Ripolianas (3)*

Quando o Rípoli me convidava a viajar, eu sabia tratar-se de encrenca. Era certeza. No carro dele, eu não entrava. Pois toda a maluquice do homem se manifestava estando ele à direção de qualquer veículo, acho que até de carroça. Rípoli, dirigindo, era uma ameaça ao público. Não parava em semáforo, subia em calçada, estacionava em qualquer lugar, deixava o carro no meio da rua e, se guarda o abordasse, sentia-se ofendido.

Um dia, deu um safanão num guarda de trânsito e correu esconder-se em minha sala: “Estou sendo perseguido, o guarda quer me matar.” – gritava. Quase chamei a polícia. E era um medroso. Tinha medo de avião, de estrada, sempre justificando os terrores de que era acometido. Em viagem, ele exigia velocidade máxima de 80km/h., alegando economia de combustível. Alguns anos depois, o Presidente Geisel – na crise do petróleo – determinou que, nas estradas brasileiras, a velocidade máxima de todos os veículos fosse de 80km/h. Romeu Rípoli era um homem além de seu tempo.

A maluquice de Rípoli tinha, pois, lampejo de gênio. Pois bem. Certo dia, ele chegou à redação, intimou: “Você e a Mariana vão ao Rio de Janeiro comigo e com a Belinha.” A falecida Mariana, mãe dos meus filhos, era uma dama mas imaginei-a dando, mentalmente, uma banana ao Rípoli: “Aqui, ó, e minha filharada?” E tinha outra coisa: de automóvel, ele não iria ao Rio; de avião, tinha medo e – mão-de-vaca como era – não custearia as passagens. E mais ainda: por que a Belinha e a Mariana irem, se elas não sabiam sequer o que era uma bola de futebol? Essa é outra história.

O fato é que o Rípoli seria julgado pelo tribunal de justiça da CBF e estava em pânico. Fingia valentia, mas era criança com medo de fantasma. Formou uma comitiva, na qual, dos que me recordo, estavam o advogado Luiz Cunha e o radialista Rubens Lemaire de Moraes. Percebi tratar-se de coisa feia quando o vôo foi marcado para sair de Viracopos onde e de onde, então, só aviãozinho pousava e decolava. Ousaria, o Rípoli, levar-nos de aviãozinho ao Rio?

Ousou, levou e nós, idiotas, fomos. No Rio, dividimo-nos em dois táxis. O Rípoli e as madamas, num deles. No outro, fui intimado a chefiar a caipirada: “Para o Hirto Hoter”, falou o presidente do XV. Estranhei houvesse, no Rio à época, hotel da cadeia Hilton. Ocultei a ignorância, pedi ao taxista: “Para o Hilton, por favor.”, trocando o caipiracicabanês pelo carioquês. Olhando a paisagem, o taxista falou: “.Aqui não tem Hotel Hilton.” Ora, se o Rípoli falou que era Hotel Hilton, tinha que ser Hilton. “Não tem Hilton, meu senhor.” – insistiu o motorista.

Entrei em pânico. Minha carteira, malas, minha mulher, tudo meu estava no outro táxi. O pessoal da rádio, sem dinheiro. O Luiz Cunha, no vigésimo uísque. E o taxista, desmentindo o Rípoli. O Lemaire ameaçou noticiar pela “Difusora”.  Eu pensava na Belinha e na Mariana: e se Rípoli as tivesse levado a Niterói?  Insisti: “Tem que tê Hirton: se o Rípoli falô tem que tê. Nói semo do XV, o Rípoli vai sê processado, vamo ficá no Hirton esperando ele sê preso.” – deixei todo o meu carioquês de lado.

Então, a dúvida me assaltou: o tal de “Hirto Hoter” seria, mesmo, o “Hilton Hotel”? Pois, se não havia um “Hirto Hoter”, poderia haver um “Airto Hoter”. E se nem “Hirto” e nem “Airto”, por que não um “Hoter Horto”, um “Horto Hoter?” O taxista vibrou: “Ah, doutor, esse Horto Hoter existe. É o Othon, ali na esquina.” Era.

*A série denominada Ripolianas é republicada para constar dos arquivos de AProvíncia.com.

1 comentário

  1. augusto em 11/12/2013 às 18:57

    já é a 292ª vez que leio esse artigo. Se publicar de novo, com certeza verei novamente, pois é apaixonante. Um abraço

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