Tipos inesquecíveis: Maria Cecília BonachellaUma estrela na Poesia

Marisa Bueloni homenageia Maria Cecília Bonachella, mais um tipo inesquecível. O texto foi escrito em 2007, logo após a partida da poeta.

Escrevo com carinho para a nossa amiga querida, Maria CecíliaAcervo da família Bonachella. Escrevo para saudar esta estrela que a poesia agora acolhe em outro plano. Escrevo para aquela que, certamente, está junto dos santos e dos anjos, na morada eterna que o Pai lhe reservou.

Eu estava viajando, quando o estado de Maria Cecília se agravou. Antes de viajar, falei com familiares dela, com amigos chegados, quando ela já estava internada, inspirando muitos cuidados. Fui com o pensamento em Maria Cecília e rezei por ela. Sua imagem doce e meiga me acompanhava o tempo todo. Não havia como desviar o pensamento. Tudo me fazia lembrar dela. E lá, na cidadezinha de praia parada no tempo, assisti à santa missa em sua intenção.

Foi lá, à beira-mar, que a poesia encheu meu coração de graves pressentimentos. Olhando a vastidão do mar, um suspiro de saudade e de incerteza tomava conta de tudo; as pipas coloridas no ar me faziam lembrar do livro recém lido, “O caçador de pipas”, e o céu se tornava uma pesada inquietação.

Somente quando retornei, tomei conhecimento da sua partida. Maria Cecília partiu, talvez tão mansamente quanto viveu. Quem sabe, se escrevendo em pensamento um último poema, para celebrar a vida que ela tanto amava. Se alguém soube cultivar o amor de Deus, amando as pessoas, esse alguém foi Maria Cecília, amiga dos amigos, poeta de primeiro time, estudiosa, empenhada, talentosa nas letras.

Penso que Maria Cecília passou por esta vida suave como uma pomba, quieta e mansa, sofreu e chorou em silêncio e fez deste espaço que guardava consigo uma constelação de poemas e rimas. Às vezes, era possível captar perfeitamente alguns versos de Cecília. Eles soavam misteriosos, profundos, podia-se enxergar, no cerne deles, a alma da poetisa apaixonada pela vida e por tudo o que a cercava. O seu sofrimento, a sua solidão, a sua ânsia de descobrir as profundezas infinitas de Deus, para onde iria carregada de poemas, como chegar com eles, ou de como escapar deles, que constituíam também parte da sua ansiedade.

Cecília sofria o sofrimento próprio dos poetas. Todo poeta sofre. Ou finge que sofre, para fingir a dor que deveras sente, diz um poema ilustre. E eu podia compreender este seu “sofrimento” diante da vida, porque também “sofri” com ela, nas nossas conversas maravilhosas, quando ela se derramava e revelava a sua delicada essência de mulher, de pessoa, de amiga e irmã em Cristo.

Maria Cecília era também, além da amiga querida, uma irmã de caminhada na fé. Juntas, participamos de missas, grupos de oração, de tardes rezando o terço, louvando a Deus e nos unindo na mais profunda manifestação de fé, esperança e caridade. Cecília não perdia missa por nada. E eu sabia do quanto ela orava, do quanto rezava por todos nós, que pedíamos por suas preces. “Cecília, reze por mim”, era meu pedido constante. E ela respondia: “Vocês estão todos nas minhas orações”.

Foi Maria Cecília quem me emprestou os primeiros livros de Vassula Ryden, a mensageira de Jesus. Cecília, assim como eu, tinha devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e compôs um lindo poema, que se tornaria uma espécie de oração oficial, numa missa celebrada por frei Longarez, outro apaixonado do Coração de Jesus e da “igreja do Coração”, como ele costuma dizer.

Maria Cecília era toda coração. Coração era tudo o que não lhe faltava. Foi também o coração que a levou a um grande sofrimento, superado pela sua força, sua digna postura diante dos poemas que a vida se encarrega de escrever, a nossa revelia. A vida vem e nos mostra versos, nem sempre do nosso gosto. Nós os lemos, levemente contrariados, mas cheios de esperança sobre o que podemos fazer com eles.

Costumava encontrar Maria Cecília na missa do Carmelo, aos sábados à tarde. Sua figura frágil adentrava a igreja e então tudo em volta dela se iluminava, como se a poesia ali viesse para conversar com Deus. Nas últimas vezes que a vi me preocupei. Estranhava a sua aparente fragilidade e quando nos falávamos ao telefone, ela me garantia estar bem, muito bem. Que ninguém se preocupasse, ela estava bem sim.

Ninguém jamais duvidou que ela estivesse bem. Ela sempre estava bem, os cabelos louros suaves, a fisionomia serena, o sorriso meigo, os gestos delicados. Cecília era a delicadeza em pessoa, a voz bonita, o português sempre perfeito, mesmo na mais informal das conversas. Sim, ela estava bem e, agora, está melhor do que nunca.

Nós não podemos entender este grande mistério, a passagem desta vida para uma outra, mas o acolhemos cheios de amor e de fé. Temos a esperança da ressurreição, a reunião final de todos os irmãos em Cristo; esperança no alvorecer do Reino Eucarístico do Coração de Jesus, que virá juntamente com Triunfo do Imaculado Coração de Maria. Estes Corações que Maria Cecília tanto amou e que nos unem na oração, no silêncio e na imensa saudade!…

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Marisa F. Bueloni é formada em pedagogia e orientação educacional ([email protected])

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