O azul cobalto de Majorelle
Um pingo de poesia na nomenclatura das cores
Ninguém duvida: o mundo é colorido. Identificamos as colorações de preto, cinza, branco, rosa, vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, roxo e marrom. São cores básicas para a indústria das tintas. Outras nuanças são consideradas variantes e há métodos precisos para nomeá-las, como os sistemas HSI e HSV. Na tecelagem são utilizados os códigos comerciais Panton e Crazolla.
Na costura, na moda, um simples entretom de amarelo pode ser reconhecido como “âmbar ao entardecer”. Ao folhear o catálogo de tintas de uma loja, alguém pode escolher um laranja para pintar sua casa. Não um laranja puro, mas aquele remanescente “crepúsculo do Colorado”.
Se para a indústria o número hipotético 354330048 identifica uma das gradações catalogadas, o marketing do comércio poderá etiquetá-la como um “vermelho tijolo esmaecido”.
Assim nasceu o Azul Majorelle.
Marrakech, uma escolha de vida
De 1885 a 1900, a “École de Nancy” – escola de arquitetura e decoração – Nancy, França, ficou conhecida no mundo como um espaço de criação e produção artística onde se revelaram grandes nomes do “Art Nouveau”: Emile Gallé, Louis Majorelle, Jacques Gruber, Victor Prouve, entre outros. Eles eram artistas, “peintre”, pintores, “varriers”, fabricantes de vidro e objetos de vidro e “ébénistes”, arquitetos-marceneiros, decoradores, especializados na fabricação de mobília de luxo.
Filho do “ébéniste” Louis, o francês Jacques Majorelle nasceu em 1886. Estudou na Escola de Belas Artes de sua cidade e na Academia Julian, em Paris. Viajou para a Bretanha e Cote d’Azur, e para a Espanha, Egito, Suíça e Itália. Tornou-se conhecido com a série de quadros pintados em Veneza. Tuberculoso, recebeu do general Lyautey uma carta de recomendação para se instalar rapidamente em Marrakech, Marrocos.
Jacques Majorelle viajou, pintou e expôs. O ano de 1923 foi decisivo em sua vida, porque se fixou definitivamente em Marrakech. Não muito distante da balbúrdia da Medina, da praça Jemaa el Fna, das vozes misturadas e do comércio intenso, de encantadores de serpentes, músicos, contadores de histórias e de carros e bicicletas transitando entre pedestres, Jacques Majorelle comprou um grande terreno e iniciou sua casa. Ao redor dela um jardim com as mais diversas plantas de todo o mundo foi se formando devagar. Após oito anos, contratou o arquiteto Paul Sinoir para construir um novo atelier. Quando a guerra mundial era iminente organizou nova exposição para financiar os custos com o jardim e por volta de 1947 abriu-o ao público para que pudessem participar daquele oásis, verdadeiro Éden verde na avermelhada Marrakech. Aos 69 anos de idade Majorelle sofreu um acidente de carro e teve um pé amputado. Sete anos depois caiu em seu quarto e fraturou o fêmur. Repatriado à França, foi hospitalizado em Paris e faleceu em 1962.
Três letras e um estrondoso sucesso
Yves Henry Donat Mathieu Saint Laurent, conhecido como Yves Saint Laurent, ou simplesmente pelas iniciais YSL, nasceu na Argélia, em agosto de 1936. Aos 18 anos de idade, foi a Paris para estudar alta costura e Cristian Dior o contratou como assistente. Seria depois ele próprio o estilista principal da maison.
Chamado para servir na guerra da Argélia, em 1960, YSL perdeu o cargo na maison Dior, mas ao retornar a Paris, no ano seguinte, fundou sua própria casa de moda com seu amigo de toda a vida, Pierre Bergé. A marca YSL se tornava, ano após ano, sinônimo de sucesso, elegância e sofisticação no mundo inteiro, visível em chapéus, bolsas, bijuterias, meias, perfumes, cintos e óculos.
Muitos artistas influenciaram YSL. Em suas coleções prestou tributo aos artistas Mondrian, Matisse, Velásquez, Picasso, Goya, Cocteau, Braque, Warhol e Delacroix. Foi muito criticado ao criar smokings com blusas transparentes seguidos dos terninhos e o blaser, peças clássicas do guarda-roupa feminino. Vestindo mulheres ousadas como Catherine Deneuve, Jane Birkin e a princesa Grace de Mônaco, Pierre Bergé disse a que se tornou uma frase antológica: “Chanel libertou as mulheres e Saint Laurent lhes deu o poder”.
Tanto amor às artes e tamanho talento para criar formas elegantes e inesquecíveis, YSL foi condecorado com a “Legião de Honra” por François Miterrand, foi o primeiro artista vivo a expor no Museu Metropolitano de Nova Yorque e o Museu do Louvre inaugurou uma inédita exposição retrospectiva em sua homenagem.
O resgate de um patrimônio
Vinte anos se passaram e a propriedade de Jacques Majorelle, adquirida em 1980 por Yves Saint Laurent e Pierre Bergé, totalmente em ruínas, foi restaurada. Foram chamados profissionais especializados na recuperação do jardim e da casa-atelier. O número das espécies de plantas aumentou consideravelmente e elas receberam um carinho especial com a instalação de um moderno sistema de irrigação, planta a planta, de acordo com a necessidade de cada uma e no tempo preciso. Economizava-se, dessa maneira, cerca de 40% da água utilizada anteriormente na variedade de plantas aromáticas, exóticas, primaveras, filodendros, iúcas, gerânios, bambus gigantes, coqueiros, bananeiras, cactos… Nas fontes, as plantas aquáticas, com florações de cores vermelhas, rosas e amarelas, passaram a ornar com os vasos, também coloridos, amarelo-limão, verde claro e azul celeste.
Depois de reformada, a parte construtiva da propriedade, casa, fontes, muretas, recebeu coloração azul cobalto, batizada de Azul Majorelle.
Uma associação de cunho cultural-científico foi criada em janeiro de 2001 para salvaguardar o histórico-ecológico-cultural que o Jardim Majorelle representa. Um museu de arte Islâmica com obras da coleção particular de YSL/PB foi inaugurado na casa-atelier. Uma loja com artigos do jardim e os ingressos cobrados para a visitação contribuem atualmente para a sua manutenção. Ao entrar os visitantes recebem um catálogo informativo em três línguas – inglês, francês e árabe.
O jardim propicia momentos de encantamento, de tranqüilidade, de paz, e de cores, luzes, sons de pássaros, do vento e da água. Quando vai a Marrakech, YSL tem onde ficar e se inspirar. Ali possui sua casa, independente do museu, circundada apenas por uma cerca simples. Quando quer passear pelas aléas do jardim, sabe que poucas pessoas o reconhecerão, até mesmo os vinte jardineiros que ali trabalham.
Esta é a história de três homens que tiveram a mesma paixão por um paraíso no continente africano e de como nasceu o azul cobalto claro e vivo denominado Azul Majorelle.