S.B. 13 de Maio – Uma história da saga da raça negra

[texto publicado, originalmente, no jornal impresso “A Província”, na edição de 1º a 14/novembro/1991]

SB 13 de maio

A figura do presidente, que se confunde com a história do “13 de Maio”: Benedito José Anastácio.

Tradição africana, espaços de rua nem sempre conquistados, a vontade de ser livre, se expressar, estar entre seu próprio povo e ter seu espaço. Tudo isso se confunde e dá corpo à história de fundação e amadurecimento da Sociedade Beneficente 13 de Maio, fundada em Piracicaba em 1908 e que, reproduzindo processos semelhantes aos ocorridos em outros municípios, se constituiu, com o tempo, em referência negra para a história local.

Uma história que, pela primeira vez, é sistematizada em detalhes e cujo resumo estará chegando ao público ainda este mês, com a publicação que o Núcleo de Pesquisa e Documentação Regional da UNIMEP faz da primeira fase de um projeto de pesquisa que obteve, inclusive, o apoio de agências financiadoras e da Ação Cultural.

E, como não podia deixar de ser, traz os pormenores de uma história em que há personagens que misturam sua própria força e persistência ao desenvolvimento da própria raça. Como figuras como Benedito José Anastácio, presidente do clube à época em que sua sede foi construída, ou, então, o popular Zuza, que, com seu futebol e os times de pretos e brancos, misturou música e esportes numa fusão que marcou época em toda a região.

Mas o melhor, mesmo, é se começar pelo princípio…

Segundo os pesquisadores, na verdade, a história da Sociedade Beneficente 13 de Maio começa com a criação, em 1902, da Sociedade Antonio Bento, em homenagem ao abolicionista Antonio Bento de Souza e Castro. Era um grupo de apenas 31 pessoas, que reuniu-se tendo como objetivo “organizar uma sociedade para o fim especial de comemorar-se condignamente o 13 de maio”. O que ocorria era que, até então, a sociedade local branca marginalizava qualquer comemoração negra que tentasse lembrar o 13 de Maio, que passava, até então, como uma data sem maior expressão.

Ocorre, entretanto, que a sociedade recém-criada exigia de seus sócios o pagamento de uma mensalidade de dois mil réis no ato da inscrição e mais um mil réis nos meses seguintes, o que, de imediato, se constituiu em empecilho para seu crescimento. E mais: a ela caberia integrar-se a outras iniciativas de sociedades brancas, como a colaboração financeira para a reforma do Teatro Santo Estêvão, o que acabou por fazer com que seus objetivos e características iniciais tivessem que se alterar.

1908: a fundação oficial

Assim, em 1908, a Sociedade Antonio Bento toma outro caráter, passando estatutariamente a se constituir em “Sociedade Beneficente 13 de Maio”, com a finalidade de prestação de serviços médicos, farmacêuticos, jurídicos e educacionais aos seus associados. Finalidades que ficam apenas nos registros formais, conforme constataram os pesquisadores, já que, na verdade, ela permanece fiel à proposta primeira de comemorar de forma efetiva o 13 de Maio e reforçar as próprias tradições negras. Mas as dificuldades continuarão a acontecer até 1921, já que, entre os associados, as diferentes concepções da própria razão de ser da sociedade acabam por fazer aflorar rivalidades: seria uma associação apenas de negros? Admitiria mulatos? Aceitaria a todos, independente de seu status social?

Mas foi só em 1921, já diante do desafio efetivo de construção de uma sede, que a entidade começou a tomar forma. E isto aconteceu especialmente através da liderança de Benedito José Anastácio, um jovem de apenas 20 anos que, em 1934, já passava a dirigir a instituição que o teria como presidente por nada menos que 23 anos. Foi em sua gestão que a sociedade teve uma escola de música e até um grêmio de jazzband; até mesmo um curso para alfabetização de adultos desempenhou seu papel por mais de 15 anos.

Sua marca maior, entretanto, se constituiu na construção da sede, a Rua 13 de Maio. Relata a pesquisa que será publicada, que foi em 1943 que Anastácio conseguiu a parceria fundamental do professor Silvio de Aguiar Souza que tomou para si a tarefa de também trabalhar para obter recursos para tal objetivo. Com sua influência, ele garantiu que Archimedes Dutra fizesse a planta da obra, Ievantou a quantia necessária para saldar a hipoteca existente sobre o terreno e, através do então interventor Fernando Febeliano da Costa, obteve os recursos iniciais para a construção. Os pesquisadores relacionam, ainda, a doação dos tijolos por Lino Morganti, proprietário da Usina Monte Alegre; do madeiramento do prédio pelo gerente do Engenho Central, de doações em dinheiro por empresários e políticos. Foi do esforço das mãos da própria comunidade negra, sob a orientação dos engenheiros José Benedito de Camargo e Eduardo Khiel, que a construção subiu, ganhou forma e deu, inclusive, outras dimensões ao próprio “13”.

raça negra

Festas, rainhas e futebol

Mas, se, de um lado, o palpável que se edificava através da construção de uma sede dava maior união aos negros, por outro, nunca foi esquecido o espírito lúdico e esportivo da raça. A festa para escolha da rainha e princesas se constituiu em tradição ainda maior do que as que oficialmente se punham nos calendários, dando início a um baile quase que de gala, anualmente.

As festas populares sempre trouxeram, inclusive, participantes regionais para as manifestações do tambu, do rebimbado, do batuque e do samba. Mas os velhos batuqueiros reclamam que os mais moços não se interessam mais pelo tambu, e sua prática começa a desaparecer em toda região, passando a se constituir numa dança dos velhos.

Também o Carnaval foi assunto da pesquisa desenvolvida pela UNIMEP, quando, então, no depoimento da conhecida “Neidona” surgiram as reminiscências da época em que ele se constituía numa festa feita de negros, com cordões onde apenas eles desfilavam. Como ela garante, nos anos 40, o “13 de Maio” tinha uma escola enorme, que recebia até mesmo visitantes de São Paulo para nela desfilarem.

Mas nem só música faz parte da história do “13”. Há que se lembrar também dos históricos jogos de futebol entre times exclusivamente de brancos contra negros, noticiados em manchete nos jornais locais. Especialmente nas décadas de 30 e 60 oficializaram-se, pelo menos, dois times negros: o “28 de Setembro Futebol Clube”, em 1930, e o “Madureira Futebol Clube”, na década de 50, este ligado diretamente ao 13 de Maio e formado por seus associados. Entre os grandes craques, Belarba, o rei do carnaval, que, nas quadras, se desenvolvia como centro-avante.

A pesquisa se detém, também, na existência de dois jornais dirigidos diretamente à comunidade negra, mas sem qualquer vínculo maior com ela, surgindo –

e também certamente por isso, de vida curta – e desaparecendo rapidamente, pelo idealismo e esforço individual de alguns de seus membros. “O Patrocínio” viveu entre 1928 e 1930; “Nosso Jornal” foi editado de 1958 a 1961 por Luiz Carlos e Benedito de Barros.

Em anos mais recentes, a pesquisa se detém em apenas duas datas: as comemorações do 50o e do 75o aniversário do próprio “13”. Em 1958, ao chegar aos seus 50 anos, a sociedade pôde inaugurar uma escultura da Princesa Izabel feita pelo artista Luiz Marroni, a partir de doações de empresários e intelectuais da terra – os documentos apontam como principais doadores as indústrias Dedini, o ex-prefeito Luciano Guidotti e a Mausa. Em 1983, o destaque ficou com a presença da orquestra de Sylvio Mazzuca, por abrilhantar o baile do dia 13.

A história do “13” continua até hoje, embora a pesquisa da UNIMEP não traga os detalhes dos últimos anos. Mas sua luta e suas tradições são tão fundamentais no próprio recontar da história da comunidade negra, que a publicação será certamente um dos pontos fundamentais das comemorações que o Programa Zumbi Abatá trará, durante todo este mês a Piracicaba. Porque será certamente daí que se contará o início da implantação de um centro de referência da memória negra piracicabana.

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