Nos tempos de Fabiano Lozzano e outros gênios

FabianoLozanoLembranças

Os dez – ou doze – de Lozzano

Editora da maioria dos textos publicados por seu pai, Pasqual Guerrini, Ercilia Guerrini Ferraz, a mais velha de suas filhas, também se manifestou a respeito das lembranças da cidade, em artigo publicado em 1986 no Jornal de Piracicaba. Foi casada com Antonio Ferraz, um dos intelectuais da cidade ao início do século e, mais tarde, viveu grande parte da efervescência cultural do período, já em São Paulo, ao lado da irmã Adelaide, casada com um dos filhos de Oswald de Andrade, Nonê.

…. “Em Piracicaba, no tempo de Fabiano Lozzano, todo mundo conhecia todo mundo e a gente, fechando os olhos, podia ‘ver’ cada casa de cada rua e seus habitantes. Cidade interiorana bonita, diferentes das demais: possuía uma Escola Agrícola de muitas glórias; se diava uma das sete Escolas Normais do Estado e tinha também, o que não perdôo lhe foi roubado, o soberbo rio e frondoso jardim com sonoro repuxo… As professoras diplomadas e as estudantes, futuras professorinhas – havia sempre uma, ou diversas, em cada família, eram estimadas por todos, e seus casos amorosos – casos de antigamente, quero dizer, de afeição ingênua – sabidos, olhados e acompanhados com grande simpatia. Eu namorava Tonico.

Estávamos na época em que a Normal fervilhava (é quase esse o termo) com aulas de mestres ilustres, mais os métodos de Lourencinho* e o Orpheon de Fabiano Lozzano. Um luxo!

No ano do centenário (1922), Tonico fazia parte de uma pequena turma de professorandos – 7 apenas – que, por isso mesmo foi muito solicitado por Lourenço Filho: fez os moços visitarem os capuchinhos e a biblioteca dos frades, para que pudessem discutir, com mais propriedade, “determinismo”, “livre arbítrio”, e outras prosopopéias: induziu-os a freqüentarem a casa do nosso professor de Português, Joaquim da Silva Santos, o papa do positivismo na cidade, com o fim de conhecerem a doutrina e ampliarem sua cultura. Nos os chamávamos os “7 sábios da Grécia”. Mais tarde se tornaram: Marcelino Ritter, jornalista brilhante com figura de relevância na redação de “O Estado de São Paulo”; Chico Mendes e Otavinho Martins de Toledo, médicos eminentes na capital; Joaquim de Oliveira Gusmão e Bento Lordello, educadores abalizados; Adolfo Campos Gonçalves, universitário destacado em Geografia e Estatística; Antonio Osvaldo Ferraz, o crítico de arte. Um grupo de respeito. Pudera! A “base” tinha sido aquela: Thales de Andrade, José de Assis Veloso, Carlos Martins Sodero, Silveira Santos, Lourenço Filho, Joaquim de Matos, Hélio Penteado, Fabiano Lozzano…cada qual marcando mais os alunos com sua sabedoria e caráter…

partituraEm 1924, Tonico também brilhava no futebol. Goleiro, digo goalkeaper do XV (ai XV dos meus pecados!), Tonico era o dodói da cidade. E era meu namorado. Numa tarde fatídica, jogando contra um clube de Rio Claro, ao defender uma bola rasteira, teve um cotovelo esmigalhado por chute violento do infeliz adversário…

… Os médicos da terra fizeram o possível, mas não se conhecia a penicilina, a Santa Casa era pobre, o caso se complicava e Tonico partiu para São Paulo, atrás das cirurgias necessárias.

Eu fui menina cantora de igreja, componente do Orpheon, bom ouvido, boa acuidade sonora, com fumaças de matemática (ara o metro, o ritmo) e graças à escola do maestro, com facilidade para o solfejo. Sempre tirei a nota máxima com seu Fabiano (era 12!) Tinha faltado a algumas aulas, mas naquele dia era impossível – dia de sabatina – ou comparecia ou levava zero. De manhã, de minha casa, havíamos telefonado para o Hospital e a resposta fora: nada a dizer, o paciente se encontra na mesa de operação…. Corriam boatos insistentes a meia voz: vão cortar o braço do Tonico, já amputaram o braço do Tonico.

Segui para a escola chorando. À hora certa, entramos no anfiteatro para a sabatina de música. Quando chegou minha vez, fui à frente solfejar o exercício que o maestro estendia. Mas… como cantar? Dizia duas notas e lá vinham os soluços e as lágrimas. Depois de algumas tentativas, o professor olhou a classe e disse: “Estão vendo, ela não consegue; vocês a conhecem, peço licença para dar-lhe a nota de sempre”.

Assim ganhei de Lozzano a nota máxima, sem ter feito, no momento, nada por merecê-la. “É esse o Fabiano que trago no coração”.

 

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