Os “Anos Dourados” em Piracicaba(5): Quem “aconteceu?” Ora, “depois eu conto…”

“Acontecer”, “depois eu conto”

Os verbos “acontecer” e “receber” – usados, por Ibrahim Sued, para identificar pessoas que eram notícia, que “aconteciam”, ou que davam recepções, anfitriãs – foram assumidos, com o mesmo significado, por Mauro Vianna-Marco Aurélio. A influência de Ibrahim Sued era flagrante, mas o novo colunista de Piracicaba não fez, em nenhum momento, questão de dissimulá-la. Na realidade, era como se Mauro Vianna tivesse, assumidamente, querendo criar, em Piracicaba, requintes da “Corte” brasileira, então e ainda no Rio de Janeiro.

De repente, “acontecer” – isto é: simplesmente estar, freqüentar – no Café Haiti, na “calçadinha de ouro”, no Clube Coronel Barbosa, no Clube de Campo passou a ser muito mais do que a simples e corriqueira alternativa, por falta de opções, de uma sociedade que estava mergulhada em sua monotonia, talvez num destino de marasmos conservadores. Ir àqueles lugares passou a significar estar sob observação, ser alvo de juízos, de críticas. No dia seguinte, a simples passagem pelo Café Haiti poderia significar, no “Café da Manhã”, um destaque, uma definição de personalidade e de elegância – ou significar o simples anonimato. De início e por longo tempo, intelectuais e pessoas ideologizadas diziam tratar-se de um elogio à vaidade, às futilidades. O historiador e latinista Guilherme Vitti, em defesa do purismo da Língua, aborrecia-se do sentido dado ao verbo acontecer. O próprio Sebastião Ferraz – então diretor e um dos proprietários do “Diário de Piracicaba” – era avesso ao colunismo social. (Foto: o então jovem Marco Dedini Ricciardi, em festa junina prestigiada pela coluna social.) Mas, pragmaticamente, rendeu-se ao sucesso que Mauro Vianna obtinha e, portanto, transferindo-se ao “Diário”. Comenta:

– Nunca dei importância a colunas sociais. Para mim, sempre foram um exercício de futilidade num país e numa cidade com tantos problemas. Mas a coluna do Mauro Vianna despertou interesse de imediato, o sucesso foi absoluto. Os leitores queriam ler, queriam mais, o retorno era total. Então, prestigiei o Mauro, dei-lhe força e retaguarda.

E, na verdade, Sebastião Ferraz investiu em Mauro Vianna e na coluna, colhendo dividendos daquele sucesso. Mauro Vianna não percebia salários, mas verbas semanais como ajuda-de-custos, pois suas despesas – para participar de festas, com roupas e mesmo para ser anfitrião – eram altas. Para se ter uma idéia, o “Diário” dispendia cerca de 25 mil cruzeiros ( antigos, em 1959) para manter a coluna. Muitas empresas – especialmente casas comerciais, que eram grande beneficiárias daquele “boom” de modernidade – queriam patrocinar a coluna. E o detalhe que tornava tudo aquilo muito especial estava no fato de tanto Sebastião Ferraz como Mauro Vianna sempre terem-se recusado a ter patrocinadores, a explorar a coluna comercialmente.

Um “start” para a modernidade

Mais, porém, do que o simples elogio à vaidade ou o estímulo à futilidade, a coluna de Mauro Vianna talvez tenha sido o “start” que despertou Piracicaba para aqueles novos tempos. Ir ao Café Haiti, “acontecer” em algum lugar, era como que a possibilidade de fugir de um destino comum a quase todas as famílias: estudar, casar, ter filhos, preservar heranças familiares ou conseguir ser parte de um espaço que já estava dominado por tradicionais conquistadores. Ora, os estudiosos poderão encontrar respostas mais claras: o fato, porém, é que “acontecer” na coluna do Mauro Vianna passou a ser como que a saída do anonimato, a libertação de um destino de marasmos, o encontro de alguma identidade. Sob essa óptica, freqüentar o Café Haiti deixava de ser apenas um hábito, de estar num ponto-de-encontro de pessoas iguais, marcadas por um destino.

E Mauro Vianna provocava, excitava, criando tensões e expectativas desde o início de sua coluna. Ele tinha talento e arte para despertar a teatralidade que engolfou a população. Já na sua segunda coluna – no dia 17 de março de 1959 – Mauro Vianna apontava a sua disposição de observador da sociedade piracicabana. E, muito claramente, de juiz, de julgador de elegância e de beleza. Escreveu:

– Vimos, no Cine Politeama, sábado, uma senhorita de muito charme. Minha esposa, juiz rígido e imparcial da beleza (beleza feminina, bem entendido…) ficara positivamente perplexa. Candidata, sem dúvida, fortíssima ao título de “garota encanto” de 1959..

Quem era ela? Mauro Vianna adotara a técnica de Ibrahim Sued, de criar expectativas, de fazer mistério. O “depois eu conto” – tomado de Ibrahim – criava tensões, estimulando afirmações de identidade. Serei eu essa garota, serei eu essa pessoa especial? Mauro Vianna conseguiu, no mínimo, que as pessoas se olhassem no espelho, ou que tentassem assumir desejos bloqueados. Em Piracicaba, num tempo de transformações, ele produzia o “start”. Ibrahim Sued, no Rio de Janeiro, havia provocado essa inquietação com a “Dama de Preto”, alguém especial, diferenciado. Em Piracicaba, Mauro Vianna – usando da mesma técnica – criava a “Garota de Vermelho”, a “Dama Elegante”, o “Jovem Bonito”, o “Empresário de Visão”…

 

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