O dialeto caipiracicabano (2 – final)

arco-tarco-verva

Resolvi, então, escrever este modesto trabalho, com intuito não de preservar (pois tudo já se perdeu), porém de demonstrar algumas características desta fala, que muitas vezes surge em nossa literatura regionalista, nem sempre com a devida finalidade. É o caso da pronúncia gutural em porta, porca, morto, torto, impossível de ser grafada.

A propósito assisti a uma película nacional denominada “Marvada Carne”, em que, tanto a fala como os costumes apresentados foram tão fiéis, que pode ser considerada valioso documento das tradições e modo de se expressar de nosso caipira. E o caso das obras do saudoso Cornélio Pires, a quem dedico com reverência este modesto artigo.

O dialeto caipira, se é que pode ser assim chamado, estende-se, ou melhor, estendeu-se, principalmente, pelo Vale do Paraíba e toda parte leste do Estado de São Paulo; pelos rincões mais antigos de Minas Gerais e sul de Goiás, abrangendo ainda parte de Mato Grosso do Norte (Cuiabá). Aí, porém, com ligeiras variações. Era notória sua pronúncia de influência guarani em tchuva, catchorrro, djumento, djacaré etc.

Exporei nos seguintes itens o que caracteriza a fala caipira.

1) A não formação do plural dos nomes: um home, doi home; ua muié, dua muié; um cão, doi cão etc. Eis o trecho de engraçado diálogo que ouvi em São José dos Campos, quando criança: “quem fórum qui cumêrum us pão qui tâvum na jinela?…. fôrum us cão.”

2) A exclusão de certos ditongos: Maro, por Mário; Palo, por Paulo; otcho, por oito; mutcho, por uito; vea, por veia. Há, no entanto, ecepções: véio, véia, por velho, velha; sáudo, por sábado; abóuda, por abóbora.

3) Raramente pronunciam uma palavra proparoxítona: abobra, por abóbora; raquítio, por raquítico; verídio, por verídico.

4) A inversão do lh em i: muié, maiado, chacuaiá, por chocalhar.

5) O ditongo uá é, algumas vezes, modificado em ô: qorenta, por quarenta; qoresma, por quaresma.

6) O pronome possessivo geralmente segue o substantivo: “u catchorro meu é bão di caça; nói fumo pru cumerço i mãe nossa ficô im casa”.

7) O adjetivo não varia em gênero: Maria ganhô ua saia comprido; a luma (lua) tá branco cumo letche; u ladrão carregô nu picuá a ropica meu i tudas cosa bonito.

8) Há casos em que pronuncia no plural o substantivo singular: comi um pastéis; vô comprá um carretéis de linha; um chops.

9) Tendência a anasalar certas palavras como mortandela, mendingo, monlengo, garruntcha, etc.

10) O comum emprego de termos derivados do tupi e do guarani: tacuruva, tiguera, mutirão, piraquara, paçoca, pipoca, curau, pacuera, eixu, cuité, sapituca, coivara, aipim, etc… etc… e verbos aportuguesados, como: sapecar, cuarar, cutucar, pererecar, etc e adjetivos como: jururu, ité, pururuca, piririca, perereca, sarará, etc.

É comum ao paulista, mesmo ao das cidades grandes, os termos: manhê e paiê, por mamãe e papai. São vocativos herdados do tupi do século XVIII ou do guarani: mã-í, pa-í. Nossas crianças são, por esse fato, reconhecidas como paulistas em qualquer parte do Brasil.

O ti do paulista é também de influência guaranítica. Pronunciamos tsio, tsico-tsico, Tsietê, tsigela, tsigre, Tsijuca … e logo identificados cariocas.

Em outros Estados da Região Centro-Leste, como Rio de Janeiro e Espírito Santo, por estarem, desde os primórdios da conquista em contato com o europeu, seu povo, mesmo a camada mais humilde, manteve fala e pronúncia mais afim ao português castiço. O sotaque carioca, embora seja típico, não nega essa influência.

Luiz Carlos Tibiriça – folclorista, etnólogo e linguista. Pós-graduado em Pré-História das Américas pela USP.

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 [Este artigo foi publicado na edição impressa de “A Província”, em 31 de agosto de 1994]

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