Festanças e tradições caipiras (I)

O Violeiro – 1899 óleo sobre tela – 141 x 172 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo

Entre alguns, são quatro as grandes personalidades paulistas que cuidaram de preservar o riquíssimo folclore caipira, o de São Paulo: Mário de Andrade, Amadeu Amaral, Alceu Maynard de Araújo e João Chiarini. Não por acaso, apenas Mário de Andrade era paulistano; os demais, interioranos.  Antes deles, o folclore surgia apenas como algo pitoresco, quase que exótico, ligado ao rural. Folclore é, porém, muito mais do que isso: conjunto de instituições, costumes, comportamentos, patrimônio material e espiritual.

Em São Paulo, as festanças e tradições caipiras começam a ser revividas. Muitas delas se perderam, outras quase se extinguiram. No entanto, há reações positivas como se a memória do povo se aguçasse à medida em que a perda da identidade, causada também pela chamada globalização, deixasse os povos inseguros. Os “caipiras” – ainda que muitos confundam, até propositalmente, a moda “country” com o sertanejo – estão de volta. Com suas danças, bailados, cantigas, rondas infantis, adivinhas, lendas, rezas, procissões, festas, instrumentos musicais, bebidas, remédios caseiros, rituais. Especialmente, as festanças populares.

Batuque

No folclore caipira, é dança de terreiro, com o uso de instrumentos como o tambu, mulemba, matraca, guaiá.  A região “batuqueira” de São Paulo – que começa a ser reativada – localiza-se no vale médio do Tietê, com municípios tradicionais, cidades reconhecida e orgulhosamente “caipiras”: Tietê, que sempre foi tida como “capital batuqueira”, Porto Feliz, Laranjal, Pereiras, Capivari, Piracicaba, Limeira, São Pedro, Itu, Tatuí.

O batuque é dança de origem africana. Ao contrário das danças primitivas, que são de roda, o batuque se faz em duas colunas, de homens e mulheres frente à frente, que se defrontam, dando umbigadas. O batuque é conhecido, também, como umbigada. Como ritual, é visto como “dança da procriação”, por causa da sensualidade explícita entre homem e mulher. Por isso, pai e filha não podem “dançar o batuque”, não podem “dar umbigada”. Nem padrinhos com afilhadas. Soaria como algo incestuoso. Se, por descuido, isso acontece, a filha ou afilhada se desculpa: “a bênção padrinho”.

O batuque, ao tempo da escravatura, foi muito combatido pela Igreja Católica que ainda não o vê com bons olhos.

Cana Verde

Arte Naif Caipira de Nerival Rodrigues

Dá-se o nome de fandango ao conjunto de danças rurais. A mais difundida delas é, ainda, a “Cana Verde”. Muitos estudiosos confundem a “Cana Verde” com a dança de origem portuguesa “Caninha Verde”. São diferentes. Na “Cana Verde”, foi iniciada nas roças paulistas. Dançam homens e mulheres, num grande círculo, deslocando-se no sentido horário, o lado direito do corpo voltado para o interior da roda. Dançam valsando, balanceando, voltando a frente um para o outro, fazendo a meia volta. Quando um dos homens se vira à direita, todos o acompanham. As mulheres permanecem na mesma posição até que seus acompanhantes voltem para o lugar primitivo, quando, então, elas se viram para a esquerda, fazendo a meia volta. A arte está em fazer o corpo como que flutuar, no vai-vem da onda.

Os instrumentos musicais usados são a viola, o pandeiro e o reco-reco. Não há desafio, mas os homens fazem declarações de amor em quadrinhas dirigidas às moças, batendo os pés para afirmar o compasso. Uma delas, registrada por Maynard:
“Uma moça me pediu/ da cana verde uma fôia/ trêis branca, treis amarela/ aqui está, meu bem, escôia.”

A “Cana Verde” é marcadamente da região do Tietê Médio já citada e, também, do Vale do Paraíba.

Cateretê ou catira

É dança usada pelos catequistas, ainda difundida entre algumas regiões caipiras de São Paulo. É conhecida, também, na zona litorânea. Em São Paulo, os caipiras dançam com os pés descalços, batendo no chão, a que se dá o nome de “pisar nas cordas da viola”. São dois violeiros e cinco ou mais pares dançantes.  Suas origens são vistas, por alguns estudiosos, como ameríndias.

No centro do salão, os dançadores formam duas colunas e à frente delas, um violeiro-cantador. Um dos violeiros é o “mestre”, sendo “contra-mestre” o outro. Isso quer dizer que fazem a primeira e a segunda vozes. Os violeiros cantam e batem os pés; os dançantes não cantam, mas batem pés e mãos. O violeiro saem do lugar, dão a volta por fora das colunas, retornam pelo centro, voltam a seus lugares. A isso, dá-se o nome de “vorteá e cruzá”, dar a volta e cruzar. Os dançantes aguardam os sinais e vão “parmeando e sapateando”, ou seja, batendo palmas e batendo os pés. O bater-pés é conhecido como “pateio”, em oposição ao “parmeio”, que é o bater-mãos. Os dançadores, em algumas regiões de São Paulo, usam tamancos.

O cateretê ou catira é, também, conhecido como xiba, bate-pé. (Na próxima edição: Cururu, Jongo, Marinheiros.)

2 comentários

  1. Linneu Stipp em 26/03/2013 às 07:28

    Preclaros Jornalistas do A Provincia.

    "Praeclarus" Cidadão da terra amada

    Sei que poucos se preocupam em divulgar essas manifestações da cultura caipiracicabana. João Chiarini, nos tempos do programa O Céu é o Limite, TV TUPI, participou do Programa. A musica caipira é divulgada no programa da Inezita Barroso.

    Lembro-me de outras manifestações não mencionadas, samba-lenço, umbigada, o cururu, etc. etc

    Encontrei-me certa feita na praia da Boa Viagem, Recife, com uma pesquisadora da musica do nordeste, viera de Berlim, Alemanha, com esse objetivo. Dizia-me que os "allimoens" ficavam abismados com a sonoridade da musica das bandas de pifanos e outros instrumentos fabricados por musicos do sertão pernambucano, mas principalmente pelas musicas criadas por essa gente humilde…

    E na patria amada?

    Linneu José Liborio Stipp

  2. Maeli Hessel em 03/03/2017 às 13:02

    Começando a estudar sobre isso tudo…. minhas raízes. Meu eu… maravilhada e disposta a lutar por este reconhecimento !! Maéli Hessel – Educadora musical

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