Neguito, Rei Negro

A minha é terra de barão, de capitão, de marechar e generar, de conde e de visconde, de marquesa e baronesa. E tem muito coroner, pro que dé e pro que vié: Coroner Barbosa, Coroner Gonzaga, tudo que é gente prosa, tem coroner que num se acaba. Tem coroner no meretriço, coroner de feitço, coroner nas eleição, coroner de apenas mudá patente, de tenente a capitão, de intendente a presidente, de interventor a governador, de alferes a senador – minha terra tem de tudo. Ansim, silencioso, quase mudo, vô contá segredo que sei: minha terra teve rei.

Nas coisas que vi e descobri, no que encostrei e no que existo, falo desse rei, imitação de Cristo. O nome é Neguito, isso tinha que sê. Bastava vê: Neguito, feito herói hebreu, mistura de marrom cum preto de breu; Neguito doente, morfético e, entre os loco, profético; Neguito leproso, morfioso, lazarento e lascrifento; Neguito disgraçado como Jó – ai que dó! – amardiçoado, arrenegado, condenado por tudo mundo – “sai daqui, negro imundo; sai, leproso, pra que eu num veja!” – expurso por lei, religião e igreja, eis Neguito, o rei.

Nem vô contá. Pra que falá? Mistério num se revela. Um rei num se exprica. Pra Neguito, acendo vela, cum inveja da realeza. Pois, na terra de tanto barão – dos Rezende, dos Serra Negra – a rainha do rei era uma negra: muié de Neguito. Deles, iscuitei os grito, num disfile de Carnavar, noite cum estrela e luar de prata. Neguito – filiz no samba, nas rua, nas praça – gritava, cum graça: “Vamo, muié, minha mulata. Vamo dançá inté morrê.” E ela, mai filiz no tanto querê, arrespondia: “Taquemo na lata, inté raiá o dia. Que é pra branco aprendê.”

Despoi do Carnavar,Neguito sumia. Rei e rainha se escondia no castelo, um casebre pobre mai belo, tão singelo que, nos buraco do teia, eles via o céu iluminado, estrelaiada piscando pros doi. Nem me alembro quando foi. Mai, certo dia, Neguito apareceu chorano, as ferida do corpo inda mais doída. E falava pra quem pudesse iscuitá: “Mardiçoenta é minha vida, pra quê vivê, pra quê ficá? Ninguém me chame mai de rei, pois num há rei sem rainha e eu perdi a mulata minha.”

A muié dele, toda bela e facera, num passava de muié traiçoera. Intão, quando o moço branquelo apareceu, zóio azur e cabelo loro, a mardiçoenta estremeceu. E viu jóia, prata e oro, s´isqueceu do luar sobre o teiado, de nadá no rio, ela e Neguito pelado, s´isqueceu dos bejo e dos desejo – e nem disse adeus. Quando Neguito morreu, morte cheia de dor, dissero que ele morreu de amô. Desde aí, por aqui, o Carnavar se acabô. Lá se foi culumbina, morreu-se pierrô. Sem Neguito, nosso rei, Carnavar num mai teve lei.

1 comentário

  1. naldola.com em 08/02/2015 às 23:52

    Fantástico!! Parabéns!

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