Pintores de Piracicaba
Era garoto quando ouvi primeira vez o nome Pacheco Ferraz. Foi através de um tio, pintor, premiado no Salão de Belas Artes de Piracicaba, chamado José Franco do Nascimento. Era estranho vêlo assinar suas telas como Malpaga Franco, sobrenome da mãe, italiana, e do pai, português. Mas os da família chamavam-no por Zeca. Era nosso tio Zeca. Solteiro, passava um dia da semana em casa e nós, crianças, pedíamos-lhe que desenhasse a lápis em papel de pão. Era com alegria que víamos surgir no papel formas de animais, gente e objetos.
Além das primeiras aulas de desenho foi o tio Zeca quem me deu as primeiras lições de História da Arte. Apresentou-me os renascentistas Da Vinci, Rafael, Miguel Ângelo, o Gustavo Doré das ilustrações do Don Quixote, de Cervantes, e Tiepoli, Rembrandt, Dürer. Tinha mãos pesadas, ganhas na profissão de pedreiro. Talvez por isso, penso, ele tenha deixado de pintar. Lembro-me ainda agora das paisagens que aquele homem simples e tímido pintava. Eram calmas, de distâncias esfumadas, as cores todas esmaecidas, pálidas. Produzia telas para outros artistas e, como químico amador, fabricava ótimas tintas, principalmente um amarelo de brilho especialíssimo que retirava das cascudas e ferruginosas pedras-de-fogo. Também me falava dos seus amigos, Archimedes, Pacheco…
Vindo da Bretanha, nos anos 60, com uma mala de pinturas dobradas, em péssimo estado de conservação, Pacheco pediu ao tio Zeca que as restaurasse. Foi um trabalho de meses, de cuidados especiais, restaurando parte por parte as tintas rachadas e telas rasgadas, mas se desentenderam e se afastaram. Muitos anos depois, conheci pessoalmente o Pacheco. Ao me ver, perguntava pelo Zeca. Eu dizia que pouco conversávamos. Era sempre assim, até que ele se cansou, ou me desvinculou da imagem do meu tio. Ia ao seu atelier, observava todos os seus trabalhos, óleos e desenhos e ele me falava das saudades que sentia da Bretanha. Muitas vezes saíamos para pintar ao ar livre. Renato Wagner passava para pegá-lo em casa e nos encontrávamos na Agronomia, à beira do rio, perto do salto, na Rua do Porto, no Morato. E trocávamos quadros. Quando comprei a casinha na Rua do Porto e fiz meu bar, o Pacheco ia tomar cerveja ou vinho. Muitas vezes arrastava consigo um promotor aposentado que possuía grande coleção de suas pinturas. Depois de muita conversa e bebida queria ir ao atelier escolher quadros para comprar. Pacheco era esperto, dizia estar cansado e pedia ao promotor que o procurasse no dia seguinte. Nunca soube, nas muitas madrugadas que beberam juntos, de o pintor vender um só quadro naquelas condições. Era chato aquele promotor. Em algumas das vezes, tanto ele falava, eu cochilava em pé sem que percebesse. Não era sempre que vinha, pois morava em outra cidade. Ainda bem. Com o Pacheco, em muitas madrugadas, ou em almoços em dias especiais, desenhávamos até cansar. Ele me chamava de “best painter” e, não raro, quando alegre, arrastava-se num francês aportuguesado e dizia gentilezas a qualquer mocinha que estivesse por perto. Saudades da Bretanha à beira-rio. Na sala de minha casa tenho um desenho emoldurado, perto de uma pintura do Renato. É o desenho que fiz da mão do Pacheco. Ele gostou e assinou embaixo: A. Pacheco Ferraz. E, abaixo da assinatura, escrevi: “Araken desenha a mão do Pacheco e o Pacheco autentica”. Brincadeira de artistas.
Que dia foi aquela quinta-feira de junho? Dia vinte e dois? Eu cuidava da horta quando o Cecílio me falou: “O Pacheco morreu. Morreu com a idade de 102 anos”. Sentei-me num dos canteiros da horta, depois que desliguei o telefone, e chorei. Chorei só um pouquinho, porque cada dia que passa choro menos. Um pouco menos de quando chorei quando meu amigo Renato foi se despedir para falecer dias depois. Não sei quem foi levá-lo a minha vila. Mal caminhava e nem falava mais. Eu o vi surgir sozinho no final do longo corredor. Veio caminhando devagar. Desci os dois degraus da minha casa para recebê-lo e nos abraçamos.
Olá, que matéria ótima. Encontrei nesse site
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