O dialeto caipiracicabano (1)

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(fonte: jornal impresso “A Província”)

O título deste artigo foi tomado de um termo inventado pelo piracicabano João Chiarini. No entanto, não me restrinjo à fala do morador de Piracicaba, mas estendo-o à parte da Região Centro-Leste, principalmente entre a zona habitacional mais antiga de São PauIo, Minas Gerais e Sul de Goiás.

Quando errava por estas paragens, pelos fins dos anos trinta, no afã de pesquisa folclórica, não poucas vezes ouvi o termo ‘sunscrito’ ao cruzar com elementos de cor. Estranhei. Nunca ouvira antes este modo de saudar. Mais tarde, analisando o fato, notei que, em certos romances do século passado, pessoas dignas cumprimentavam-se com a respeitosa frase: “Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo”. E assim perdurou por tempos após o Império e a queda da escravidão. Soubera que os negros eram obrigados a cumprimentar desta forma, não só o patrão e seus familiares, mas qualquer pessoa de cor branca.

Assim como Vossa Mercê abreviou-se em você, ocê e até mesmo em cê, aquela tonotroante frase escolheu-se em sunscrito, perdendo seu dignificante sentido. E o caso por amor de, pra mor de, mó de. Era comum ouvir-se esta frase: “carece, ponhá, ticureco na tucuruva mé de pelá a bacorana”.

Os habitantes, principalmente os da lavoura, que desde os primórdios da Conquista trouxeram de Portugal seu linguajar quinhentista, conservaram-no, transmitindo-o de pais a filhos.

Ao correr do tempo, desde os meados de nosso século, em que o rádio e a tevê difundiram-se por todos os rincões, o linguajar do caipira, principalmente o do paulista, foi habituando-se ao da gente das cidades grandes. A maioria dos termos típicos caipiras dos habitantes do Vale do Paraíba desapareceu. Se alguns idosos ainda o expressam, é motivo de risos e mofas dos mais jovens.

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Quando fui artilheiro no Forte Coimbra, no Pantanal, havia 60 goianos analfabetos, todos da lavoura, dos quais fui professor na Escola Regimental. Não corrigia, no entanto, seu modo ”errado” de falar, ao contrário, interessei-me pelo seu peculiar estilo caipira.

Após alguns meses de convívio com seus superiores hierárquicos, foram perdendo o seu característico modo de se expressar. Os próprios goianos mais espertos ridicularizavam os companheiros.

E durante anos de convívio com colonos de fazendas de café, caiçaras, sertanejos, pequenos agricultores, colegas do exército, etc, tornei-me exímio arremedador de fala caipira e de seu sotaque, em parte, de influência guarani. Exemplo: o dj e o tx, típico do cuiapano de outrora. “Tá   tchovendo tchuva”.  Esta frase ouvi no Pantanal. E outra que jamais esqueci: “Tava matano petche, veiu catchorro i cumeu tudu us petche”.

Convivi longos meses com caiçaras de Massaguaçu, lutando a seu lado por questões de terras, usurpadas por certo paranaense testa-de-ferro de milionário norte-americano. Lá anotei alguns termos de sua fala quinhentista. Em 1993, quando permaneci cinco meses entre eles, nenhum sequer havia tido contato com gente da cidade de São Paulo e, apenas quatro, três homens e uma mulher haviam viajado até Santos. Seu mundo estendia-se de São Sebastião a Ubatuba, quando muito. Poucos conheciam Picinguaba e a serra da Bocaina, que chamavam de Cocanha.

E no afã de aventuras e amor à vida sertaneja, tornei-me conhecedor de fala, costumes e, principalmente, da música folclórica que anotei durante anos de peregrinação.

(continua)

Para conhecer o artigo completo, acompanhe a TAG Dialeto Caipiracicabano .

[Este artigo foi publicado na edição impressa de “A Província”, em 31 de agosto de 1994]

1 comentário

  1. Marcos Tadeu Palotta em 02/09/2023 às 09:17

    Excelente, permite retornar às origens da ocupação territorial…

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