Herança de Rocha Neto, “In Memoriam”

I- O solar da porta

Em praticamente todas as suas entrevistas, o jornalista Rocha Netto volta e meia era surpreendido com a tradicional pergunta: “Sr. Rocha, quantos anos o senhor tem?” ou ainda “Em que ano o senhor nasceu?”, de jornalistas que para enfatizar o respeito e o conhecimento de um entrevistado, traduzem a sua experiência de vida pelos números de seus anos.

Simpático, o jornalista respondia e acrescentava sorrindo: “Sou ainda mais antigo do que o XV de Piracicaba, pois nasci em junho e o XV foi fundado só em novembro”. E é a partir desse fato, que a história de hoje começa. Mais propriamente a partir de um lugar: o belo Solar da Porta, conhecido assim somente entre os moradores mais antigos de Itu ou alguns familiares do jornalista, justamente pela beleza e originalidade que suas portas apresentam aos que as vêem.

O Solar da Porta foi o lugar que abrigou um recém nascido garoto, na tarde do dia 9 de junho de 1913. Aquele casarão grandioso, como se propositadamente previsse o futuro daquele menininho, foi o ponto de partida da vida de Delphim Ferreira da Rocha Netto.

Entretanto, antes disso, muitas histórias já envolviam o solar, ampla casa de taipa e tijolos que foi construída em 1860, pelo Dr. Antônio Francisco de Paula Souza em um terreno, adquirido do Convento dos Franciscanos, pelo valor de um conto e cinqüenta mil réis.

Localizado no coração central da cidade de Itu, na atual Praça Dom Pedro, antes conhecida como Largo São Francisco, a residência possui características coloniais e em várias ocasiões, foi sede de fatos importantes para a história local, ora hospedando ou recepcionando condes e princesas, como a registrada pelo historiador Nardi Filho em sua obra “A Cidade de Itu” (volume IV), que narra detalhadamente os fatos ocorridos no dia 13 de novembro de 1884, naquele município:

“Em trem especial, vindo de Piracicaba, chega a Itu a Princesa Isabel, vindo em sua companhia seu esposo, o Conde D’ Eu, a Baronesa de Semby, Marquesa de Três Rios, Conselheiro Miranda Rêgo e outros personagens. Às 10h30, chegou o trem especial a Itu, onde a Princesa Imperial e sua ilustre comitiva foi recebida por todas as autoridades e grande concorrência do povo; da estação seguiu a Imperial visitante à casa do Sr. Carlos Pereira, onde o Dr. José Elias lhe ofereceu um lauto almoço. Em seguida, a Princesa percorreu a cidade, visitando os Colégios São Luís e Patrocínio; a Matriz, a Santa Casa e a Casa da Câmara, onde; regressando de novo à casa do Sr. Carlos Pereira; lhes foi oferecido um delicado lanche: às 3 horas da tarde, no mesmo trem especial seguiu a Princesa Imperial para Jundiaí. Tanto o almoço como o lanche foram servidos por distintas senhorinhas ituanas”.

A casa mencionada acima onde a comitiva almoçou e lanchou é o próprio solar, então de propriedade de Carlos Pereira Mendes. Hoje, a passagem da família imperial acima está registrada num quadro, exposto na entrada principal da casa, pelo qual os visitantes podem se informar sobre o fato histórico.

Além desses documentos históricos, há ainda depoimentos particulares, como uma carta escrita por Guiomar Rocha Rinaldi, sobrinha de Cel. Delphim Ferreira da Rocha e de Anna Nazareth Rocha (avós paternos do jornalista Rocha Netto), que relata passagens especiais vividas por ela naquele ambiente, na qual se lembra do entalhado fino da porta, feito em estilo barroco, e do teto da sala, comparado por ela ao teto de uma velha catedral. Em sua carta, Guiomar narra a visita do senador Luiz Vergueiro, acompanhado de sua comitiva a Itu. Pelas suas palavras, a recepção feita ao senador – um baile de gala – teve fim “com uma tocata no velho casarão, noitada de música e encantamento. As paredes do Solar da Porta, certamente ainda guardam as vibrações das melodias de então”.

Entretanto, os anos se passaram e o casarão foi passado às mãos dos familiares do jornalista Rocha Netto, que anos depois conseguiria descobrir valiosas informações sobre a casa onde nasceu, em certidões e escrituras de compra e venda dos cartórios locais.

O menino Rocha viveu pouco tempo no solar, pois transferiu-se com a família para Piracicaba, em 1919. Entretanto, os breves anos vividos foram inesquecíveis, já que ao longo de sua vida, o jornalista voltaria várias vezes à residência, em visitas previamente agendadas com os atuais proprietários, nas quais revia nas escadas, paredes, decorações, jardins, alguns dos melhores momentos de sua vida.

Além dos dezenove cômodos existentes, nos quais o garoto brincava com os irmãos ou amigos, a casa possuía ainda outras benfeitorias como a cocheira, o pomar, ranchos e casa dos criados e ainda um pequeno pasto.

Nos fundos, abrigava um barracão de zinco, local onde se localizava a Serraria Sant´Anna, de propriedade de seu avô, Delphim. O terreno limitava-se com as terras da Estrada de Ferro Sorocabana, cujos trilhos entravam na serraria do avô e as gôndolas carregavam as toras e madeiras para a oficina, tornando o local um excelente ponto comercial.

Da infância, um dos episódios mais marcantes para o futuro jornalista, e o qual ele mais gostava de contar, era o seguinte:

Muita gente visita, até hoje, Itu para comprar antigüidades. Um casal de passagem pela cidade, entusiasmou-se pelas portas do solar. Disposto a fazer o possível e o impossível para adquiri-la, quiseram conhecer meu avô e propor-lhe o negócio. Eis aqui o rápido diálogo que se seguiu entre a madame (e seu milionário marido, encantadíssimos com a porta do solar), com o meu avô Delphim:

– Coronel, o Sr. vende para a gente esta porta da casa?

– Vendo, sim senhora…

– Qual é o preço dela?

– Tantos (cem, duzentos, quinhentos) milhões de contos de réis!!!

– O sr. está louco, coronel ?!

– Não, senhora, eu vendo a porta ao preço estipulado, e dou-lhe de presente a casa, o terreno, as árvores, as frutas, a serraria, as toras, as máquinas e tudo mais…

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