Nhô Zé e Dr. Zezinho – Tema: as serestas

O texto abaixo foi publicado em agosto de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

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Reprodução original do texto

“NHÔ” ZÉ – Que bom! Tô sabendo que o Cobrinha, o Pedro Alexandrino, o pessoal da seresta vão tá pelos buteco nesse fim-de-semana.

“DOUTOR” ZEZINHO — E lá me vem você com esse caipirismo novamente! Seresta já era, ô meu! É coisa de gente atrasada, coisa velha.

“NHÔ” ZÉ — Num é não, Dôtor Zezinho. Eu também gosto de um “rock”, desse tar de “heavy”, acho a Rita Lee coisa linda, coisa nova. Mas seresta continua bunito, coisa do coração.

“DOUTOR” ZEZINHO –  É por isso que essa região caipira não vai prá frente. Vocês ficam presos ao passado, pensam a mesma coisa que os ecologistas, querem preservar, preservar! Comigo, não. Eu sou piracicabano, mas sou prá frente. Se der lucro, tem valor, o resto é bobagem.

“NHÕ” ZÉ — Mas seresta dá lucro, “Doutor” Zezinho. Dá muito lucro. O coração da gente fica todo cheio de paz, de alegria, de gostosura. A gente tem que preservar as coisas boas, como não?

“DOUTOR” ZEZINHO –  Quanto ganha o Pedro Alexandrino, quanto ganha o  Cobrinha prá ficarem cantando por aí? Diga, quanto ganham? Para mim, “time is money”. Sem essa de sentimentalismos, sem essa! Eu sou um executivo moderno, tá?

“NHO” ZÉ — Ocê num é moderno, não. Ocê é bem antigo, daqueles que não tem segurança, que pensa que o dinheiro é tudo na vida. Dinheiro é necessário, é importante. De que adianta juntá dinheiro e não ter os prazeres da vida, a alegria de um bate-papo cum amigo, curtir essa moçada que tá por aí querendo sabê tanta coisa, tendo tanto prá ensina?

“DOUTOR” ZEZINHO – Besteira. Prá mim, moço é mão-de-obra barata. Quanto mais houver crise, mais fácil fica contratar moço por salário baixo. E quem falou que eu não tenho prazer na vida? Encho a cara toda a noite, de dia tomo estimulante prá ficar ligado, faço umas farrazinhas por aí e me sinto vivo, muito vivo.

“NHÔ” ZÉ – E num tem mais nada, nenhum ideal?

“DOUTOR” ZEZINHO – Claro que tenho ideal, tenho muitos. Estou tentando convencer o prefeito, os vereadores para me darem o direito de instalar uma boate no Cemitério da Saudade ou no velório, Morte dá lucro!

Sobre “Nhô Zé” e “Doutor Zezinho”

Elas não são personagens fictícios. Eles existem, estão ao nosso lado, em nosso cotidiano. “Nhô Zé” é o piracicabano assumido, aquele que aqui nasceu ou que para cá veio trazendo a sua contribuição para sermos um povo e uma cidade com raízes verdadeiras. “Doutor Zezinho” pelo contrário, é a negação de tudo o que somos como cidade ou como povo: “Doutor Zezinho” é aquele que, ou sendo nascido aqui ou para cá se mudando, nada tem a ver com a comunidade, pois tem a ver apenas consigo mesmo, o oportunista, o ridículo, o homem que, nada tendo na cabeça, ocupa espaços por ter dinheiro que nem sempre foi conseguido com decência. “Nhô Zé” e “Doutor Zezinho” são ricos e pobres, nativos e piracicabanos por opção, de todas classes sociais, cultos e incultos — com a diferença de que “Nhô Zé” tem senso de comunidade e “Doutor Zezinho” é o individualista sem qualquer senso de decência ou de ridículo.

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