Tipos Inesquecíveis (2)

Há alguns meses, entre os meus poucos guardados, encontrei quatro edições de um jornalzinho do Colégio Salesiano local – A Voz do Dom Bosco. Nele, podemos ler os nomes dos melhores alunos daquela época, anos 50, detalhes curiosos e depoimentos. Em um deles, o hoje médico Irineu Pacheco Bacchi respondendo a como gostaria que fossem as suas aulas, diz que desejaria que os professores dessem mais matéria e mais castigos, coisa impensável, atualmente, pelos papais e protetores de menores infratores. Antonio Carlos Cavalli, talvez o melhor aluno do colégio na época, dizia que, em matéria de esportes, sua classe esteve péssima e não ganhavam nem joguinho de ping-pong.

Mas, o mais interessante, mesmo, são as relações dos melhores alunos de cada classe e de cada série, através das quais conseguimos recordar de muitos deles, alguns já no total esquecimento. Lá estão, também, os nomes do Luiz Abrahão, Cecílio, Kronka, Coriolano, Zé Maria Ferreira, Beduschi, Bellucco, e até o meu, em terceiro lugar, depois do Francarlos Reis, na mesma classe, a segunda série ginasial B.

O Francarlos Reis era um bom colega, sempre falante, alegre e religioso. Bem, naquela época, quem não fosse religioso ficava, na marra, graças aos petelecos do padre Eduardo Afonso e à lavagem cerebral a que éramos submetidos. Eu cheguei até a ser coroinha, presidente do Pequeno Clero e hoje não sou mais nada, a não ser um católico eventual. O Francarlos era filho do Reizinho, fotógrafo, proprietário de uma loja na Governador e, finalmente, dono de um barzinho, na esquina do Sud. Francarlos tinha um irmão, José Almir Reis, que ficou poeta e colunista social, em Campinas, chegando a lançar um livro, em“O Pilão”, livraria do João Chiarini, ao som das músicas de Geraldo Vandré.

Certa manhã, estava na Igreja do Bom Jesus e o Francarlos sentou-se ao meu lado. Falou que não tinha o que fazer, ia assistir novamente à missa e já tinha comungado. Quando chegou a minha vez, ele saiu do banco, dizendo que estava com vontade de comungar de novo… e foi, para a minha surpresa. Fiquei assustado, porque naquele tempo só o padre comungava mais de uma vez, no mesmo dia. Não sei hoje as coisas mudaram.

Lembro-me de termos ido e até sua casa, na Rua Prudente de Morais, a fim de realizarmos um trabalho em grupo, relativo à matéria de português e termos sido recebidos, com muito carinho, pela sua mãe, dona Astéia.

Quando cheguei ao segundo científico, em 1958, as coisas estavam apertadas, economicamente, em minha casa, tive de sair do Dom Bosco e não mais nos vimos, até o dia em que ele veio participar, no início dos anos 70, para minha surpresa, da encenação do musical “Hair”, no Teatro São José. A peça era um escândalo, porque entre o primeiro e o segundo ato, todos os atores apareciam nus. Hoje, a peça poderia ser encenada em casas paroquiais, comparada com o que se vê, livremente, no BBB. A partir desse acontecimento, passei a seguir, por jornais e revistas, suas participações poucas em TV, mais em teatro, torcendo para que tivesse êxito, orgulhoso de ter sido seu colega de adolescência.

Nos dias atuais, quando faço minha caminhada à pé, até a cidade, ainda passo na frente da casa onde morou e me lembro do Francarlos. Pensei em fotografar a casa, enquanto ela ainda está em pé, e mandar uma cópia a ele. Porém, conversando, há poucas semanas, com o Cecílio, ele me contou que esteve jantando com o Francarlos, em São Paulo e ele disse nem querer mais se lembrar de Piracicaba. Não é o primeiro que leva amargura da cidade. O que seria?

Bem, o que me faz escrever estas mal traçadas linhas é o motivo do falecimento do Francarlos Reis, mais uma pessoa, que passou pela minha vida, que se vai e que não deixou de ser o meu e o nosso amigo inesquecível.

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