A poesia de Cornélio Pires em “Musa Caipira”

A turma caipira de Cornélio Pires.Foto histórica de 1929, vendo-se da esquerda para a direita, em pé: Ferrinho, empunhando a “puíta”, Sebastião Ortiz de Camargo (Sebastiãozinho), Caçula, Arlindo Santana; sentados: Mariano, Cornélio Pires e Zico Dias.

As obras de Cornélio Pires, um dos ícones da chamada literatura caipira, têm sido recuperadas por estudiosos e editoras brasileiras. São parte de  um tesouro linguístico e folclórico de uma cultura que, entre os paulistas e mineiros, começa a ser valorizada. Jornais, revistas,  livros, teses acadêmicas abrem espaços e cuidados para um estilo de vida, o caipira, que continua vivo em muitas das pequenas cidades interioranas, e nos subúrbios de cidades médias, conhecidos como “rurbanos”, comunhão do rural e do urbano.

Cornélio Pires foi um mestre no recolhimento, em prosa e verso e também através da música – em recolher a simplicidade das conversas caipiras, as tais patacoadas, misto de anedotas, tiradas maliciosas,  simplicidades e astúcias, contos e “causos”. Poucos conhecidas, no entanto, são algumas de suas poesias, tidas, hoje, como documentos imprescindíveis para se conhecer essa “alma caipira”. Aliás, o primeiro livro de Cornélio Pires intitulou-se exatamente “Musa Caipira”, dedicado a outro mestre do folclore brasileiro, Amadeu Amaral. A seguir, alguns de seus versos.

“A origem do homem”

Esse soneto foi publicado, pela primeira vez, no jornal “O Tietê”, na cidade do mesmo homem, em 1909:
O senhor por acaso não descende
Dos bugres que moravam por aqui?
– Homéu num sei dizê, vancê compreende
Que essa gente inté hoje nunca vi.
Mais porém o Bernardo diz que intende
Que os moradô antigo do Brasi
Gerava de macaco!… Inté me ofende
Vê um véio cumo ele, ansim, minti.
D´outra feita um cabrocro – ai um caiçara –
Diz que nasci um de dois e inté de trêis,
Quando estralava um gomo de taquara!
Nóis num temo parente portuguêis,
Nem mico, nem quati, nem capivara…
Semo fio de Deus cumo vanceis

“Ideal do Caboclo”

Tido como um soneto clássico da literatura regionalista, “Ideal Caboclo” foi publicado em 1910, no livro “Musa Caipira”:
Ai, seu moço, eu só quiria
Pra minha filicidade,
Um bão fandango por dia,
E um pala de qualidade
Pórva, espingarda e cutia,
Um facão fala-verdade
E uma viola de harmonia
Pra chorá minha sódade
Um rancho na bêra d´água,
Vará de anzó, pôca mágoa,
Pinga boa e bão café…
Fumo forte de sobejo…
Pra compretá meu desejo,
Cavalo bão – e muié!

 Poesia do final de vida

No final de sua vida, Cornélio Pires tornou-se homem religioso, espírita convicto, dedicando-se à caridade. Em sua cidade natal, Tietê, onde quis morrer, manteve um orfanato infantil. Sobre essa sua fé religiosa, deixou a seguinte quadrinha:
“Mas caridade sem ação
é qual a fumaça no forno,
que espalha mais fome em torno,
em vez de espalhar pão.”
Doente, sabendo estar próximo de morrer, cantou a sua “Terra amada” neste poema:
Tietê!Querida terra e muito amada
De ti distante, esplêndida cidade,
Sinto invadir minh´alma hoje sozinha
Uma profunda e acríssima saudade.
Terra dos meus amores! Não definha
O amor que te dedico; que me invade…
E foi-se tudo que sonhado eu tinha,
Tão ridente e feliz, na mocidade.
No mar grosso da luta pela vida,
Eu não te esqueço, não, terra querida,
Eo teu nome defendo em toda parte.
Tu me visite perder as ilusões
Porém nunca verás nos repelões,
Da peleja sem fim, deixar de amar-te.

As espertezas de Joaquim Bentinho, personagem que caracteriza o caipira típico, superam as tolices e malandragens com que o personagem de Monteiro Lobato, “Jeca Tatu”, marcou, por tanto tempo, a imagem do caipira paulista. Mas não só Joaquim Bentinho. Em todos os seus escritos, como que em retalhos,  Cornélio Pires registrou essa alma caipira, tão rica em sua simplicidade que é universal.

3 comentários

  1. Henrique Junqueiro em 02/09/2014 às 17:25

    O grande Cornéllio Pires.Iniciador da moda e da música caipira.Cantor,compositor,poeta dos mais ilustres,quase esquecido.Esse Brasil de imbecis governantes não exalta seus artistas,não respeita
    seus poetas e seus filhos prodígios são deixados de lado.Não tem um que se lembre de lembrar.Garanto que poucos ou nenhum destes jovens sertanejos “UNIVERSITÁRIOS”(????) conhecem ou ja ouviram falar do Sr.Cornélio Pires.A mídia descarta Catulo,João Pernambuco,Cornélio,João Pacífico,Raul Torres e dezenas de grandes astros para gastar dinheiro
    fazendo filme pro CAZUZA.Isto sim é uma afrontante troca de valores.

  2. Carlos José Guimarães Parisotto em 04/01/2015 às 03:16

    Cornélio Pires um dos nomes que sempre deveria ser lembrado, como todos os demais acima citados. Concordo com o que disse Henrique Junqueiro:”esse Brasil de IMBECIS governantes não exalta seus artistas. Não respeita seus grandes poetas”. Devemos lembra-nos de quem? Dos “sertanejos universitários” , que nem sabem cantar e escrevem letras que daria VERGONHA algum cantor ou poeta de verdade cantar? Fazer filme para Cazuza, só se for em benefício de alguns poucos. Deveriam pensar nos poetas que escreveram pelo e para nossa gente brasileira. É mesmo, como diz o Sr. Henrique Junqueiro, é uma vergonhosa e afrontante troca de valores.

  3. Ozevaldo Silva dos Anjos em 13/08/2015 às 14:52

    Sou fã de Conélio Pires e pesquisei algumas coisas sobre ele. Vale ressaltar que além de um artísta de imenso valor, tendo atuado como Jornalista, Radialista, Cinegrafista, Conferencista, Escritor, Poeta, Contista, Humorista, Folclorista, Empresário e Ativista Cultural brasileiro. Ainda foi considerado “O Grande Etnógrafo da Cultura Caipira e do Dialeto Caipira”, “O Pai do Folclore Paulista”, e também “O Bandeirante do Espiritismo. Espírita convicto e praticante da mais nobre caridade, Cornélio Pires foi exemplo de bondade e amor. Diferente de alguns “artístas” sem caráter que são aclamados pela mídia e exaltados pelo governantes brasileiros. Alguns são até tema de filmes.

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