Piracicaba, nas estatísticas de 1886

Apresentado ao Presidente da Província de São Paulo, detalhado relatório datado de 1888 teve, como presidente da Comissão Central de Estatísticas, Elias Pacheco e Chaves1. Trata-se de um dos mais completos quadros da situação de São Paulo, e, na perspectiva local, também de cidades como Piracicaba e várias outras da região.

A comissão fora nomeada por João Alfredo Correia de Oliveira2 , em 1886, e admitiu as dificuldades para encaminhar os trabalhos, que demoraram maisAquarela sobre papel, de Miguel Dutra, intitulada “Fazenda na margem esquerda do rio Piracicaba, domínio do Visconde de Monte Alegre”, 1845 (Reprodução do livro “Miguel Dutra, o poliédrico artista paulista”, publicação do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 1981) de dois anos para serem concluídos. Nele, listavamse os resultados do recenseamento geral do Estado, que se procedeu em 30 de setembro de 1886, em quase todos os municípios, por comissões locais a partir de um método peculiar: listas foram entregues às famílias, com instruções para seu preenchimento. Os números relativos a nascimentos, casamentos e óbitos vieram dos párocos das igrejas. Para a descrição da Província, a comissão informou ter consultado homens da ciência, em especial a Comissão Geológica e Geográfica de São Paulo.

População

Piracicaba possuía, em 1872, 16.953 habitantes, tendo chegado aos 22.150 em 1886. Entre as cidades da região, Rio Claro registrara, respectivamente, 14.906 e 20.133; Limeira, 9.081 e 7.692; Santa Bárbara D’Oeste chegara aos 2.589 e 5.110, e Campinas, aos 31. 397 e 41.253. Itu, outra referência regional, somara, respectivamente, 10.821 e 15.840 habitantes, sendo, portando, bem menor do que Piracicaba.

O recenseamento trouxe detalhes demográficos. Entre os 22.150 habitantes de Piracicaba de 1886, havia praticamente o mesmo número de homens e mulheres: 11.028 e 11.122. A maioria era branca, num total de 15.078 pessoas, vindo, a seguir, 2.890 caboclos, 3.100 pardos e 1.082 negros. Os solteiros estavam em maioria: eram 11.173 contra 10.206 casados e 771 viúvos.

A população era muito jovem. Ela assim se dividia: crianças entre 1 e 5 “A Estrada”, óleo sobre tela de Almeida Júnior (reprodução do livro “Almeida Júnior, vida e obra”).anos, 2.500; entre 6 e 15 anos, 5.468; entre 16 e 30 anos, 6.312; entre 31 e 50 anos, 3.500; de 51 a 70 anos, 3.320 e acima de 70 anos, apenas 1.050 pessoas. Ou seja, entre os 15 e 30 anos, concentrava-se quase metade de toda a população.

A religião tinha característica de quase unanimidade: havia 21.980 católicos e 170 não católicos.

Na questão da instrução, 8.012 tinham o primário; 102, o secundário e havia 31 pessoas com nível superior. Esta última informação dá uma idéia precisa da importância dos chamados “doutores”, fossem eles advogados, médicos, engenheiros. Em Santa Bárbara, eles eram apenas 13; as demais cidades da região não conseguiram liberar tais informações.

O recenseamento foi tão detalhado que se deteve até mesmo no percentual das enfermidades mais comuns. Em Piracicaba, foram registrados 32 alienados, 109 aleijados, 19 cegos, 16 morféticos, 21 surdos-mudos.

O número de residências apontado foi de 4.948, das quais 4.274 eram de propriedade do chefe da família.

Escravos entre os maiores patrimônios da Província

Os números encontrados nas paróquias dão uma idéia clara de como se desenvolviam as cidades. Piracicaba, no entanto, em toda a estatística do Estado, é uma das poucas que não teve tais registros divulgados, havendo apenas menção de que eles não foram enviados. O mesmo silêncio se deu com relação aos casamentos e óbitos, informações que deveriam ter vindo da Paróquia de Santo Antônio.

Para garantir uma melhor visão econômica dos municípios, o serviço de estatística buscou mapear os escravos então existentes. Em Piracicaba, eles eram 3.416, sendo 2.109 homens e o restante de mulheres. Do total, 3.236 estavam na zona rural e apenas 180 na área urbana. O valor que lhes era imputado em Piracicaba era dos mais altos de toda a Província: os menores de 30 anos somavam um capital de 1.131.300$, próximo apenas aos registrados em Amparo (1.287.900$), Bananal (1.305.675$), Casa Branca (1.300.500$) e Guaratinguetá (1.118.475$). O maior valor dos escravos existentes nesta faixa etária estava em Campinas, onde o núcleo escravo de até 30 anos chegava aos 2.293.875$. No total de escravos, considerando-se a população total, até os 60 anos, o valor superava os 2.000.000$ apenas nos municípios de Piracicaba, Rio Claro, Taubaté, Guaratinguetá, Casa Branca, Bananal, Amparo, e, certamente, Campinas.

Justiça e saúde: dados pouco conhecidos

Poucos são os registros relativos à área judiciária de Piracicaba, embora eles sejam bastante detalhados com relação a grande número de municípios. As estatísticas indicam que, em 1886, foram julgadas 4 ações cíveis pelo Juiz de Paz, dos quais 3 réus foram condenados e um absolvido. Foram iniciados 37 inventários, dos quais 17 permaneciam pendentes até o final do exercício. Os processos envolveram 47 herdeiros maiores e 79 herdeiros menores de idade, num total de 29:183$753 rs. As tutelas chegaram a 52 e houve duas interdições. Naquele ano, foram hipotecados 23 imóveis, sendo 11 urbanos e 12 rurais. A cidade contava com uma delegacia e uma sub-delegacia.

A estatística aponta, também, interessante informação a respeito da Santa Casa de Piracicaba, que chega aos seus 150 anos em 2004. Em 1886, ali deram entrada 334 doentes, dos quais 47 faleceram e 23 ainda se encontravam em tratamento. A média de mortalidade era de 13 por cada 100 pacientes atendidos. No Hospício dos Alienados, da capital, 8 internos haviam vindo de Piracicaba.

Quanto à arrecadação, as rendas municipais foram orçadas, entre 1885/1886 em 37:387$061rs., dos quais foram destinadas a obras públicas 23:733$995 rs.

As desaparecidas árvores de 16 metros

A descrição deixada no relatório com relação a Piracicaba faz com que, ao início do século XXI, se lamente ainda mais o baixo índice de área verde restante no município: “ Piracicaba abrange uma área de cerca de 50 léguas quadradas, em sua quase totalidade, coberta de esplêndida e luxuriante vegetação, sendo raros os campos nativos, imprestáveis para a lavoura. O solo compõe-se da preconizada terra roxa, em extensão de léguas, de terras barrentas e terras arenosas, todas as quais, quando altas e livres de geada, prestam-se ao cultivo do café, e sempre ao do algodão, fumo e gêneros alimentícios. Existem ainda, matas virgens, tão frondosas que não é raro encontrarem-se nelas jequitibás de 2 e mais metros de diâmetro e perobeiras de 16 a 18 metros de comprimentos. Existem algumas pequenas e insignificantes ilhas no rio Piracicaba”.

Quando ao clima, a descrição registra temperaturas que desciam a zero grau e subiam a 32º C, números que levavam à estranha conclusão de “que não há excesso de frio ou calor”.

De onde vinha a riqueza econômica

O relatório indica como principal produto agrícola o café, embora também produzisse “grande quantidade de açúcar e gêneros alimentícios, que são exportados para a capital, Itu, Campinas e Rio Claro”. No que se referia a comércio e indústria, foram recenseadas 23 lojas de fazendas, calçados eAquarela sobre papel, de Miguel Dutra, institulada “Cego com criança, Piracicaba”, 1845 (Reprodução do livro “Miguel Dutra, o poliédrico artista paulista”, publicação do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 1981). Em 1886, eles eram 19 em toda a cidade. armarinhos; 170 armazéns de secos e molhados; 6 restaurantes e botequins; 7 açougues; 6 casas de comissões; duas tipografias; duas hospedarias, 3 padarias, 6 farmácias, uma refinação de açúcar, 5 depósitos de cal, uma confeitaria, 3 depósitos de máquinas de costura, 3 hotéis, 6 relojoarias, 8 sapatarias, 5 funilarias, uma foguetaria, 3 lojas de couros e arreios, uma chapelaria, 5 fábricas de cerveja, 3 fábricas de torrar café e descascar arroz, uma fábrica de tecidos, 1 engenho central, uma fábrica de louça de barro.

Naquele ano, funcionavam em Piracicaba 11 escolas públicas primárias para meninos e 4 escolas públicas primárias para meninas. Cada escola correspondia a 1.476 habitantes. O relatório menciona, ainda, especificamente, o Colégio Piracicabano como “estabelecimento particular de primeira ordem”, oferecendo o jardim da infância, instrução primária e secundária para o sexo feminino e, em fase de construção, um edifício onde se instalaria um colégio dirigido por irmãs de São José, filial de Itu, que se tornaria o Colégio N. Sra. da Assunção.

1 – Elias Pacheco e Chaves é um dos ancestrais da família de políticos piracicabanos, entre os quais se destacaram Jorge Pacheco e Chaves, prefeito de Piracicaba na década de 40, e seu filho João, diversas vezes deputado federal e secretário de Estado.

2 – O distrito de Ártemis teve, originariamente, o nome de “Porto João Alfredo”, em homenagem ao então presidente da Província paulista. João Alfredo veio a Piracicaba para a inauguração do trecho da estrada de ferro até aquele local.

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