A casa de pororó

Em 1964, a Bienal Internacional de Arte de São Paulo abriu uma sala especial para um artista uruguaio de 41 anos. Ele apresentava uma instalação cheia de luzes, objetos e cores classificada como Pop e Op Arte e ganhou um prêmio especial pela pesquisa de materiais. Esse artista se chamava Carlos Paez Vilaró, nascido em 1923. Mais tarde haveria de retornar a São Paulo com nova exposição numa galeria no Jardim Paulista. A série de pinturas havia sido realizada sobre um forte drama familiar. Um de seus filhos era passageiro do avião que caíra na Cordilheira dos Andes, no Chile. Durante muito tempo os sobreviventes ficaram perdidos na neve e para não morrerem se alimentaram de carne humana. O acontecido pressionou a opinião pública mundial sobre a questão de como manter a vida em situação derradeira. Sobre esse episódio também escreveu um livro, a foto do reencontro com o filho constava da capa da primeira edição desse best-seller. Baseado nele, a história virou filme.

Vilaró conheceu não apenas Picasso, mas tantos outros artistas célebres, como Dali, DeChirico e Calder e viveu com o doutor Albert Schweitzer em um leprosário em Lambaréné, na Africa, durante as filmagens de “Batouk”, com o qual cineastas franceses pretendiam participar do Festival de Cannes.

Carlos Paez Vilaró é um artista múltiplo. Além de pintor, é escultor, arquiteto, escritor e ceramista. De todas as obras uma delas é importante ressaltar: a Casa Pueblo, considerada uma escultura-moradia, toda curva, sem reta alguma, e de um brancura que parece escorrer pelo penhasco marítimo a 15 quilômetros de Punta del Este. Iniciada em 1958, a casa era de lata, e Vilaró intitulou-a de “La Pionera”. Mais tarde foi revestida de ripas de madeiras de navios naufragados colhidas nas praias. Mais um tempo se passou e ele a revestiu de massa e a pintou da cor branca e a ampliou com quartos para cada amigo famoso que o visitava. A majestosa construção que veio a se tornar contrasta seu branco com o azul do céu e ofusca a vista do observador impactado com tanta beleza. Na parte mais alta do edifício é onde mora, neste ano de 2006, o octogenário Carlos Paez Vilaró, onde há também o restaurante do que é hoje o Hotel Casapueblo, com mais de cem quartos. Há na história desse artista e daquela casa um capítulo à parte. Ao conhecer a casa de Vilaró, Vinicius de Moraes escreveu a letra de uma música popular muito conhecida:

“Era uma casa

Muito engraçada

Não tinha teto

Não tinha nada

Ninguém podia entrar nela, não

Porque a casa não tinha chão

Ninguém podia dormir nela

Porque a casa não tinha parede

Ninguém podia fazer pipi

Porque penico não tinha ali

Mas era feita com muito esmero

Na rua dos Bobos

Número zero”

O texto em prosa original terminava assim: “…mas era feita com pororó, era a casa do Vilaró”.

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