Antônio, João, Pedro: uma festança só

Antes, eram comemorações feitas apenas nas datas dos santos Antônio (13), João (24) e Pedro (29) de junho. Nos últimos tempos, são festas de todo o mês, iniciando-se no dia 1º.

As chamadas festas juninas são uma das mais fortes tradições no universo caipira, pois aliam milenares reminiscências pagãs ao catolicismo romano. Eram conhecidas como as festas do solstício de Inverno, quando se dá a noite mais longa do ano e o dia mais curto. Em nosso hemisfério, ocorre em 21 ou 23 de junho. No Brasil, no período desse solstício, dá-se o início das colheitas, especialmente a do milho, razão pela qual as festanças acontecem mais na zona rural, nas roças.

As festas dos soltícios eram rituais pagãos que se trasladaram, com o tempo, para o catolicismo. Assim, cada época acabou rendendo tributos a um santo, sendo São João Batista o mais comemorado, exatamente por ser dia 24 de junho o dia que lhe é dedicado no calendário católico. Coincidindo com o solstício de Inverno, o “dia de São João”, o Batista, passou a festejado com muita alegria, comilança, danças e sortilégios. Essa alegria é intensificada também pelo fato de as festas serem noturnas, à luz das fogueiras, e a imagem de São João, ao contrário da de outros santos católicos, ser a de um menino com cabelos encaracolados, sorridente, muito diferente da figura austera do Batista.

Os três santos

Embora seja mais popular a “de São João”, as festas não são apenas “joaninas”. O que existe é um “ciclo de festas”, que rendem homenagem também a Santo Antônio (13 de junho) e São Pedro (29 de junho), motivo porque são chamadas de “festas juninas”, referentes ao mês de junho. Antônio, João e Pedro estão entre os santos preferidos na devoção dos caipiras, em religiosidade que se mistura com superstições, simpatias e crenças profundas.

Santo Antônio é um dos santos de devoção mais popular em todo o Brasil, sendo padroeiro do maior número de cidades em todo o território nacional. É o “santo de Lisboa”, doutor da Igreja, popularizado através de rezas, novenas, trezenas e a recitação do “responso”, que os crentes acreditam ser infalível para obter graças. As “festas de Santo Antônio” são mais urbanas, comemoradas junto a capelas e igrejas, destacando-se o “Pão de Santo Antônio”, distribuído aos pobres no dia do santo. Tido como “santo das causas perdidas”, por isso, também, se tornou o santo a quem as moças já sem esperanças de casamento oravam, de onde a sua fama também de “santo casamenteiro”.

São João é João Batista, o primo de Jesus, nascido em 24 de junho. Foi ele o anunciador da chegada do Messias, quem batizou Jesus e, finalmente, foi degolado na Palestina. Pregador severo, carismático, moralista, ascético, inflexível, essa figura austera acabou se transformando, no imaginário popular, na criança alegre e travessa, no jovem malicioso que lembra a figura pagã de Dioniso. As “fogueiras de São João” são reminiscências das que se acendiam, na Antiguidade, na zona rural, comemorando o início das colheitas. Festa noturna, a de São João permite bailes, fartura de comida, malícias amorosas e bebidas.

São Pedro, apóstolo a quem Jesus entregou a chave de sua Igreja, a “pedra sobre a qual ela seria construída”. Primeiro Papa. Curiosamente, a figura de São Pedro é, para o povo, a de um homem bonachão, divertido, ingênuo e, ao mesmo tempo, astuto. É o santo da preferência de pescadores, marítimos ou ribeirinhos. Sua festa, como que encerrando as festanças juninas, é comemorada com muitos rojões e fogos. Além de comida e bebida, com galanteio a moças bonitas e danças maliciosas.

As fogueiras

As festas juninas são comemorações que se incluem entre os chamados “cultos pirolátricos”, relativos ao fogo, aos que o adoravam. Esses cultos tinham por finalidade, como ocorria na Idade Média, “espantar o demônio e os espíritos maus”, no medo de que eles pudessem prejudicar a colheita e o plantio. Em Portugal, acreditava-se que com muito barulho e fogo, esses espíritos e o próprio demônio seriam afastados, motivo, portanto, para fazer grandes foguetórios. Essa tradição foi trazida ao Brasil pelo português colonizador.

Por outro lado, as fogueiras serviam, também, para, em vez de afugentar, criar pactos com os espíritos maus e com o próprio diabo: fazia-se agrados para eles com música, cantorias e com os rojões. No Brasil, algumas superstições desse “pacto com o coisa-ruim” permaneceram. E, muito embora os maus espíritos não estejam mais presentes na imaginação popular durante as festanças juninas, os estampidos e as fogueiras sobreviveram, agora alimentando outras superstições: como ganhar dinheiro, como arrumar namorado, como apressar o casamento.

“São João” caipira

Em São Paulo, as principais “festas juninas” acontecem na zona Sul do Estado, no Vale Médio do Tietê e no Vale do Paraíba. São as mais características “áreas caipiras”: de Jeca Tatu, criação de Monteiro Lobato (São José dos Campos, Taubaté, Pindamonhangaba e outras) e do Joaquim Bentinho, personagem de Cornélio Pires (Piracicaba, Capivari, Tietê, Itapetininga e outras).

A “festança junina” caipira é realizada com muitos fogos de arifício, fogueira, leilão, procissão, rezas, levantamento do mastro, lavagem do santo. E muito quentão (beberagem feita com pinga, gengibre, canela e cravo), pamonha, curau, frangos assados, cuscuz, leitoas e leitões, castanhas na brasa, etc. Fazem-se leilões de prendas e, também, dos principais pratos, especialmente leitões.

Cidades ribeirinhas, a festança começa com cantorias de viola e rezas numa sala onde fica a imagem de São João Batista, a figura do menino com o carneirinho. O povo os chama de “o santo menino” e “o carneirinho de São João”. A sala é embandeirada e, antes de anoitecer, acende-se a grande fogueira. É o aviso para que se faça a procissão, levando o “santo menino” a ser lavado à beira do rio ou no riacho. Em seguida, com a volta da imagem, o responsável pela festa “puxa um terço” iniciando a reza. Encerradas as orações, ergue-se o mastro com a “bandeira de São João”, no qual se amarram fitas, pedidos, flores, ao som das cantorias dos violeiros.

O foguetório começa em seguida. A tradição é iniciar-se com um “busca-pé de vareta”, em cuja ponta se coloca, como enfeite, uma pomba. O responsável pela festa risca um fósforo no estopim, o foguete sobe para os céus, enquanto o povo aplaude e se acendem as três fogueiras: de Santo Antônio, São João e São Pedro. É um espetáculo pirotécnico que encanta a multidão, preparando-a para a grande comilança, o “quentão” sem limites.

À meia-noite, acontece a grande demonstração de fé dos devotos. É quando se salta a fogueira e se pisa sobre as brasas. Descalços, os devotos atravessam um caminho de brasas, quase todos eles saindo sem qualquer queimadura nos pés. Quem se queima é “por não ter fé.” Pois, segundo a crença, “quem tem fé não queima o pé”.

Aqueles que participam dos festejos – especialmente nas rezas e no atravessar a fogueira – estão estabelecendo laços de “compadrio”, ou seja: fortalecem a amizade, tornam-se compadres. Ser compadre é um dos mais fortes sentimentos caipiras, onde se estreita a solidariedade. Atualmente, no entanto, isso apenas sobreviveu nas pequenas e médias cidades do interior de São Paulo, especialmente nas cidades ribeirinhas aos principais rios, o Tietê, o Paraíba, o Parnaíba, o Piracicaba, na área conhecida como “região caipira”.

Em Piracicaba, é tradicionalíssima e empolgante a Festa de São João na Vila de Tupi, um dos mais bucólico espaços do município.

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