Monte Alegre: glória, queda e renascimento (3)

 

Monte Alegre:
glória, queda e renascimento – III

É em 1901 que a Companhia Engenho Central do Monte Alegre decide, por decisão de assembléia geral, transferir a sua sede para Piracicaba. Os proprietários são fazendeiros e capitalistas poderosos. E será importante notar – para avaliar-se a forte influência que exerceram em Piracicaba – que alguns deles estavam vinculados se, também, à fábrica de tecidos de Luiz de Queiroz, adquirindo, inclusive, o Palacete às margens do rio. São, especialmente, o Barão de Bananal – Luiz da Rocha Miranda Sobrinho, pai de Rodolfo Miranda – e Manuel Buarque de Macedo, um dos fundadores do “Jornal de Piracicaba”.

No início do Século XX, portanto, Piracicaba passa por um forte surto desenvolvimentista. O Engenho Central do Monte Alegre apresenta uma produção anual de cinco mil sacas de açúcar, de 60kg a saca, abrigando 50 operários nas atividades do engenho e mais 200 no plantio e colheita da cana. Segundo o “Almanaque de Piracicaba de 1900”, o açúcar de nossos engenhos estava “entre os melhores do Brasil”, destacando, o redator, o “açúcar cristal, de alvura de neve”. Em todo o município, a produção era de 35 mil arrobas anuais, através de cerca de 80 engenhos, pequenos e grandes, movidos a vapor, a água e por animais.

Desde o século XIX, o Brasil mostrava boa presença, no mercado mundial, pela produção de açúcar. Em 1873, na Exposição Universal de Viena, o Usina Monte Alegre e campeonato de corte de cana em 1945. Fotos cedidas por Wilson (Balu) Guidotti Júnioraçúcar brasileiro, produzido em Pernambuco e na Bahia, fora premiado com a “Medalha do Progresso”. Em 1904, na Exposição Universal de São Luiz, Maranhão, o primeiro grande prêmio coube ao açúcar produzido pelo “Engenho Central de Rafard”, um dos quatro engenhos da “Sucrérie Brésiliénne”. (Os outros três eram os engenhos centrais de Piracicaba, Porto Feliz e Lorena).

No entanto, apesar da boa qualidade do açúcar de Monte Alegre, será apenas a partir de 1910, quando adquirido por Pedro Morganti, que o engenho, além de produzir o melhor açúcar brasileiro, irá tornar- se uma das primeiras usinas não apenas do Estado de São Paulo, mas do País.

O italianinho Pedro Morganti

Quando se proclama a República em 1889, já é grande o contingente de imigrantes estrangeiros, especialmente de procedência italiana, no Brasil. Em 1890, já havia uma família Morganti em São Paulo, chefiada pela “mamma” Beatrice Sargentini Morganti que tinha, a auxiliá-la, o irmão Carlos Morganti. Os Morganti residem na capital paulista, numa casa da rua Amaral Gurgel, esquina da Rego Freitas. No local, há uma torrefação de café. E, na casa, há um menino de 14 anos, um italianinho de nome Pedro. O menino nascera em Bozzano, Mazzarosa, Província de Lucca, na Itália, no dia 2 de abril de 1876.

Mal ainda adaptado ao Brasil, o menino Pedro é obrigado a retornar à Itália para cumprir o serviço militar italiano. Cumpre-o no 6ª “Bersaglieri” e, mais amadurecido, retorna ao Brasil onde o esperam novas e grandes lutas, intensas atividades. Pois o início do Século XX permite, aos imigraManifestações religiosas: procissão em 1947 e 1ª Comunhão em Monte Alegre, em 1956ntes, novas possibilidades que não apenas as da zona rural para onde eram alocados. São Paulo, especialmente, já vira a expansão de atividades de trabalhadores italianos, incluindo a de um certo Francisco Matarazzo, que inventara um processo de enlatar banha, em Sorocaba. A atividade industrial paulista é, pois, intensa. E os italianos participam da vida brasileira, com “concertos italianos” no Jardim da Luz, alfaiates que se vestem de soldados e tocam em bandas e cantam músicas populares. Há oficinas italianas na Bela Vista (Bixiga) e ouvem-se as cantorias espalhafatosas dos italianos.

 

Pedro Morganti trabalha como menino de recados, caixeiro, operário, um rapazote disposto a “fazer tudo”. Prepara, para si mesmo, um quarto feito de madeira, debaixo de uma escada, sem janela, como que já habituando-se à dureza da vida que o espera. Com alguns tachos a fogo nu e uma pá – conforme conta a historiadora Maria Celestina T. M. Torres – trabalha de 18 a 20 horas por dia para conseguir refinar dois ou três sacos de açúcar por dia. É o seu ingresso no mundo do açúcar, como comerciante. Em 1902, faz sociedade com Stefano Gori e, dois anos depois disso, consegue ampliar suas instalações, cria uma refinaria de açúcar ainda quase primitiva, requerendo autorização – que lhe foi concedida – para abrir uma porta e modificar uma janela na casa da Rua Amaral Gurgel, 110.

A abertura da porta e a mudança da janela abriram um novo mundo para o moço Pedro Morganti. Isso aconteceu em 28 de fevereiro de 1904.

Da batedeira aos refinadores

Pedro Morganti teve a idéia de construir uma batedeira mecânica que agilizasse o refino do açúcar. E construiu-a . E, então, os seus negócios tomaram vulto de forma que, sempre em busca de aperfeiçoar os métodos de trabalho, o moço se Manifestações religiosas: procissão em 1947 e 1ª Comunhão em Monte Alegre, em 1956tornasse em profundo conhecedor do assunto. Dissolve-se a firma “Morganti & Gori” e, em 1910, Pedro Morganti organiza a Companhia União dos Refinadores. A idéia surge a partir das vantagens que Pedro enxerga em reunir, em uma única empresa, a matéria prima e o produto acabado. As usinas plantariam e produziriam ao mesmo tempo. É a partir dessa visão que, no mesmo ano de 1910, Pedro Morganti adquire o Engenho Central de Monte Alegre, em Piracicaba.

Transformando aquele Engenho Central na nova Usina de Monte Alegre, Pedro Morganti entra, definitivamente, para o universo da indústria açucareira, tornando-se um todo-poderosoe progressista senhor de engenho e de usinas. É a grande fase não apenas do Engenho de Monte Alegre, mas da indústria açucareira no Brasil. Os números expressam a evolução que a competência e a lucidez de Pedro Morganti imprimem ao setor: se, na safra de 1912/13, a produção fora de 13 mil sacas, há um salto, na safra de 1917/ 18, para 48.440 sacas.

Pedro Morganti não pára. Deixa a Companhia União de Refinadores em 1916 e adquire a Usina Porto Real, em Floriano, município de Rezende (RJ). Em 1917, adquire, a José Teixeira Marques, o ainda pequeno Engenho Fortaleza, de Araraquara. Forma a Companhia União Agrícola que não prospera mas que dá lugar, em 1924, a uma empresa maior, a Sociedade Anônima Refinadora Paulista, com grande e moderna refinaria na Mooca, em São Paulo, à rua Borges de Figueiredo.

Em 1925, a crise do açúcar atinge o setor de maneira avassaladora. Pedro Morganti assume, junto aos credores, o passivo da Refinadora Paulista. O caos financeiro vinculase à devastação dos canaviais por uma praga ainda desconhecida. É um piracicabano, o engenheiro-agrônomo José Viziolli – que seria indicado prefeito de Piracicaba anos mais tarde – quem identifica o causador da praga: o mosaico. Da Estação Experimental de Cana de Piracicaba, sai a descoberta da causa. Mas a devastação já acontecera. E a crise se torna aguda.

Em 1930, o governo federal cria a Comissão de Defesa do Açúcar e o Instituto do Açúcare do Álcool. E dá-se início ao reerguimento.

Pioneirismo no álcool anidro

São os lavradores paulistas que entendem mais rapidamente a nova ordem criada pelo Governo Federal. Os canaviais se renovam com outras variedades de cana, a javanesa especialmente. O governo passa a oferecer assistência técnica aos lavradores, estímulos para ampliação das usinas, substituição de equipamentos, para, enfim, a modernização delas. Em pouco tempo, são as usinas paulistas as que têm maior rendimento médio. O IAA – conforme citação de Maria Celestina – mostra o rendimento industrial de 1934/35, acima de 100 kg de açúcar por tonelada de cana. A primeira usina é da Vila Raffard, a segunda, de Piracicaba.

Além de dez usinas bem equipadas, Piracicaba, no entanto, continua o município onde há o maior número de engenhos pequenos, com processos rudimentares. Em 1935, são 235, que, ao lado das dez modernas usinas, fazem de Piracicaba o maior município paulista em número de instalações açucareiras. A Usina Monte Alegre está ao lado das grandes. Não é a maior, mas é considerada a mais moderna e de organização exemplar. E, portanto, preparada para receber novas técnicas de produção. Pedro Morganti conseguira fazer, de Monte Alegre, uma usina modelo.

E foi ele, Pedro Morganti, quem, de imediato, entendeu a campanha do IAA para o melhor aproveitamento da cana de açúcar como matéria prima. Era a produção de álcool ampliando-se. Pedro Morganti – cuja usina produzia álcool desde 1917 – determinou a importação imediata do primeiro aparelho para a fabricação do álcool anidro. Logo em seguida, adquire um ainda mais moderno para a usina de Araraquara, então com o nome de Usina Tamoio. Juntas, Monte Alegre e Tamoio se capacitam para proproduzir 60 mil litros diários de álcool anidro. Durante a II Guerra Mundial, apenas a Usina Monte Alegre haveria de produzir 6 milhões de litros, no ano de 1943.

A partir de Pedro Morganti e ao longo de sua luta e espírito renovador, o Estado de São Paulo consegue, em 1947, deslocar a liderança da produção A educação: Grupo escolar e aula de ginástica e, 1954açucareira do Nordeste para o Sul. A lavoura canavieira expande-se em todo o Brasil mas a grande transformação está em São Paulo: dos 52.590 alqueires cultivados em 1935, a área da lavoura da cana passa, em 1947, para 102.661 hectares. A partir de então, São Paulo passa a ser o líder absoluto da indústria açucareira nacional, com 193 usinas, com o maior número de destilarias,na produção também de álcool de todos os tipos. São Paulo é o primeiro em produção e em modernidade. Mas Minas Gerais e Pernambuco continuariam sendo os maiores em área de plantio.

De toda essa revolução industrial e econômica, um nome – entre outros que ousaram e realizaram – é o de Pedro Morganti. Em Monte Alegre, acontece a grande epopéia do açúcar e do álcool. Mais do que isso: um lugar modelo de produção, de riqueza e de viver. (continua no próximo fascículo)

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