Festanças e festas juninas desde antigamente.

Das festas piracicabanas, não foi apenas a “Festa do Divino” a alegrar o pequeno universo à beira rio, de onde se espalhava pela cidade. Da rua do Porto, a alegria do povo subia a rua Moraes Barros, chegando ao centro, animando as gentes. Mas era para lá, à beira rio, que as festanças retornavam, ainda mais alegres, com o povo tomando todos os espaços. Havia a “lavagem de São João”, que começava na rua da Pocinha, início quase do Itapeva, lá onde jorrava o “Olho de Nhá Rita”. A imagem de São João era pendurada no mastro enquanto se soltavam foguetes, bombas e baterias. Na festança, os devotos bebiam pinga queimada com açúcar e gengibre, em canequinhas de folha que passavam de mão em mão. Quando chegava a meia noite, São João era descido do mastro e carregado num andor até à rua do Porto, em procissão. Um dos devotos tirava a imagem do andor e “dava-lhe banho” no rio, aplaudido por todos os demais que, dentro d´água, iam tomando a imagem para beijá-la. E fazer o caminho de volta.

E, nas festas juninas – de São João e Santo Antônio e São Pedro – a venda de Affonso Pecorari se tornava lugar de atração. O povo da cidade corria para a zona rural, para as fazendas, onde os grandes proprietários promoviam festanças sem fim. Viajava-se muito de trole, mas quem não podia ir ficava pelos bairros onde a festança era mais popular.

O Largo Santa Cruz, um deles. E a rua do Porto, a mais procurada, lá pelos lados da casa de Nhô Belisário, cuja família vivia de pesca e de fazer tarrafas e redes. Nhô Belisário era cocheiro, também. E, nas festanças de junho, já ia preparando a ronqueira na beira do rio. O que é ronqueira, meu senhor do Século XXI? Pois vou contar: era uma tora pesada de madeira que ficava meio enterrada na terra, como se fosse um velho canhão a ser carregado pela boca. Nela, colocava-se um pedaço de cano de uns dois centímetros de diâmetro por uns trinta de comprimento, tendo um furo na culatra através do qual podia se ver a pólvora. Pelo furo, colocava-se a chama que fazia disparar a ronqueira.

Portanto, Nhô Belisário deixava a ronqueira pronta. Antes da festança, porém, havia oração. Na sala da casa, a mulher de Nhô Belisário deixava pronto o altar, as pessoas iam entoando as rezas. Mas, quando chegava a hora da “Salve Rainha”, Nhô Belisário ficava atento e mal ouvindo as primeiras palavras – “Salve Rainha, cheia de graça.” – já gritava para o genro, que ficava próximo da ronqueira: “Bota fogo nela, Pai Chico!” E Pai Chico, com tição em brasa, botava fogo e a ronqueira causava estrondos que se ouviam até lá nos Marins, nos sítios dos Godoys e de Nhô Manduca Duarte, onde a festança também era grande.

Dava gosto de se ver. Como acontecia na cidade mas mais bonito do que na cidade, a casa do Nhô Belisário ficava enfeitada com bandeirolas, a fogueira ardendo para assar batata doce e preparar churrasco. Erguia-se o mastro com as efígies dos três santos: Antônio, João e Pedro. Invocavam-se os santos com pedidos silenciosos: Antônio, para casar; João, para fantasias outras de amor, mais ardentes; Pedro, para atender o que parecia impossível. E, então, lá se iam os santos ser lavados na água do rio, que judiava das pessoas com o frio de junho. Lavava-se o santo mas se tomava cuidado para não olhar-se espelhado na água, pois se alguém se visse refletido na água do rio era certo que a morte chegaria.

A rua do Porto, então, via o dia amanhecer. O quentão animava as gentes e Nhô Belisário marcava a quadrilha, enquanto Bepe, o italiano, tocava sanfona sem parar. Quando o dia raiava, a rua do Porto silenciava e os foliões retornavam às suas casas, encontrando outros que haviam “festado” nas ruas de Piracicaba, em junho de 1900.

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