Candidato dos estudantes, Enéas Mourão prometeu mudar o curso do rio

Pelo menos, no passado, candidatos eram menos nocivos

Candidatos a cargos eletivos que prometessem mundos e fundos, não apenas Piracicaba os teve, mas a maioria das cidades do país, desde os mais antigos tempos. Conta-se, entretanto, de um candidato muito especial em Piracicaba que, entre suas promessas, deixou a de fazer que o rio emudecesse, pois o barulho de suas águas atrapalhava sobremaneira a população, ao início do século XX.

Tratava-se de Enéas Mourão, que, ao lado de seu irmão Jorge, viveu na cidade entre as décadas 10 e 20 do século passado, transformando-se em joguete dos estudantes da cidade. Vindos Taubaté, ambos eram duas pessoas aparentemente inofensivas, que se tornaram tipos populares conhecidos por todos, cuja mania era serem grandes oradores. Jorge, sempre com cabelos tingidos de preto, vestindo-se com simplicidade, sobrevivia  por vender, de porta em porta, pó de café da torrefação Cherubim do Canto.

Já Enéas tinha verdadeiro horror ao trabalho. Vivia pelas repúblicas, trajando-se com o que os estudantes lhe davam, mas assumindo sempre ares de pedantismo. A certa altura daqueles anos, matreiramente os universitários convenceram-no a candidatar-se a deputado, como representante de Piracicaba. E como todo candidato devia apresentar-se em praça pública, contrataram até mesmo uma carruagem que o levasse até o local para o comício. O relato do ocorrido tem a assinatura de Benedito Marcelino de Almeida e foi publicado em 1967:

…a carruagem, com a capota completamente arriada, era tirada por dois soberbos cavalos brancos. Enéas pôs-se de pé, no meio da carruagem. Estava em traje a rigor: calças listradas, de fraque e chapéu alto. Mais parecia um príncipe. Os arautos vinham à frente e, em altas vozes, anunciavam a aproximação do cortejo.

E a notícia de que Enéas Mourão, candidato a deputado, dentro de alguns minutos daria entrada na rua do Comércio, correu como um relâmpago entre os moradores daquela artéria, e um movimento desusado notou-se logo. As janelas das residências, as portas das casas comerciais e as calçadas ficaram logo tomadas pelos curiosos. A carruagem, triunfalmente, entra pela rua do Comércio. O séquito era entusiasta. E Enéas, perfeitamente compenetrado do papel que representava, tirava o chapéu e punha-se a dar vivas ao brioso eleitorado da Noiva da Colina. Os estudantes aplaudiam em delírio.

No Largo da Matriz parou a carruagem. Enéas, todo enfático e estimulado pelos estudantes, iniciou o seu monumental discurso, sendo a todo momento interrompido pelos vivas dos rapazes. A certa altura da formidável peça oratória, Enéas erguendo a cabeça com um tanto de dramaticidade e com voz pausada, como quem assume a obrigação de cumprir aquilo que promete, não teve dúvidas em afirmar:

– Não pensem, meus caros eleitores, que venho prometer coisinhas a Piracicaba. Não. Meu programa é um colosso. Em primeiro lugar mandarei construir um viaduto que ligará o Cemitério a Vila Rezende; em seguida darei as necessárias ordens para que o rio Piracicaba seja mudado, porque o salto faz um barulhão dos diabos e tira nosso sono; e para completar a soma de benefícios que pretendo por em prática a bem deste povo sofredor, tomarei, sem mais delonga, providências no sentido de acabar com os pepineiros, pois está hoje provado que o pepino é muito indigesto. Não pensem, repito eu, que sou como outros candidatos que prometem mundos e fundos, mas que nada fazem em proveito do povo. Não, meus bons amigos, tudo o que prometi será feito, ou por bem ou por mal.

Uma calorosa salva de palmas e vivas e mais vivas abafaram as últimas palavras do orador. Mas como nem tudo neste mundo são glórias, algumas vaias e não poucos assobios também se ouviram. Enéas não se deu por vencido e, numa atitude de superioridade continuou a distribuir sorrisos a seus verdadeiros admiradores. Em seguida, a carruagem tomou a direção da Boa Morte. E Enéas, cônscio das responsabilidades assumidas perante o povo, lá ia acompanhado pelos estudantes, chapéu na mão, a dar vivas a Piracicaba”.

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