Uma linguagem “caipiracicabana”

Ana Maria Dias, Luminosa Manhã, 2008.

Muito se tem procurado explicar a chamada “linguagem caipiracicabana” que, no entanto, nada mais é do que a própria linguagem caipira paulista. Todas as teses – de que seria maneira de falar influenciada por migrações norte-americana na região e a italiana – não têm fundamento. O Vale do Tietê Médio – onde se situa Piracicaba – e o Vale do Paraíba mantêm resquícios dessa “cultura caipira” que é muito forte, do “português” arcaico. A própria palavra caipira significa essa “cultura antiga” que ficou à margem dos rios percorridos pelo colonizador e onde se alojava a nação tupi-guarani. “Cá i pira”, em tupi, tem esse significado: “a mata que acompanha o rio”.

É a linguagem com que os indígenas corromperam o “português arcaico”, tanto que quase todos os topônimos são de origem tupi-guarani, Piracicaba incluindo. Basta observar nomes de distritos – como Tupi, Caiubi, Anhumas e outros – e de bairros (Jupiá, Bongue e outros), além de cidades próximas como Capivari, Mombuca, Tietê, Itu, para se atentar para a influência indígena.

Em estudo apresentado à USP, a professora Ada Natal Rodrigues concluiu que houve o encontro de duas etnias – o português arcaico e o tupi -guarani – formando essa linguagem e essa cultura caipiras, o “falar feio e bonito” . Quando o sertanista se tornou sedentário e os filhos passaram a freqüentar colégios, o “falar” passou a ser chique, mas o “sotaque” piracicabano, que Piracicaba assumiu como “caipiracicabano” permaneceu. Onde os sertanistas chegaram, o dialeto ficou: o abrandamento dos “erres” e o arredondamento dos “eles”, o chamado “erre retroflexo” que é pronunciado com a língua retraída para o fundo. O “perarta” no lugar de peralta, o “sarto” no lugar de salto são parte dessa linguagem. Na região de Piracicaba, ao contrário do que muitos julgam, foram os italianos que se influenciaram com a nossa maneira de falar e não o contrário. A noção de que “caipira é feio” vem do “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato, muito diferentemente do personagem arguto e brilhante de Cornélio Pires, também caipira, o “Joaquim Bentinho”.

Sobre o tema, e tentando registrar essa linguagem, o editor de A Província publicou diversas edições do “Dicionário do dialeto caipiracicabano”, que têm oferecido subsídios para a reprodução, neste jornal eletrônico, de palavras e expressões que, muitas delas pouco usadas, ficam registradas para fortalecimento da memória.

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