Drogas: nem Amsterdã nem rota do vício, mas um problema nosso!

A reportagem abaixo foi publicada em agosto de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba. A matéria mostra a preocupação com as drogas na cidade e como o problema era tratado na época.

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A presente reportagem não é uma constatação de fatos, nem tem a pretensão de ser completa ou encerrar-se em si mesma. Pelo contrário, é um primeiro passo para que a questão das drogas e dos tóxicos, um fenômeno universal, comece a ser pensado e discutido em Piracicaba sem preconceitos, medos ou falsos moralismos. Estamos apenas diante de um problema com graves repercussões sociais que, no entanto, ora é superdimensionado, ora é minimizado.

Piracicaba não é, em nosso entender, a Amsterdã Paulista ou Brasileira, da mesma forma como não foi, no passado, a Atenas Paulista. São epítetos, nomes apenas. Da mesma forma como somos, hoje, cidade com problemas de drogas como outras cidades o têm, e não Amsterdã.

Há pouco mais de três anos, Piracicaba recebeu da Globo o cognome de Amsterdã Brasileira. Coincidentemente ou não o programa foi ao ar após a morte de uma jovem, pertencente a rica e influente família, que teria sido vítima de drogas. Como consequência da reportagem, foram mudados os titulares das delegacias seccional e local, os quais, graças a denúncias anônimas e mais trabalho investigativo, lavraram uma série de flagrantes de tráfico e consumo de entorpecentes. Esse trabalho, sem dúvida necessário, acabou por reforçar a imagem negativa da cidade, estigmatizada que fora pela televisão.

Os piracicabanos, acostumados com a relativa tranquilidade da cidade, de repente se viram envolvidos em apaixonante polêmica. De um lado os céticos, que debitavam tudo ao sensacionalismo barato da imprensa; de outro, os que achavam tudo normal nos dias atuais e,
ainda, os que falavam em se mudar para educar os filhos longe daqui, indignados e assustados.

Ainda hoje perdura a fama desairosa, apesar de os comentários serem menos frequentes e de menor intensidade. Recentemente,  Piracicaba, foi citada como possível rota de tráfico de entorpecentes.

A polícia desmente esses fatos e é unânime ao afirmar que a cidade tem os mesmos problemas de outras de mesmo porte. Segundo o Dr. Adilson Toniolo, delegado do município, os grandes problemas sociais, que Piracicaba enfrenta, advém do seu crescimento desordenado a partir de 1970, quando várias indústrias aqui se instalaram, ocasionando uma migração que não comportava. Muita gente veio à procura de emprego e as consequências foram desemprego, formação de favelas e aumento da criminalidade. “Piracicaba está pagando o preço do progresso”, completa o Dr. Adilson.

O delegado Roberto Giacon, responsável pelo SIG-Setor de Investigações Gerais, afirma desconhecer os fatos que qualificaram Piracicaba como Amsterdã. Apesar de estar trabalhando na cidade há somente dois meses e meio, acredita que as ocorrências de tráfico e porte de drogas são compatíveis com o número de habitantes. Sob seu comando foram apreendidos dez quilos de maconha, três quilos e duzentos gramas de cocaína e cem cartelas de preludim. Diz ele que o traficante, geralmente mais velho que o viciado, vive do comércio de drogas, mas não faz uso dela.

O tráfico é inafiançável

A lei considera crime afiançável o porte de pequena quantidade de tóxicos, enquanto o tráfico é inafiançável. A fiança varia de setecentos mil cruzados, delegado tem autoridade para enquadrar os que são pegos em flagrante, levando em conta as circunstâncias em que foi feita a apreensão, a quantidade e os antecedentes do envolvido. O exame toxicológico é feito no Instituto Médico Legal de Campinas, que expede o laudo, para ser encaminhado ao juiz, juntamente com o inquérito instaurado. Periodicamente, as drogas apreendidas são incineradas.

Rota? Só para compra e enxovais

Para o delegado seccional, Dr. Adolfo Magalhães Lopes, Piracicaba é cidade calma, onde vive um povo pacato e trabalhador, cujos índices de criminalidade são perfeitamente aceitáveis, considerando-se seu tamanho.

Há três anos e meio exercendo suas funções na seccional, o Dr. Adolfo afirma que o tráfico de entorpecentes está praticamente aniquilado na cidade. Em sua opinião, o traficante merece cadeia, porém o viciado, “esse é um doente, que precisa de tratamento, carinho e afago da família.”

Ao lhe perguntar sobre a rota de tráfico de drogas de que Piracicaba faria parte, respondeu com ironia: “Piracicaba é rota sim, não de tráfico de drogas, mas de pessoas que querem usufruir das águas medicinais de Águas de São Pedro e de noivas que compram seu enxoval em São Pedro.

Penas de lei

O juiz dc Direito da 2ª Vara Criminal e de Menores e Diretor do Fórum de Piracicaba, Dr. Octávio Helene Júnior, também não concorda com o epíteto Amsterdã Brasileira dado à cidade. Acredita, porém, que quem pode afirmar alguma coisa com mais segurança é a polícia,
por lidar diretamente com os casos.

O Dr. Helene preferiu restringir seus comentários aos aspectos legais, citando as penas previstas para os crimes de porte e tráfico de entorpecentes, que no primeiro caso variam de seis meses a dois anos de detenção e, no segundo, de três a quinze anos de reclusão. O menor de idade é inimputável, isto é, não há pena cominada para ele. Nesse caso, investigada a vida e antecedentes do menor, pode receber uma advertência ou ser encaminhado à Febem, dependendo da gravidade do delito, reincidências etc. O magistrado, depois de quatro anos e meio de atividades na justiça local, tem a mesma opinião dos delegados, ressaltando que os casos que passaram por suas mãos não diferem, quanto à intensidade e frequência, dos de outras cidades de mesmo porte.

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