Os “Anos Dourados” em Piracicaba (8): “deuses” eleitos e, no Olimpo, o Baile da Consagração

O Olimpo, no “Baile da Consagração”

Se se pode falar de esplendor e glória de uma sociedade – e, ao mesmo tempo, em ocaso – Piracicaba encontrou-os no “Baile da Consagração”, naquela noite de 14 de novembro de 1959. Com sua coluna social, Mauro Vianna conseguira – em apenas poucos meses – revolucionar Piracicaba. E, por revolucionar, não se deve entender uma simples força de expressão, mas o sentido real do verbo: transformação, mudança, rompimento. Se, politicamente, Luciano Guidotti recuperava a autoestima da Cidade; se Mário Dedini, empresarialmente, impulsionava ao desenvolvimento econômico – Mauro Vianna provocara o “start”, tornando-se, sem ter consciência disso, instrumento provocador de toda uma modernidade que se fez pioneira no Interior do Brasil.

O “Baile da Consagração” foi o momento de esplendor e de glória de uma Piracicaba que, por tragédias posteriores, refluiu. Foi o momento mágico, após o qual – como se fosse um castigo – aconteceu o ocaso. Quem viu o “Baile da Consagração” viu a síntese do fastígio de uma época. E não adianta tentar relatá-lo. Nunca mais, passados quase 50 anos daquele 14 de novembro de 1959, tal esplendor aconteceu. Na vida das pessoas e dos povos, há um momento mágico, único. Em Piracicaba, foi aquele “Baile da Consagração”, promovido por Mauro Vianna e pelo “Diário de Piracicaba”. A repercussão foi nacional. De repente, a provinciana Piracicaba se revelava verdadeira Corte.

“Deuses” por eleição

Mauro Pereira Vianna não tem, ainda hoje, consciência da revolução que provocou em Piracicaba. E não pretendeu fazê-la. Para ele – conforme depoimento a este almanaque de “A Província” – tudo o que pretendeu foi “agitar a cidade”. Polêmico, controvertido, amado e odiado, gentleman e boêmio, vaidoso e inseguro – mas detalhista e perfeccionista em tudo o que faz – Mauro Vianna é homem de audácias controladas, talvez ou “pour cause” de suas responsabilidades como graduado funcionário do Estado no mundo fiscal. Interiormente, mostra o seu universo romântico e boêmio sem limites. Profissionalmente, é um conservador, prisioneiro de regras e de leis. Nele, razão e emoção digladiam-se permanentemente ainda hoje, numa complexidade que, talvez, apenas Maria Lúcia – sua mulher – e alguns de seus poucos amigos tenham entendido. Ou suportado. Pois personalidades múltiplas incomodam. Na coluna “Café da Manhã”, encontra-se essa multiplicidade que, para os mais simplistas, é confusa: ora lá está o boêmio e o lúdico, revelado no Marco Aurélio; ora lá se vê o advogado, o radialista, o jornalista, o professor, o fiscal de rendas Mauro Pereira Vianna. Há o Mauro diurno, o Marco Aurélio noturno.

Na seleção do “dandismo” de Piracicaba – endeusados no “Baile da Consagração” – o colunista Marco Aurélio ficou controlado pelo seu “eu” oficial, Mauro Vianna. Não foi o colunista que os escolheu.(Foto: casal Arnaldo (Nida Dedini) Ricciardi.) Os “deuses” foram indicados por eleição. Mauro Vianna – recuando de sua faceta pernóstica, equilibrando-se naquele universo de delírios e de vaidades – teve a prudência e o cuidado de não escolher ninguém. Podendo ser ditador da moda, preferiu, prudentemente e na cautela de um burocrata, que os “deuses” fossem consagrados por eleição. Piracicaba votou. E votou, na verdade, por aquilo que “parecia”, sem preocupar-se com o que “era”. E, como em toda eleição popular, Piracicaba votou conforme a informação de seus eleitores. Mas a informação estava no “Café da Manhã”.

Prudentemente, Mauro Vianna – que, àquela época, desconhecia a história de Piracicaba – fez com que o povo votasse. E os “deuses” foram eleitos democraticamente. O “dandismo” acontecia em sua mais caótica versão: nobres e plebeus, pretos e brancos, pobres e ricos, aristocratas e emergentes, todos eles estavam nivelados pelo padrão “dantista” do “parecer”. Era Piracicaba saindo do ovo. (Foto: Aninha D Abronzo, dinamismo na indústria e no esporte.)

 A Guarda de Honra

O resumo daquela última noite de fastígio de Piracicaba, nestas últimas décadas, talvez esteja na “Guarda de Honra” que se postou à entrada do Teatro São José para recepcionar e honrar os “deuses” que seriam reconhecidos no “Baile da Consagração”. Nunca, numa cidade do Interior, acontecera de os lanceiros da Força Pública do Estado de São Paulo – em seus majestáticos uniformes, como se fossem ícones da nobreza européia ou do ritualismo da República brasileira – se mobilizassem para uma solenidade simplesmente social, interiorana. Mas Mauro Vianna conseguiu, mobilizando e contagiando as lideranças da Cidade: o prefeito Luciano Guidotti, o poder e a influência de Mário Dedini, a Associação Comercial, todas a forças – acionadas por Mauro Vianna – pressionando o Governador Carvalho Pinto para a “Guarda de Honra da Força Pública de São Paulo”, com suas tradições e galhardia, honrar os eleitos do “Baile da Consagração”, acontecimento que se tornou notícia nacional.

E tinha mais: o grande espetáculo seria conduzido pela maior orquestra popular brasileira daquela época, a de Silvio Mazzuca, fato inédito em Piracicaba. Nunca acontecera coisa igual e nunca mais aconteceu. Mas aquele ineditismo aconteceu em Piracicaba. A “Guarda de Honra” – com seus penachos, com sua galhardia, com seu elitismo – estava às portas do Teatro São José, incensando e honrando aqueles “deuses” provincianos que tinham sido elevados a alturas nacionais. O Governador Carvalho Pinto desculpava-se por não estar presente ao baile daquela consagração. Jornais, revistas, rádios, a poderosa Televisão Tupi de então – todos estavam presentes para noticiar aquele pioneirismo admirável de Piracicaba. E o povo piracicabano – os mais humildes, os mais simples – ocupava todas as ruas ao entorno do Teatro São José para ver os “consagrados”, num orgulho bairrístico como, naqueles tempos, Piracicaba apenas havia conhecido quando – na primeira conquista da Taça do Mundo de Futebol, em 1958, no ano anterior -fomos receber, em desfile nas nossas ruas, os nossos heróis e campeões, De Sordi e Mazzola.

O “Baile da Consagração” – lançando, sobre Piracicaba, os holofotes do País – conseguia devolver-nos o orgulho atávico de nossa História, pontificada pelo Senador Vergueiro, pelos Moraes Barros, por Francisco Morato e por tantos outros. Aquela “Guarda de Honra”, postada à entrada do Teatro São José, era um preito à História de Piracicaba, a devolução de nosso orgulho civilista. Foi um símbolo. Mauro Vianna, travestido de Marco Aurélio, provocou a faísca do que foi um incêndio. E Mauro Vianna, ainda hoje, não se dá conta da revolução que detonou.

Aquela “Guarda de Honra” é um marco da Piracicaba que reencontrou o seu grande destino. E, no apogeu de seu fastígio e glória, apagou-se logo depois.

(Continua. No próximo capítulo, os eleitos, fotos e detalhes.)

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