Tipos inesquecíveis: Waldemar Iglésias Fernandes

Neste depoimento, Marisa Bueloni lembra do escritor WALDEMAR IGLÉSIAS FERNANDES, piracicabano falecido em 1998.

O texto foi publicado no Jornal de Piracicaba, em 30 de abril de 1998, logo após o falecimento de Waldemar.

Adeus, Waldemar!…

Quem teve a honra e o privilégio de conhecer Waldemar Iglésias Fernandes sabe que conheceu alguém muito especial. Piracicabano de nascimento, Waldemar viveu os últimos anos de sua vida na cidade de Sorocaba, que o acolheu como a um filho. Lá, Waldemar encontrou amigos sinceros e, sobretudo, desfrutou de muito prestígio entre os intelectuais, jornalistas e escritores sorocabanos.

Waldemar Iglésias Fernandes é um nome muito importante na literatura, na história do folclore, nas modas e costumes de um tempo que ele cultuava com extrema paixão. Há muitos anos, o SESC de Piracicaba promoveu, pela iniciativa do saudoso João Chiarini, uma semana dedicada ao “falar caipira” e Waldemar esteve entre nós para uma brilhante palestra, da qual jamais me esquecerei.

Aplaudidíssimo no final de sua apresentação, ainda teve a humildade de vir me perguntar: “Marisa, por favor, como é que eu me saí?”. Nem era preciso responder. Fora uma das melhores palestras daquela semana.

A partir daquela data, Waldemar e eu tornamo-nos grandes amigos e nossa correspondência o atestava. Oh, as cartas do Waldemar!… Ali, a doçura podia ser vivida com toda a sua imensa graça e sabor! Escritor inspirado, tinha o dom de registrar os fatos de antanho com uma precisão histórica. De humor finíssimo e “tiradas” colossais, Waldemar sabia manejar a prosa como poucos. No final de 97, internado para exames num hospital de Niterói, classificou-se em 1º lugar no concurso promovido entre os pacientes, com o tema “O Natal da minha infância”.

Escritor, folclorista, cronista, contista, bibliotecário, apaixonado por livros e por cinema, Waldemar chegou a participar de um filme rodado nas imediações de Sorocaba, onde era protagonista o ator Paulo Betti. Mas, sua simplicidade e humildade não o deixavam alardear os seus feitos e suas incontáveis publicações em jornais, revistas e suplementos literários. Sua grande paixão foram os livros. Waldemar sequer possuía televisão em casa.

De sua viagem a Cuba, brotaram as mais belas crônicas, celebrando aspectos culturais, históricos e turísticos da ilha de Fidel. Algumas delas chegaram mesmo a ser publicadas no “Jornal de Piracicaba”. A reunião de crônicas deveria resultar num livro promovido pela Embaixada de Cuba. Nos últimos meses de sua vida, Waldemar estava em permanente contato com o consulado cubano, acertando detalhes do livro.

Seu sonho não poderia ser outro: viajar novamente para Cuba, país que lhe despertara um amor imenso no coração. Era só pedir a Waldemar que nos contasse algo sobre a inesquecível viagem e sua memória prodigiosa nos brindava com cartas magníficas.

Outra de suas belas recordações era a visita que havia, certa vez, feito à escritora Clarice Lispector, no Rio. Fã ardoroso de Clarice, decidiu conhecê-la pessoalmente. Na maior simplicidade, com o endereço da escritora em mãos, Waldemar foi ao prédio onde ela residia, apertou a campainha do apartamento e a própria o atendeu. Ele declarou ali, na porta, a sua admiração, sendo convidado a entrar.

Conversaram sobre literatura e, principalmente, a respeito da obra de Clarice, da qual Waldemar era um profundo conhecedor. Conta Waldemar que, na despedida, ele desmanchava-se em agradecimentos, dizendo: “Ninguém vai acreditar, lá na minha terra, quando eu contar que estive aqui e a conheci pessoalmente, dona Clarice! Que honra para mim!”. Clarice teria dito: “A honra é minha, em tê-lo conhecido, sr. Waldemar”.

Bem podemos imaginar o deslumbramento de Waldemar frente àquele monumento literário que é Clarice Lispector, sua figura enigmática, forte e ao mesmo tempo frágil. A morte da escritora fez-nos sofrer a todos e a Waldemar causou um sofrimento ainda maior. O amor de Waldemar por Clarice era algo de sublime.

Ah, Waldemar!… Finalmente, você repousa em solo piracicabano!… O que é a vida!… Agora, você partiu e não terei mais as suas cartas recheadas de causos, piadinhas inocentes e aquela tentativa de escrever cartas em espanhol. Eu achava que seria uma homenagem à sua próxima viagem a Cuba e que, provavelmente, você bem apreciaria treinar um pouco…

Cuba ficou na saudade. Você não teve tempo de voltar. Mas o mar e as praias, os bares, as ruas, a beleza e a história de Cuba guardarão para sempre a memória de um homem que os visitou um dia, e deixou lá seu coração.

Asi, no tengo palavras! Adiós, Waldemar!…Adiós, querido amigo! Adiós!…

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(Piracicaba, 30 de abril de 1998)

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