A Ceia de Natal de sírios, alemães, japoneses…

O texto abaixo foi publicado em dezembro de 1987 no semanário impresso A Província.

ceia

Dezembro: mês quente pela entrada do verão e, ao mesmo tempo, cheio de lembranças e esperanças, que se acumulam num só dia, o Natal, quando as famílias cristãs, reunidas, comemoram o nascimento de Jesus Cristo, vão à missa e presenteiam-se. O costume é antigo alterando-se em alguns detalhes, todos os anos, para se acomodar à mudança ocorrida na sociedade, seja pelo alto custo de vida ou pelos novos padrões que são colocados numa comunidade.

Mas, como as famílias de origem estrangeira, que moram na província, vivem o Natal? Será que elas mantêm a tradição natalina de seus países? Talge Maluf diz que não. Fala que se lembra vagamente das festas de Natal que seu pai Jorge Assad Maluf fazia, quando era presidente da Sociedade Sírio-Libanesa, com ceia à meia-noite no dia 24. Seu pai nasceu na Síria e fazia questão que a mesa estivesse coberta de comidas, como galinha recheada com arroz e carne, carneiro assado, lombo de porco, maionese com pão preto e muitas outras, inclusive doces.

Dessa época Talge, que nasceu na província, tem apenas recordações. Hoje ela somente reúne a sua família para a ceia, que já “está abrasileirada” com um pouco de tudo. “Os filhos vão crescendo e eles começam a apreciar outros tipos de comida. Aí a gente faz para vê-los contentes”, explica.

José Elias Gilmar veio do Líbano, em 1961, com dois filhos. No início, seu Natal era a réplica do realizado em sua terra natal, principalmente as comidas, como quibe assado, cru e frito, charuto, abobrinha e berinjela recheada. Mas isso acabou. Ele explica que as famílias naturais da Síria e do Líbano fazem, hoje, um Natal mais fechado. “É tudo entre eles mesmo, com seus filhos, amigos e netos”.

É por isso que ele guarda com muitas saudades o Natal de sua juventude. “Na mesa, minha mãe colocava todo o tipo de comida, bebida e até cigarro”. Lá, acrescenta, “comíamos à vontade. Tinha vinho e até pinga”. E quando sobrava, lembra, a comida era distribuída entre os pobres.

José fala que seu Natal, no Brasil, foi-se misturando com a cultura brasileira, e se tornando mais pobre “porque a situação está difícil. O custo de vida atrapalha”. O que fica da tradição é a troca de presentes. “A gente não abre antes da meia-noite. Às vezes, faz uma exceção para as crianças, porque elas querem dormir cedo.”

Muitos detalhes 

A árvore de Natal é tradição alemã. Conta-se que a idéia veio de Lutero, o pai do protestantismo, depois de ver na floresta os pinheiros, iluminados pelo brilho das estrelas entre seus ramos. O Papai Noel, segundo a lenda, seria Nicolau, um jovem nascido no início da Era Cristã, na Ásia Menor e muito caridoso e afetuoso com as crianças.

Essa história é contada todos os anos aos netos de Anita Ramalho, natural da Alemanha, como uma forma de preservar a tradição de seu país, salientando às crianças que existe uma grande diferença entre o Natal da Alemanha e o do Brasil: o clima. “Na minha terra, o Natal é mais sentimental. Em todos os lugares que se vai, a gente encontra um enfeitependurado na janela. É uma época linda”. Aqui, continua, o clima atrapalha tudo. Com esse calor quem consegue fazer compras direito? Nem dá para ficar na cozinha por muito tempo.”

O que ela procura manter vivo na mente de seus filhos e netos são os detalhes na árvore de Natal, enfeitadas com pequenos papais noéis, o jantar servido à meia-noite — “parecido com o Brasil” — e os presentes embaixo da árvore. Mas, Anita fala que as crianças das famílias alemãs recebem um presente especial no dia 6 — todas ganham um presente em comemoração a São Nicolau. “Elas adoram”, frisa.

E para ganharem o presente, as crianças precisam colocar uma meia ou o sapato de feltro de Papai Noel ao lado da árvore de Natal.  “Até uns sete anos, elas acreditam no Papai Noel, depois participam, da festa, mas sabem que somos nós quem compramos os presentes.”

Para a ceia do Natal, Anita Ramalho passa a semana preparando os pratos. O que nunca falta é pato assado, coelho e carne de porco, principais pratos servidos na Alemanha. Porém, o clima no Brasil obrigou Anita a adaptar em sua ceia as saladas, pratos frios que balanceiam na hora do jantar.  “Tem que misturar um pouco porque aqui é muito calor. Na Alemanha, fazem-se pratos mais quentes, porque no Natal tem neve.”

Anita explica que, na província, há cerca de cinco famílias de origem alemã, mas que é impossível de reunir todas.  Às vezes, a gente se encontra, mas é muito difícil. Eu sou a alemã mais jovem que está morando aqui. Tenho 49 anos e procuro mostrar aos meus filhos como é a minha cultura, para ver se eles continuam. Com a minha tradição.”

Uma colônia unida 

Assim é a colônia dos japoneses que moram na província. Apesar dos japoneses não comemorarem o Natal, eles estão sempre juntos no final de ano. A religião da maioria dos japoneses é o budismo, mas no Japão o pequeno grupo cristão comemora o nascimento de Jesus Cristo com bolinho de arroz cozido — o muthy; ou o macarrão – Sabá; ou, então, o Cheki Han, arroz cozido com feijão.

A explicação é de Kazuo Miazaki, o Mario do Pastelão da Governador. Ele veio para o Brasil como imigrante, e hoje com 63 anos já se converteu à religião católica. Comemora o Natal com a família e os amigos e diz “Nós nos acostumamos com a vida daqui. Comemos leitoa, peru e peixe” (esse peixe pode ser cru, o shashimi). Ele arma a árvore de Natal e distribui presentes para os netos e filhos, como um verdadeiro brasileiro. “O Natal a gente comemora como vocês. Do mesmo jeito.”

Mario, como presidente da Colônia Japonesa da província, apesar de admitir a mistura de culturas, não se esquece da tradição de sua terra que é a reunião da família no ano novo. Este ano já está marcado o dia do encontro — 3 de janeiro, o primeiro domingo do ano. Comem muito arroz “porque é um alimento abençoado por Deus”, de preferência em forma de bolinho, “sem quinas”, para que os homens possam viver em paz e sem rancores.

Usam pinheiro para enfeitar a festa, “porque está sempre verde, bonito.” No Japão, a data é comemorada com roupas de baixo novas, assim como as toalhas de mesa e de banho. No Brasil, Mário fala, “a gente usa roupa de missa”. As comidas são praticamente o shashimi, o muthy, sabá, cheki Han e a bebida saquê. “Hiii, mas a turma nova não quer saber de saquê. Eles só provam, depois pedem o chope porque é mais gelado.”

Ele se sente chateado ao pensar que um dia a tradição de seu povo pode não ter continuidade na província. Por isso, insiste na realização da festa na colônia japonesa todos os anos, na esperança de que as crianças possam aprender sua cultura e transmiti-la por muitas gerações. “Gostaria de manter alguma tradição do meu povo, mas o pessoal não quer nem saber. Eu queria conhecer um japonês bom de pena para me ajudar nessa tarefa e escrever a tradição que existe na minha terra”.

Mesmo sem conhecer esse japonês “bom de pena”, Mario tenta ensinar às crianças, algumas frases em japonês, como por exemplo “Omedeto Gozaimas”-  “muitas felicidades”. Para ele, esta é uma forma de manter viva, pelo menos, a linguagem de seu povo.

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