A Piracicaba de Walter Accorsi

walter accorsiNuma das últimas entrevistas dada à imprensa, com uma memória e lucidez privilegiadas para seus então quase 90 anos, o professor emérito da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Walter Radamés Accorsi, considerou a “sua Piracicaba preferida” aquela da década de 20, no século passado.

Accorsi chegou a Piracicaba em 1928, para estudar Agronomia. “Naquele tempo, Piracicaba era muito romântica. As famílias, após o jantar, costumavam sentar-se às portas das casas para conversarem. A cidade era limitada pela Rua do Porto, Vila Rezende, Paulista, o Cemitério da Saudade, a Escola Agrícola e a Avenida Independência. Depois desses limites, havia apenas fazendas e chácaras. O transporte era feito através de bondes e coches puxados por cavalos. Os bondes tinham como ponto inicial a Praça da Igreja Santo Antônio (hoje Catedral). Nós tomávamos o bonde para a Escola Agrícola, Paulista e Vila Rezende. O trajeto até a Escola levava 40 minutos. Era uma beleza o bonde, tranqüilo, sem barulho”, relembra Accorsi.

“Como o número de alunos era muito grande, além do bonde principal, havia um complemento engatado que se chamava ‘Cara Dura’ (apenas para a linha da Esalq) e o itinerário era o seguinte: descia-se a rua XV de Novembro , atravessava- se o Itapeva (córrego Itapeva, canalizado pelo prefeito Luciano Guidotti, sobre o qual atualmente se encontra a Av. Armando de Salles Oliveira) até a rua José Pinto de Almeida, (na esquina da XV com a José Pinto de Almeida ficava a Santa Casa) onde virava-se a esquerda até a rua Marechal Deodoro, depois entrava-se na avenida São João e chegava-se até a Escola”, lembra o professor.

“A ‘estudantada’ superlotava o bonde e o ‘Cara Dura’, mas como gostavam muito de brincar faziam um tal de ‘balancê’. Balançavam o bonde de um lado para o outro até tirá-lo dos trilhos. Quando isso acontecia o socorro era chamado para colocar o bonde de volta aos trilhos e perdia-se uma aula. Os professores ficavam loucos da vida, pois todos tinham hora para entrar. Muitas vezes eles faziam o ‘balancê’ em frente a Escola, para aplacar a ira dos professores” relembra.

“Naquele tempo todos brincavam nos bondes. Uma vez eu não sei o que aconteceu colocaram fogo em um dos bondes dentro da Escola, mas os funcionários o levaram para fora evitando, assim, um maior comprometimento da Escola Agrícola com este ato”, complementa Accorsi.

Ele relata, ainda, que alunos, funcionários e professores obrigatoriamente usavam paletó e gravata, e o relacionamento entre todos era muito respeitoso. “Nós nos divertíamos nos finais de semana com as brincadeiras dançantes que aconteciam nas casas de famílias, jogos de futebol, idas ao Clube Coronel Barbosa e as serenatas. Eram poucas as repúblicas nesta época. Os estudantes, em sua maioria, utilizavam-se de pensões. Piracicaba tinha apenas dois automóveis, um da Família Rigatto e outro do Terêncio Galesi. Atrás do Teatro Santo Estevão, na praça José Bonifácio, havia um ponto para os coches e também um bebedouro para os cavalos. No restaurante do Giocondo era servido um famoso ‘Bife a Cavalo’ (bife com ovos estalados e cebola) e, muitas vezes, nós nos deliciávamos com este prato”, sintetiza ele.

“Piracicaba era uma cidade de 20 mil habitantes, romântica, culta e tranqüila. A Atenas Paulista”, finaliza Accorsi.

Walter Radamés Accorsi nasceu em Taquaritinga em 9 de outubro de 1912. Foi casado com Judith Moretti Accorsi, com quem teve duas filhas: Valdith e Valterly. Tem dois netos e quatro bisnetos. Engenheiro agrônomo, formado pela ESALQ em 1933, professor catedrático de Botânica, professor emérito da USP, com 42 trabalhos publicados. Atuou como relator, palestrante, expositor e participante de mais de uma centena de congressos e seminários nacionais e internacionais. Atuou como membro examinador de 49 concursos na carreira universitária. Ministrou 34 cursos. Foi membro da Comissão de Práticas Alternativas de Saúde, membro curador da Fundação Brasileira de Plantas Medicinais etc.

Autoria: Rubens Fontão

Memorial de Piracicaba, 2002/2003, de Cecílio Elias Netto

1 comentário

  1. Maria Domitila Thomazi em 18/04/2013 às 11:16

    Mais um resgate da vida piracicabana que "A Província" tão bem sabe fazer. Tenho quase certeza que a maior parte dos leitores não conheciam essa estória e muito menos o poema. Parabéns aos editores!

Deixe uma resposta