Em 1987: o Patrimônio Histórico da cidade está ameaçado

O texto abaixo foi publicado em outubro de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

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“Falta tudo pro CODEPAC, ele foi apenas criado!” A afirmação é do arquiteto Dirceu Rother Junior, membro do CODEPAC – Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba, analisando a atuação do órgão. Segundo o arquiteto, o Conselho ainda não desenvolveu um trabalho efetivo em relação à questão da defesa do patrimônio da cidade, principalmente pela forma como foi estruturado.

Criado pela lei 2374, de 8 de novembro de 1979, 0 CODEPAC foi formado por 13 pessoas representando várias entidades de Piracicaba, pessoas que têm outras ações e que só poderiam dedicar ao Conselho uma pequena parte de seu tempo. “Eu não acredito na eficácia de um trabalho voluntário diz Dirceu Rother Junior — mas, no entanto foi essa a forma como foi colocada a atuação do Conselho”. Para o arquiteto, “a preservação da cidade deveria ser encarada de uma maneira mais séria, principalmente pela importância cultural que representa, e o CODEPAC deveria ser uma secretaria da Administração, com um orçamento próprio e contando com o trabalho de pessoas contratadas”.

Outro membro do CODEPAC, Eugênio Nardin, que representa a Diocese de Piracicaba, também questiona a atuação, mas não de maneira tão enfática. Para ele, “o CODEPAC vem fazendo um trabalho importante, mas não conta com a participação de todos seus membros”. Nardin diz que o órgão faz apenas uma reunião mensal, encontros que nem sempre contam com tomadas de posição definitivas, exatamente pela pouca participação.

Já o coordenador de Ação Cultural, Antonio Roberto Dihel, que é membro nato do CODEPAC pelo cargo que ocupa, afirma que, “apesar das dificuldades financeiras que atravessam, eles estão atentos à questão, mas não têm tempo suficiente e nem uma estrutura mais sólida, fazendo um trabalho na base da boa vontade”. Mesmo pertencendo ao Conselho, Dihel se refere a “eles” aos membros do CODEPAC, pois reconhece que sua participação fica mais em nível de apoio. Neste sentido, a Ação Cultural oferece uma sala para reuniões, material para correspondência e, como diz o coordenador, “dará um apoio mais substancial, solicitando uma verba para o pagamento de estagiários que farão pesquisas nos locais”.

POUCA ATUAÇÃO 

Na opinião de Dirceu Rother Junior, a estrutura tem que ser realmente reforçada, e fundamentar suas críticas sobre a atuação do órgão com base num fato matemático: “Em oito anos de fundação, o CODEPAC conseguiu o tombamento de apenas um imóvel, que foi o Mercado Municipal. Só esse dado — continua Rother — dá uma idéia do pouco trabalho que vem fazendo. Mesmo a preservação da Casa do Povoador foi uma iniciativa do CONDEPHAAT, em nível estadual, cabendo ao município apenas a utilização do prédio como centro cultural”

Por outro lado, Eugênio Nardin entende que “a Casa do Povoador pode ser considerada tombada pelo CODEPAC, pela atuação que teve na preservação”. E também afirma que “não há necessidade de um pedido de tombamento pelo município, quando o caso já está sendo estildado pelo CONDEPHAAT em nível estadual”.

Mas, para Dirceu Rother, a questão é mais complexa, cabendo um questionamento da atuação pelo  município.Afirmando que “o CODEPAC atualmente funciona como um pronto-socorro, entrando em atuação apenas quando o imóvel está prestes a se deteriorar”, o arquiteto acha que deveria ter um trabalho mais amplo. Para isso, ele entende que um passo importante seria “o inventário histórico de Piracicaba, em que membros do Conselho promovessem palestras com historiadores e antropólogos e realizassem visitas para levantar os ciclos históricos e os bens culturais da cidade”.

Outro passo importante, para ele, seria “um trabalho de conscientização com a população de Piracicaba para a importância da preservação com a descaracterização da cidade”. Outro aspecto importante ressaltado é o trabalho que poderia ser feito pelo CODEPAC junto a empresas privadas, que poderiam colaborar com a preservação, através da Lei Sarney.

PARTICIPAÇÃO DE EMPRESAS 

A respeito do apoio de empresas particulares, o coordenador Antonio Roberto Dihel tem uma notícia importante. Ele diz que entrou em contato há cerca de um mês com Itiro Sato, presidente da IPP — Indústria de Papel Piracicaba, pertencente ao grupo Simão, procurando saber se a indústria colaboraria com a restauração da Capela de Monte Alegre, que tem afrescos pintados por Volpi.

“Recebi agora uma resposta afirmativa — diz Dihel — e marcaremos uma visita dos membros do CODEPAC à capela, onde se encontrarão com os diretores da indústria, que explicarão a maneira como os trabalhos de restauração vão ser efetuados”.

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CODEPAC À MARGEM DAS QUESTÕES 

Diante deste fato, o arquiteto Rother levanta outra questão. “É importante ressaltar que o CODEPAC nunca visitou a capela de Monte Alegre”. E continua com sua posição crítica, afirmando que o órgão sempre esteve à margem das questões de defesa do patrimônio. “A Casa do Povoador e a Capela do Senhor do Horto — afirma — foram tombadas pelo Estado. O mesmo aconteceu em relação à Escola Sud Mennucci, um trabalho que deve ser creditado principalmente à diretora Arlete Gonçalves Camargo e aos ex-alunos. Foi uma luta popular, da qual o CODEPAC mais uma vez não participou”.

Eugênio Nardin, entretanto, diz que o CODEPAC está atento à preservação de edifícios históricos da cidade. E cita estudos que estão sendo feitos em relação a vários imóveis, que poderão ser tombados. Entre eles, está o prédio situado à rua Prudente de Moraes, entre Rosário e Santo Antonio, onde funcionou a primeira agência bancária de Piracicaba, o Engenho Central, o  antigo Matadouro Municipal, o Museu Prudente de Moraes, a casa de Luiz de Queiroz da ESALQ, a Estação da Paulista, as Igrejas dos Frades, Metodista e São Benedito, a antiga Casa de Máquinas da Prefeitura, o Colégio Piracicabano e o sobradão da Rua do Porto.

Porém, Dirceu Rother Junior diz que “essa é uma listagem de interesse do CODEPAC, que faz um apanhado geral, mas ainda sem um critério em relação à preservação”. “De qualquer forma — continua — é importante, porque toda vez que houver um pedido de demolição, a lista deverá ser primeiramente consultada, antes que ela se efetue”.

ENGENHO CENTRAL 

Na opinião do arquiteto um dos prédios principais é o Engenho Central, que está desativado. De propriedade particular, pertencente ao Grupo Silva Gordo, Rother diz que “a questão do tombamento ainda não foi concluída, porque para abrir o processo, o CODEPAC precisa estar respaldado pela reunião e consenso de todos os seus membros, o que ainda não ocorreu”. Eugênio Nardin também aborda o fato de o Engenho ser uma propriedade privada e, antes de iniciar a discussão, “foi enviado à Câmara Municipal um projeto solicitando a aprovação de um plano de vantagens aos proprietários de imóveis que venham a ser tombados”. O plano prevê, principalmente, a isenção no pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano.

Para o coordenador Roberto Dihel, “é urgente o tombamento e uma tomada de posição em relação ao Engenho Central”. Para ele, o Engenho pode ser utilizado para várias finalidades, “como um Museu da Usina, para que o público de Piracicaba possa conhecer a história do ciclo da cana de açúcar, que foi um dos mais importantes para a cidade”.

Dirceu Rother tem uma visão ainda mais ampla sobre a ocupação do Engenho Central. Entendendo que “a cidade ainda não tem uma demanda tão grande em termos de cultura para que um espaço tão grande seja ocupado como centro cultural”, ele tem uma outra idéia sobre o aproveitamento. “O Engenho Central poderia ser o Centro Administrativo da cidade, abrigando a sede da Prefeitura e, além disso, oferecendo lugar para uma biblioteca e para outras atividades de cultura”.

SOBRADÃO DA RUA DO PORTO 

O Sobradão da Rua do Porto é outro imóvel julgado importante pelo arquiteto. Restaurado ainda à época da administração João Herrmann Neto, o sobrado não teve um plano de ocupação nem pela antiga administração e nem pela atual. Com isso, permaneceu sem utilização, sofreu os efeitos da grande enchente de 83 e hoje está ainda mais deteriorado que antes. “Não sei por que a Prefeitura abandonou o Sobradão — diz Rother — não acho que ela seja tão rica a ponto de desprezar um imóvel como aquele” .

Afirmando que “a reforma não é demorada e nem demanda muito dinheiro”, diz que, “ao invés de continuar sendo abrigo para ocupação sub-humana, poderia ser deslocada para lá a sede da Coordenadoria de Turismo, já que a Rua do Porto é nosso principal cartão turístico”.

ÓRGÃO DESCONHECIDO

Em sua análise do CODEPAC, Dirceu Rother Junior diz que, além de tudo, “o órgão não é conhecido pelo público, tem uma convivência com a administração, mas ainda está muito distante da população”. Essa relação, segundo ele, teria que ser mais estreita para que o povo se conscientizasse a respeito da importância da preservação. E cita como exemplo, a Rua do Porto, que em sua opinião, “já está se descaracterizando e até de uma maneira proposital, pois todas as alterações feitas são ilegais, já que a área está protegida desde 85 pelo Plano Diretor da cidade, que a considera área de preservação. Acontece que falta a respeito uma fiscalização mais efetiva”.

Se falta conscientização, Rother acha que a responsabilidade não cabe apenas à população: “Você não pode exigir isso do público, se o órgão ainda não demonstrou um trabalho eficiente neste sentido”. E novamente questiona a maneira como o CODEPAC foi criado. “Repito que trabalho voluntário não adianta. A questão é mais complexa e importante do que isso, exige um embasamento e uma estrutura maior. Trabalho voluntário é chá de caridade!”.

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