Gente nossa, mulheres brilhantes, nas lembranças de Cidinha Mahle

Ao final de 2003, Maria Aparecida (Cidinha) Mahle, fundadora da Escola de Música de Piracicaba, causou grata surpresa aos que participaram de um debate sobrfe a memória piracicabana, no Centgro Cultural Martha Watts. Como riqueza de detalhes, com que recuperou parte da vida de muitas mulheres que construíram a arte e a cultura piracicabanas. O texto abaixo é de sua autoria, assim como as fotos sintetizam parte do depoimento por ela dado naquela instituição.

“… Celina Barbosa de Oliveira foi pioneira nos cursos de inglês, desta cidade. Hoje, quando em cada canto há uma escola dessa natureza, que Miss Celina, como mestra competente, dedicada, formadora de inúmeros bons alunos e cujo ensino valorizava não somente a conversação, mas a leitura e interpretação de textos, a gramática, é uma figura que não pode ser esquecida. Miss Celina dava aulas das 7 da manhã às 9 da noite, com regularidade e pontualidade britânicas e além disso muito prestigiou, com sua presença e incentivo, as atividades culturais da cidade.

Falando em ballet é impossível deixar de mencionar o nome de Íris Ast e das pessoas que se esforçaram a fim de que esse curso fosse em frente. Íris não foi a primeira professora de ballet da cidade. O primeiro curso que aqui funcionou, em 1943 tinha como local de aulas o pátio do Museu Prudente de Moraes e uma robusta mestra alemã, Frau Liesel, é que lecionava. Só que esse curso durou pouco tempo e Íris, mais tarde, com toda sua competência e gênio talvez um tanto difícil, foi aquela que realmente formou as bases do ensino de ballet, entre nós. Ela dava aulas para cerca de 80,90 alunas, distribuídas em várias turmas, quase todos os dias da semana. Fazia coreografias, desenhava ela mesma as fantasias (em aquarelas…), brigava com as pianistas (aos 16 anos comecei a tocar para ela), pois naquela época as aulas eram sempre com piano e os festivais, realizados no teatro Santo Estevão e depois na Sociedade Italiana. Senhoras como Aneliese Brieger, Livica Meirelles, Wanda Carneiro, Anita Losso, Carmo Portela, Dirce Camargo se dedicavam com muito carinho, colaborando para o êxito do curso e também na montagem dos festivais que, com a espantosa criatividade de Iris, eram realmente grandiosos e memoráveis.

Uma pessoa de destaque pelo apoio dado ao curso de ballet e que podemos agradecer também por seu grande coração, é Dulce Dedini. Íris faleceu em 1965, com leucemia. Dulce não somente providenciou a ida dessa professora para São Paulo, para o Hospital do Câncer, como depois compareceu e tomou providências para seu funeral, pois sendo ela estrangeira (estoniana) e muito mal casada com um seu compatriota, não tinha familiares nem amigos para acompanha-la à sua última morada. Falando ainda sobre o trabalho dessa extraordinária professora devo dizer (e que me perdoem as atuais professoras e academias) que o nível dos festivais de ballet na cidade nunca mais atingiu o nível daquilo que Íris realizou, por ter sido ela mesma uma notável artista, com conhecimentos profundos, não só de ballet, mas de música.

Os destaques do piano

As mais famosas professoras de piano em Piracicaba em 1938, 1939 e nos 20 anos seguintes eram Dirce de Almeida Camargo e Chiquita Arruda. Conheci pouco esta última, mas sei que era bastante dedicada e lecionou para crianças e jovens bastantes talentosos, inclusive para o futuro grande pianista Homero Magalhães. Quanto à Dirce, foi minha querida mestra, com a qual comecei a estudar aos seis anos de idade.

Foi aluna de Fabiano Lozano, Souza Lima, Antonieta Rudge, Magda Tagliaferro. Tinha uma sólida formação musical e, acima de tudo, ela nos ensinou a ter “honestidade artística”, insistindo em que não procurássemos disfarçar nossos defeitos ou falta de estudo embaralhando tudo com o pedal e, acima disso, não nos deixando iludir pensando que só porque o público aplaude, tudo vai bem; jamais querer enganar a platéia ou a si próprio, o que é muito pior… (Foto: Em 1953, Dona Iris Ast, com alunas do balé: ao seu lado, Marisa Trench de Oliveira, atual diretora da Secção de Música da UNESP, e Márcia Ferrari. As outras meninas pertenciam as famílias Morganti, Campanhã, Oliveira.) Dirce foi uma das fundadoras da EMP, em 1953, e sem seu prestigio e competência , provavelmente a instituição não teria vencido seus primeiros anos de vida.

Primeiro desfile de modas

Professora interessante, cheia de vivacidade e energia foi Laudelina Cotrim de Castro. Para organizar uma festa escolar, fazer a coreografia de um bailado, podiam contar sempre com seus préstimos e qualidades. Creio, também, que o primeiro desfile de modas que Piracicaba presenciou foi organizado por ela, em 1946, no Teatro Santo Estevão. Tinha o mesmo a finalidade de colaborar com os formandos do ginásio, daquele ano, do Sud Mennucci; a renda era para pagar as despesas com a festa. Nenhuma casa de modas patrocinava o evento e desfilávamos com os vestidos confeccionados por nossas próprias costureiras.

Também não havíamos feito nenhum treinamento especial; apenas quem gostava e “levava jeito” participava. Isso Laudelina resolvia… E para desfilarmos havia “música ao vivo”. O evento, seguido de uma brincadeira dançante, foi um sucesso. Também uma pessoa que desenvolveu, com grande dedicação, dois trabalhos ao mesmo tempo, foi Santa Morato. Tinha um impecável serviço de buffet – os casamentos mais notáveis da cidade ficavam sempre sob sua responsabilidade. E mais: como organista durante muitos anos na Igreja dos Frades, tocava não somente nas festividades do templo como ainda nos casamentos, para os quais havia feito seus excepcionais e artísticos doces e salgados. Possuía ainda um talento especial para descobrir boas vozes, ensaiava bastante e ficava feliz em realizar boas apresentações, especialmente na Semana Santa.

Francês parisiense

Maria Olívia Meirelles (Livica), uma das fundadoras da EMP, foi também pioneira no ensino do francês, na cidade. Dr. Nelson, seu marido, ocupou durante 25 anos o cargo de presidente da Sociedade de Cultura Artística de Piracicaba, mas quem secretariava e escrevia toda a correspondência da entidade era Livica. Durante um bom tempo – 1948 a 1955 – havia um contato muito bom entre a Cultura Artística e a Embaixada da França e pianistas, violoncelistas, violinistas se apresentavam na cidade sob os auspícios do governo francês. Quem os recepcionava? Livica, cujo francês era considerado “de uma perfeita parisiense”, tão grande sua fluência e boa pronúncia.

Wanda Carneiro, que tivemos o prazer de ver e ouvir por ocasião do 50º aniversário da EMP e que foi também uma das fundadoras da entidade, muito colaborou com as atividades artísticas de Piracicaba. (Foto: Audição de alunas de Dona Dirce Rodrigues de Almeida, no Clube Cristóvão Colombo, em 1944. Na Segunda fila, a primeira, da direita para esquerda, é Maria Apparecida Romera Pinto, hoje Maria Apparecida Mahle.Na primeira fila, da esquerda para a direita, a primeira é Ana Maria Meirelles de Mattos.) Escritora, oradora, professora, foi também pioneira no ensino da arte da oratória. Seu curso de declamação e califasia, na EMP, atraiu numerosos alunos, que demonstravam ótimo aproveitamento e participavamde várias apresentações, com grande agrado por parte do público.

No ensino da língua alemã, a verdadeira “embaixatriz” de sua pátria, aqui em Piracicaba, foi Brigitte Folz que, durante 40 anos, lecionou para numerosos alunos, todos desejosos de aprender, viajar, fazer cursos na Alemanha, saber sobre a cultura alemã, o modo de vida do povo, seus hábitos e costumes. Foi ainda assídua freqüentadora de concertos e exposições.

Outras pessoas devem ter conhecido extraordinárias mulheres que prestaram serviços a Piracicaba. Quanto a mim, escrevi de forma especial sobre aquelas com as quais tive maior contato e que realmente me impressionaram, desde minha infância,juventude, até os dias de hoje.”

(17:13 3/9/2007)

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