Tristeza! O circo chegou; ninguém foi ver

O texto abaixo foi publicado em setembro de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba. A reportagem falava sobre o circo que estrearia na cidade, mas não teve sucesso de público.

 

A província parecia estar alegre e colorida, pois o circo havia chegado. Palhaços, domadores, trapezistas, malabaristas e todo o mundo mágico de artistas que fazem a alegria das pessoas. Havia até elefante para divertir a criançada e os adultos.

Deveria ser uma festa até dia 27, quando a cidade ficaria mais triste com a partida do circo. Mas nem houve festa. O palhaço chorou, os domadores ficaram cabisbaixos, o elefantinho nem comeu. O respeitável público não apareceu. E, depois de apenas quatro dias de apresentação a um público mínimo, o circo foi embora, sem dizer adeus. Os artistas precisam comer.

A alegria dos artistas

Na sexta-feira passada, a reportagem d’A PROVINCIA foi visitar o Circo Portugal que, no terreno da Av. 31 de Maio, terminava as obras de sua montagem. As marteladas pareciam não interromper o sono dos artistas que dormiam durante a tarde, preparando-se para o espetáculo da noite, a estréia do Grande Circo Portugal, com seus astros e suas feras.

Fredy Penteado, o diretor de propaganda e marketing do circo, estava animado e proclamava a sua fé nas excelências do circo:

– Circo é para pessoas de zero aos 80 –anos. Todos se divertem. Os adultos divertem-se mais, pois em duas ou três horas de espetáculo, eles repousam do dia-a-dia e deixam vir à tona a criança que existe em cada um de nós.

Fredy Penteado é um homem empolgado com o circo. Falava deixando a impressão de que tudo o que dizia era o sentimento geral de seus companheiros de circo. E devia ser, pois os que trabalhavam na montagem mostravam a mesma alegria e entusiasmo quase nervoso de Fredy, diante da estreia.

– A nossa é uma opção de vida, um idealismo, um sacerdócio da alegria. Só entende quem vive no circo, uma vida nômade que é emocionante porque não tem rotina. Os artistas, geralmente moram no circo com as suas famílias e o índice de separação de casais é mínimo, pois o clima de alegria faz com que as pessoas vivam bem e sem intrigas.

“E o circo está morrendo, Fredy?” – perguntamos, sexta-feira, antes de o circo estrear.

– Não, nunca moverá. O nosso compromisso é com a alegria e por isso o circo resiste a tudo e a todos, inclusive à crise que o país atravessa.

Segunda-feira, quando o circo começava a desmontar por falta de público, Fredy Carneiro não foi encontrado. Já estava em Mombuca tentando acertar outra praça para o circo apresentar-se.

“Friozinho na barriga”

Sexta-feira, dia 11, tardezinha. O trapezista Luiz Carlos Silva acordou do seu descanso, fica olhando a equipe de montagem. Sorri para a repórter.

– Você está nervoso com o espetáculo de hoje?

– Prá dizer a verdade, depois de tantos e tantos anos, o “friozinho na barriga” sempre existe. O compromisso é muito sério para com o público. Dia de estréia é pior.

O trapezista é um dos reis do espetáculo, Luiz Carlos não se importa com o perigo, pois a sua alegria está em satisfazer o público. No trapézio, realiza-se como pessoa e como profissional, é o que diz. Mora com a família, esposa e filhos. Mas já pensa em parar. Não tem medo do trapézio, o seu medo é com as viagens, o receio de um acidente com a família. Pensa em parar, mas não consegue.

– A vida dentro do circo é muito bonita. Aqui, somos todos iguais. A nossa rivalidade está apenas em ver quem é o melhor durante o espetáculo.

E, como se estivesse intuindo algo, lamenta-se: “Hoje, as coisas estão complicando-se, há sempre o dinheiro em jogo. Antigamente, o circo era melhor”.

O palhaço

“E o palhaço quem é? É ladrão de muié…”

Francisco da Silva é o palhaço do Circo Portugal, a grande atração, o profissional da alegria. Está na profissão há 26 anos. Começou no Recife, quando foi assistir a uma apresentação do circo. Entusiasmou-se, foi convidado a participar da equipe, pensou que ficaria apenas seis meses, mas nunca mais deixou. Chegou a Piracicaba querendo fazer o público rir como nunca, o “Palhaço Amaro. ”

— Não há quem não goste do palhaço, criança ou adulto. Minha missão é fazer as pessoas se esquecerem da tristeza, especialmente num tempo de crise em que as pessoas estão sempre tensas e aborrecidas. É em tempo de crise que o povo que rir.

– E quando o palhaço está triste?

– Esse é o único problema, pois o palhaço tem também os seus dias de tristeza. Mas a gente aprende a esquecer a tristeza rapidinho e, quando começa o espetáculo, a tristeza acaba. O circo pode ter tudo, mas senão tiver palhaço, não tem nada.

Na segunda-feira, quando o circo se preparava para ir embora, o “Palhaço Amaro” não foi encontrado. Era o seu dia de tristeza.

Ir-se sem adeus 

O Circo Portugal ficou apenas quatro dias na província. Sexta-feira foi o dia de estréia, a bilheteria foi fraca. Esperavam que, no sábado e domingo, em que se programaram seis espetáculos, o público melhorasse, mas nem 10% da lotação havia sido preenchida. Na segunda-feira, todos os artistas sabiam que seria o último espetáculo. E começava a arrumação das coisas, preparativos para uma nova jornada, uma outra cidade, a vida nômade do artista de circo que continuava, a despedida sem dizer adeus.

Os três elefantes do Circo Portugal estavam quietinhos. O eletricista, cabisbaixo, preparando o último espetáculo, a decepção de muitos dias de alegria que não aconteceram.

– O que aconteceu?— perguntamos ao eletricista do circo.

– O público não veio.

E o circo foi embora. O respeitável público não apareceu.

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