisa. Gente que busca vencer as dificuldades da vida…

A PROVÍNCIA procurou revelar algumas destas histórias, que estavam em pequenos espaços em páginas de jornal. Mas se você espera relatos sensacionalistas, daqueles dignos de aparecer no “Fantástico”, pode retirar a criatura eqüina da precipitação pluviométrica! São histórias comuns, de pessoas comuns. Não são pessoas desesperadas que, para ter algum dinheiro, se dispõem a vender um rim ou uma córnea. Não são garotas ou garotos que alugam o corpo pra melhorar de vida. São pessoas com histórias que talvez já tenham acontecido com você mesmo, com seu vizinho, a um palmo do seu nariz. Coisas que acontecem tão próximas, que a gente nem se dá ao trabalho de prestar atenção.

São pessoas que estão sentindo a crise econômica, as dificuldades financeiras que afetam a todos e que forçam a se livrar do supérfluo para viver apenas com o essencial. São pessoas que desistiram de algum sonho, porque a realidade é mais próxima e às vezes não deixa a gente sonhar.

DONA WILMA NÃO QUER VESTIDO DE NOIVA EM CASA 

Uma das coisas mais anunciadas hoje em dia é vestido de noiva. Em todo jornal, existem vários anúncios de mulheres que querem se desfazer dele. O que acontece com o vestido de noiva, que já fez parte do imaginário coletivo nacional? TítuIo de peça de Nelson Rodrigues, “Momento máximo de uma mulher”, como diziam. A tradição mandava que ele ficasse guardado, como lembrança desse momento.

Dona Wilma, por exemplo, já não acredita muito nesta história. Mulher prática, ela já convenceu a filha a vender o vestido de noiva e agora anuncia o da nora, “de organza bordada e decote princesa, por cz$ 6.000,00”. Dona Wilma diz que isso não tem nada a ver com a felicidade no casamento: “Graças a Deus, minha nora se dá muito bem com meu filho e eu tenho um netinho, que é uma graça e tem quase um ano”. Para ela, a questão é apenas de utilidade: “Eu sempre faIo, pra que ficar guardando, tomando espaço no guarda-roupa, pegando mofo, se não vai usar mais?”

Dona Wilma também acha que a venda, “além de render um dinheirinho extra, que é sempre bem-vindo”, também pode ajudar outras pessoas. Ela diz: “Veja você, hoje em dia se uma moça vai casar e faz um modelo exclusivo, quanto ela não vai gastar? Só a costureira está custando uns quatro mil. E o pano, então? O preço é um absurdo!”. Por isso, ela afirma que o negócio que está propondo é excelente para quem se interessar. O vestido da nora está muito bem conservado (“vai passar como novo, sem problema!” ) e é de tecido fino, a organza(“e bor-da-da!” ela faz questão de frisar).

“Você acha, meu filho – diz dona Wilma — que alguém vai conseguir tudo isso pagando apenas seis mil cruzados? Duvido! Só se fizer um vestidinho com um paninho bem chulé!” .

Do alto de sua experiência, dona Wilma acha que as moças de hoje ainda se prendem a um romantismo ou a um luxo de quererem vestidos de noiva inesquecíveis, o que na sua opinião, já caiu de moda. E usa, para isso, um argumento irrefutável: a própria princesa Diana. “Você não se lembra quando a Diana casou com o Charles? Fizeram o maior teretetê, o maior carnaval, até televisionaram o casamento. Mas alguém se lembra do vestido dela? O buquê era lindo, o véu saía pra fora da igreja, mas o modelo até que era muito do simplinho”.

“Então — continua dona Wilma — a Diana não é qualquer uma. Ela é a Di-a-na, uma lady, uma princesa! Pois se ela casou toda simplinha, eu não entendo porque essas meninas ficam cheias de nove-horas, querem, pérolas, pedrarias e não-sei-mais-o-quê no vestido. Não tem nada a ver!”

A propósito, uma questão colocada pra dona Wilma a seguinte: “Será que a Diana ainda guarda o vestido dela?”. Ela responde muito francamente: “Ah, e eu vou saber! Acho que ela não vendeu, porque, afinal de contas, ela é princesa e não precisa de dinheiro. Mas aposto que ela reclama até hoje daquele vestido no guarda-roupa do palácio dela. Também, só aquele véuzão deve ocupar um espaço!”.

A FILHA DO SEU RUBENS  NÃO QUER MAIS TOCAR 

Instrumentos musicais também estão na ordem do dia nos anúncios classificados. A todo momento, guitarristas ou violinistas amadores desistem de suas exibições em finais de semana ou da formação de conjuntos com amigos e vão cuidar da vida cotidiana.

O caso do seu Rubens é um pouco diferente. Ele está anunciando um piano, “alemão, com três pedais e 88 teclas, por Cz$ 70.000”. Diferente porque o sonho de se tornar instrumentista não era para ele mesmo, mas para sua filha.

Quando a filha do seu Rubens começou a estudar piano, talvez ele não sonhasse tão alto a ponto de pensar que ela se transformaria numa nova Guiomar Novaes ou Magdalena Tagliaferro, mas pelo menos esperava que ela se interessasse. “Eu comprei o piano — diz ele — paguei uma nota e não durou nem três meses, ela logo enjoou”.

Agora, então, que a filha casou, o piano virou um elefante branco incomodando no apartamento. “Não tem outro jeito – afirma o seu Rubens – o negócio é vender, porque está praticamente novo, ela só toca um pouco quando vem me visitar”.

Diante da pergunta se ele não se comove nem com as valsas de Strauss ou prelúdios de Choppin que a filha eventualmente possa tocar, seu Rubens é bastante franco: “Que nada, ela toca mal pra burro, só arranha, umas musiquinhas estranhas que mais parecem o ‘Fui no Itororó!’”.

TADEU VENDE O VÍDEO E  VAI CASAR 

Tadeu também recorre aos classificados para se desfazer de algo que sempre quis ter: um videocassete. Ele anuncia no jornal, “um Panasonic, com pouco uso, e por precinho camarada:Cz$ 24.000,00”.

A famosa videomania, numa certa época, também contagiou o Tadeu. Ele entrou num consórcio de dez prestações (“Ainda dei azar, só fui sorteado na penúltima!”) e conseguiu seu tão desejado ‘vídeo. Só que o Tadeu tem um gosto muito específico em matéria de filmes: “Eu gosto — diz ele – de fita de ação, aventura, com muito tiroteio, daqueles bem sanguinolento. Sou fã do Charles Bronson, do Stallone, do Chuck Noris e daquele ‘Arnold não-sei-das-quantas.”

Portanto, durante os três meses em que curtiu a coisa, o vídeo do Tadeu ficou sempre tingido pelo catchup imitando sangue de bandido, ao som do “scataplum!” das explosões e do “rá-tá-tá-tá-tá!” das metralhadoras. Não deu outra antes que ele conseguisse dizer “Schwarzenegger” sem enrolar a língua, percebeu que tudo estava ficando um pouco monótono: “Olha, pra ser sincero — diz o Tadeu — começou a me encher um pouco o saco! No começo, eu assistia uns dois filmes por dia, mas depois ficava um tempo sem ligar”.

Veio então a idéia de vender o vídeo, reforçada por um fato novo: Tadeu vai casar. “Sabe como é, casamentos dá uma despesa danada, então eu achei que se vendesse o vídeo, eu poderia ter uma grana pra ajudar a comprar os móveis ou alguma coisa que eu precise”. Agora, diante da pergunta um pouco indiscreta: “Mas, Tadeu, você vai casar assim de repente? O que foi que aconteceu?”, ele responde como provavelmente seu ídolo Charles Bronson responderia: “Que que é isso, meu? E eu lá tenho que dar explicação pra você, nem te conheço! Largue mão de ser xereta, pô!”.

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