Piracicaba: um Rio de Assombrações (2)

Inhala-Seca

A Inhala Seca é a matriarca das assombrações piracicabanas. Ela percorre períodos históricos diferentes, transita por lugares e acontecimentos que ajudam a entender a formação da Cidade.

Também se observa o julgo do Povo Preto oprimido ao indicar que a Inhala Seca era uma ‘Sinhá’ que era cruel com seus escravizados.

E, aqui, o primeiro ponto.

Os leitores perceberão que as histórias de assombrações – além de traduzirem sentimentos, conceitos, preconceitos e diagnósticos importantes das comunidades – também trazem defesas.

Claro que a ótica sobrenatural da história da Inhala é sensacional. Aliás, a Inhala é uma versão – quase única – feminina do Corpo Seco.

Mas as motivações para sua concepção como arquétipo amaldiçoado são muito ligadas ao seu comportamento social. E amaldiçoar algozes é uma estratégia de defesa.

Segundo relatos, possivelmente, a Inhala era uma mulher de posses e, muito provavelmente, possuidora de escravizados e escravizadas. Nesta esteira, a maldição se converge ao fato dela ter sido cruel com estes seres humanos. Cabiam pouquíssimas opções para escravizados se defenderem das maldades e abusos praticados de Patrões e Sinhás.

Aliás, há quem diga que “Inhala” vem de Sinhá.

Não é difícil se convencer de que uma pessoa que cultivou em vida muita maldade, leve para eternidade todo este acervo maldito.

Bom… Tão importante para o nosso diagnóstico da história é ela própria. Portanto, aí vão alguns relatos sobre a “causo” da Inhala Seca.

A história

Não se sabe exatamente a razão, uma mulher da sociedade, depois de sete anos enterrada foi exumada. Contudo, e para o espanto geral, seu corpo não estava decomposto.

A cabeleira não havia perdido um fio e a boca entreaberta exibia todos os seus dentes cerrados.

A única diferença percebida pelos coveiros que fizeram a exumação, foi no tamanho das unhas. Pareciam maiores e mais semelhantes às garras de algum animal.

Dizem que, em um primeiro momento a mulher foi considerada uma Santa e, para seu culto, ergueu-se uma Capela no antigo cemitério onde, atualmente, se encontra a Escola Moraes Barros.

Depois de cinco anos da primeira, foi feita uma segunda exumação. E, pasmem, os restos mortais da mulher estavam intactos. Enquanto preparavam o terceiro sepultamento, deixaram-na recostada numa mureta do cemitério. Mas ela fugiu para o mato. Depois do sumiço, o povo que venerava a mulher, passou a temê-la.

A história da mulher maldita ganhou outro vulto, quando um homem que trabalhava perto do morro do enxofre a viu escorada em um tronco de figueira. Com seus olhos turvos e amarelos, ela fitou-o. O homem correu pelas picadas do morro, enquanto a história da Inhala Seca correu as casas de toda vila.

Outro relato é de um tropeiro que se deparou com a criatura numa estrada deserta. Desta vez, o contato foi mais próximo, havendo até uma negociação entre os dois. A danada propôs ao homem que lhe desse carona em seu cavalo. Em contrapartida, entregaria uma parte de seu tesouro.

O homem não aceitou a proposta e recebeu, em troca, um grito infernal que iria ecoar ao longo das décadas pelas matas piracicabanas, especialmente entre a ponte do mirante e o Morro do Enxofre.

Outras testemunhas afirmam terem visto a Inhala assando bichos vivos. Diziam, ainda, que os gritos dos pobres animais se confundiam com suas risadas infernais.

Contam que seu olhar tem o poder de enlouquecer os vivos e também causava dores lancinantes no corpo.

Também há relatos que, se a Inhala não ferisse suas vítimas com o olhar amarelado, ateava pedra nelas, sempre aos berros.

Frequentemente, ela era flagrada vestindo folhas secas e seus membros expostos – que eram só pele e osso, lembrando galhos esturricados. Essa aparência a ajudava a se esconder, não sendo percebida ao se aproximar.

Seu ouvido de tuberculosa também permitia que a criatura ouvisse de muito longe.

A Inhala ainda conta como aliado… o vento, que a acompanha e esconde o som de seus passos, não permitindo que suas vítimas escutem o sorrateiro ataque.

Era assim que tinha sucesso ao se posicionar para atacar as moças que trabalhavam na região fabril perto da ponte da Sorocabana. A Passagem era opção mais próxima para as trabalhadoras, que faziam a travessia em grupo, na inútil tentativa de somarem suas coragens para enfrentarem a poderosa criatura. Mas no primeiro urro da Inhala a coragem virava correria, desespero… e mais um capítulo da matriarca das histórias de medo de Piracicaba.

Veja, no link abaixo, o episódio da história da Inhala Seca, especialmente editado para o “Especial Cidades e Medos” – Piracicaba: Um Rio de Assombrações.

https://www.youtube.com/watch?v=eKL7x8ABzQ4&t=403s

(continua)

*Thiago de Souza é advogado, compositor, roteirista e muito curioso. O projeto “O que te assombra?” está disponível nas redes sociais – YouTube, Instagram, Spotify e Facebook. Procure por: @oqueteassombra ; e encontre: Piracicaba – Um Rio de Assombrações.

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