Ripolianas (4)

Então, deixando os caipiras no Oton, fui ao hotel onde o Rípoli instalara sua corte: Belinha, Luiz Cunha, Mariana e eu. Assustei: era o Hotel Glória. E acendeu-se-me uma luz no mais fundo da inteligência: “Tem mé no toco.” Pois, mão de vaca de fama universal, Rípoli não pagaria — a não ser por segundas intenções — diárias no Hotel Glória para pobres diabos como nós.

Mais à noitinha, num jantar quase de gala, comecei a entender, à chegada de repórteres de jornais, de rádio, de televisão. Até a sala de imprensa do Glória fora reservada: Rípoli ia falar! E imagine se ele, Romeu Ítalo Rípoli, falaria à imprensa carioca em outro hotel que não o Glória ou o Copacabana Palace?

Como ia ser julgado pela antiga CBF — um processo esportivo — ele mobilizou a imprensa, agitou o Rio, esculhambou o Hotel Glória, acho que ofereceu champanha e caviar aos jornalistas, não me lembro. Circo armado, lá nos fomos, no dia seguinte, assistir ao julgamento dele pelo tribunal esportivo. Parecia filme de suspense, semelhante a “Psicose”. Abrem-se as cortinas: Luiz Cunha puxa o cordão, Rípoli chega de braço dado com Belinha; eu, com Mariana. Só faltou a banda “União Operária” para tocar “Pompa e Circunstância”.

Iniciada a sessão, Cunha começa a falar, Rípoli o interrompe: “Incelências: eu é que vô fazê minha defesa.” A sessão parou, o tribunal tremeu, trocam-se consultas e cochichos, decide-se: “já que tá que fique e Rípoli se defenda.” Quem se lembra da Libertad Lamarque, a atriz argentina que inundava o mundo de lágrimas com seus dramalhões? Rípoli era a própria Libertad, o Felix Caignet de “O Direito de Nascer.” Eu chorei, tu choraste, ele chorou, nós choramos. O mundo chorou. Rípoli, soluçando, olhava para Belinha: “Minha santa esposa, o que será dela se eu for condenado? E meus filhos, rezando por mim em Piracicaba?” Mentira. O Caetano estava namorando e a Beth Rípoli, tocando piano.

Luiz Cunha e eu queríamos morrer; minha mulher, matar-me. Mas — fungando e assoando narizes — os juizes absolveram o Rípoli por unanimidade. E aplaudiram-no. A imprensa carioca chamou-o “maior dirigente esportivo do Brasil, exemplo para redimir o futebol brasileiro.” Rípoli achou pouco.

No dia seguinte, ele nos levou a uma audiência com o presidente da CBF, Almirante Heleno Nunes, homem dos militares. Era na rua da Alfândega. Outra vez não entendi: por que a Belinha e a Mariana tinham que ir conosco? O Almirante fez-nos entrar, Rípoli e eu, ficamos na conversa mole. De repente, o Rípoli falou: “Almirante, minha mulher, Belinha, veio até o Rio só para homenagear a sua excelentíssima senhora.”

Belinha nem sabia o nome da tal excelentíssima senhora Heleno Nunes. Mas, com Mariana ao lado, entrou. Pareciam duas tontas, trêmulas. E eu tremi — pensando em prisão, em tortura militar — quando vi dona Bela com uma requintada caixinha nas mãos. Rípoli andava interessado em pedras preciosas e imitações, presenteava os amigos com pedaços de zircônio como se fossem diamantes. Entrei em pânico. Mas, sem gaguejar, Belinha falou: “Em nome da muié piracicabana quero homenageá a sua muié que é símbolo da muié brasileira.” Era um colar de esmeraldas.

Imaginei a manchete nos jornais: “Rípoli e quadrilha tentam subornar o Almirante.” Mas escapamos. Dois dias depois, ofício de Heleno Nunes designava o XV convidado especial do campeonato brasileiro de futebol. O time, capenga, estava quase à morte. Mas Rípoli provou: esmeraldas ressuscitam qualquer defunto.

*A série denominada Ripolianas é republicada para constar dos arquivos de A Província.com.

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