Piracicaba nas cartas da Princesa Isabel

A agitação republicana corria o país. Finda a Guerra do Paraguai, a monarquia brasileira se fizera ainda mais frágil. Foi então que, em 1884, a filha e herdeira dos imperadores D. Pedro II e Tereza Cristina, Dona Isabel de Bragança (então com 38 anos), acompanhada por seu marido, o Conde D’Eu (Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orleans), e seu filhos, se viu na necessidade de visitar e melhor conhecer o Brasil que buscava outros rumos. E, entre outros locais, esteve também em Piracicaba, descrita pela Princesa, como uma “cidade bonitinha, com ruas muito bem alinhadas, e muito bem situadas numa colina, e à beira do rio do mesmo nome”.

O roteiro privilegiou São Paulo, então com 30 mil habitantes, e seu interior, onde floresciam os clubes republicanos e os jornais a defendê-los, e onde se movimentavam os abolicionistas em maior número. Em boa parte das viagens, como a Piracicaba, a comitiva da Princesa se fez acompanhar da Baronesa de Suruí, filha do regente do Império Francisco de Lima e Silva e irmã do Duque de Caxias; do Barão de Miranda Reis, general do exército, que foi presidente do Amazonas e Mato Grosso, e do Conde Três Rios, em cuja casa se hospedara na capital. O Conde, Joaquim de Souza Aranha, foi chefe do Partido Liberal e deputado provincial, capitalista e maior fazendeiro da Província de São Paulo em seu tempo.

Correspondências da Princesa Isabel, enviadas ao pai ao longo da viagem, foram recolhidas depois de muitos anos e publicadas em 1999, no livro organizado por Carlos Eugênio Marcondes de Moura, “Vida cotidiana em São Paulo no século XIX”.

Nelas, a respeito dos dias 12 e 13 de novembro de 1884, ela relata as impressões sobre a passagem por Piracicaba, Capivari e Itu, que reproduzimos a seguir, introduzindo detalhes apresentados em notas organizadas por Ricardo Gumbleton Daunt:

12 de novembro de 1884

“Às sete menos um quarto, partia de novo (em trem da Cia Inglesa até Jundiaí e, depois em trem da Ituana) com a Baronesa de Suruí, Marechal e o Conde de Três Rios, (que nos tem acompanhado, sempre, assim como o Novais (Major Manoel de Freitas Novais) para Capivari e Piracicaba.

Em Piracicaba, encontrei Gaston (Conde d’Eu, seu marido). Visita ao Engenho Central de Capivari, dirigido por Monsieur Rafard, casado com a irmã mais moça de Dona Carlota de Morais Barros (Carlota Moreira de Barros, casada com Antonio Moreira de Barros, deputado). Engenho muito grande, muito boas máquinas, agradou-me muito, assim como o acolhimento que aí nos fizeram; entretanto, por ora, creio o de Lorena melhor com a simplificação para o trabalho, aí tudo está ligado, tudo se aproveita. Duas coisas, porém, há neste que não me lembro de ter visto no outro: uma oficina para consertar as máquinas e aparelhos, em vários lugares, para extinguir incêndios.

O Engenho Central de Lorena foi montado por Mr. Paturian, com máquinas francesas; as deste são inglesas. Madame Rafard deu-me um ramo de lindas flores,digno de Paris e grande como meu chapéu de sol aberto.

Partida de Capivari, às duas horas. Chegada a Piracicaba, às três horas. Visita à casa de campo de Estevão de Rezende, ida ao Salto (quiosque), de que gostei muito, visita à fábrica de bordados, à fábrica de fiação do Queiroz (Luiz Vicente de Souza Queiroz), genro do Conselheiro Ottoni, bem montadas. Ele e ela aí se achavam. A casa deles, não longe, pareceu-me muito bonita.(NR:Trata-se do Palacete Boyes, à beira do Salto.)

Grande complicação por causa do Te Deum, do qual ouvimos falar, mas para o qual, por confusão, não nos tinham convidado positivamente.

Bastante cansada, não falei nele, e afinal disseram-no sem nós.

Fomos hospedados pelo Barão de Serra Negra, que me falou muito em meus pais, e aí vimos vários de seus filhos e dos filhos da boa Marquesa de Valença (filha do Brigadeiro Luiz Antonio, que fora dama de honra da Imperatriz Dona Teresa Cristina).

Piracicaba é uma cidade bonitinha, com ruas muito bem alinhadas, e muito bem situadas numa colina, e à beira do belo rio do mesmo nome. Há aí, também, um Engenho Central, montado pelo Paturian, mas não o visitamos.

13 de novembro de 1884

Partida às seis da manhã. Chegada a Itu, às dez e meia. Parou o trem, um pouco antes, para que víssemos o Salto do Tietê, de que gostei muito.

Perto, há uma fábrica de fiação, que felizmente não tirou muita beleza do Salto. Em Itu, visitamos a Matriz, alguns altares bonitos. Órgão novo, da casa Cavallier- Coll de Paris. Infelizmente, já está velha, de voz cansada e não a ouvimos, Dona Marta Augusta (casada com Tristão Mariano da Costa, diretor da banda Euterpe Ituana, que, depois, se instalou em Piracicaba), que o bom Vigário diz ter tido o talento de chocar o sistema nervoso com sua magnífica voz.

Almoçamos na casa de José Elias Pacheco Jordão (deputado provincial, um dos chefes do Partido Conservado, ancestral da família Pacheco e Chaves), onde nos deram várias comidas da terra e bolos muito gostosos.

Visita à Câmara Municipal, onde vimos seu autógrafo de veozinho (supõe-se seja versinho, referência a mote deixado por D. Pedro II quando em visita a Itu, em 1846: O sincero acolhimento/ do fiel povo ituano/ gravado fica no peito/ do seu grato soberano) e entreguei 14 cartas de liberdade, arranjadas por meio do fundo de emancipação. Os senhores pareciam mais contentes do que os próprios escravos libertos.

Visita ao Colégio dos Padres Jesuítas, muito espaçoso, bons dormitórios, banhos, salas para aulas e uma magnífica sala para estudo, no fundo da qual há um bonito teatro, meninos muito contentes, muito disciplinados, cantaram, toaram, fizeram bonitos discursozinhos….

Visita a Santa Casa de Misericórdia, para poucos doentes, casa antiga. Visita ao colégio das meninas das Irmãs de São José (que foram as fundadoras do Colégio Assunção, em Piracicaba), colégio também muito bom e espaçoso. Aí vimos uma filha do Paulino Soares de Souza, duas netas do Três Rios, duas filhas do Estevão de Rezende, uma do Dr. Teófilo Braga, que vimos em Lorena….

O externato, que contém mais de 200 meninas, está do outro lado da rua, e não tivemos tempo para visitá-lo; o internato também tem mais de 200 meninas,uma parte compõe-se de órfãs que não pagam, que estão no mesmo edifício, mas à parte.

Partida de Itu, às três horas menos um quarto, chegada a Campinas antes das seis. Estação cheia de gente, várias pessoas importantes da localidade, entre outros o filho do Conde de Três Rios e o Parnaíba (Antônio de Queiroz Teles, Barão de Parnaíba, que foi presidente da Província de São Paulo), a quem dei suas recomendações, que ele muito agradeceu…

Com relação às visitas no interior da Província, as cartas indicam que, depois de Campinas, o Conde D’Eu se dirigiu a Rio Claro, sem estar acompanhado da Princesa Izabel. Ela, entretanto, em região próxima a Piracicaba e Limeira, a Fazenda Ibicaba, do senador Vergueiro, no dia 17 de novembro, assim a descreveu: “a terra aqui, é tão boa para o café, chamada de terra roxa. É excelente para plantações, mas terrível para os entes humanos. O colarinho, que se põe de manhã limpo, à noite está amarelo, se não chove. Se chove, tudo escorrega e gruda nos pés e nas rodas dos carros. A Fazenda Ibicaba tem muita nomeada e merecida. Dona Maria Umbelina Vergueiro foi quem nos recebeu, É muito agradável e dizem ter sido linda. O marido, infelizmente, não pode se achar aí nestes dias ….”

*Beatriz Elias é jornalista e escritora.

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