Um passeio por Coxim

Na Revista Mirante número 47, de janeiro de 1961, Carmo Iatauro Filho contou sobre sua viagem a Coxim. Ele contou que, na época, “estava na moda” pescar por lá.

“Quem da nossa confraria de uns 8 meses até esta data não fala em Coxim? Ou já ouviu falar de lá? O motivo é estar em ascensão, é estar entrando na moda o ir-se ao Coxim. De lá, Coxim, desde 1953 tenho tido notícias por intermédio do Angelim Bulo, piloto do Amador Almeida Prado. Dizia-me ele ser lá a sétima essência em piscosidade”.

A seguir estão os relatos sobre a viagem, retirados da Revista Mirante.

Rota: Goiânia. Lá pernoitaremos e bem cedo na manhã seguinte tomaremos o rumo do Coxim. Nesta viagem voamos sobre densa camada de nuvens, e como nesse trecho não há rádio para nos guiar, fizemos vôo contando somente com a bússola. Afinal fomos felizes e por um buraco nas nuvens, 2 e 1/2 horas após vislumbramos o Taquari barrento lá em baixo; a cidadezinha de Coxim e o campo de pouso ao lado.

Ei-nos pousados, e a seguir rumando para o Hotel Piracema à margem do Taquari.

Sabíamos que lá em Coxim, estavam dois caminhões de conterrâneos nossos e os fomos procurar. Encontramos: Paco Garcia, Michel P. José, Amador A. Prado, Angelim e outros.

A primeira impressão do Taquari nos foi grata, pois ,em suas margens avistamos diversas pessoas limpando grande quantidade de peixes.

Teremos de almoçar, vaticina Michel, e não contendo a ânsia de provar o rio, almoçamos no Piracema, para logo a seguir descermos ao barranco.

Como premissa, direi ao eventual leitor que tudo quanto disserem do Coxim, por mais absurdo que seja, acredite. Não duvide. Será por certo verdade, por incrível que pareça.

Coxim é a cidadezinha à beira do Taquarí, assim como Coxim é o afluente que deságua pouco acima do desnível que o Taquarí sofre em frente ao Hotel Piracema.

Quando se diz: Fui pescar no Coxim, geralmente estamos nos referindo ao Taquarí, mais volumoso e do qual é o Coxim afluente. Em piscosidade equivalem-se.

A ictío-fauna de ambos é incrível. Conheci vários lugares afamados pela abundância de peixes, mas nem de longe os poderia comparar ao Coxim. Quem não o conhece é mister que o conheça para avaliar, pois não há a meu ver padrão para comparações por ser ele o máximo.

A explicação dessa riqueza se esboça ao observar um mapa de Mato Grosso. Vê-se que o Taquarí-Coxim, caminha aproximadamente metade do seu curso rumo ao rio Paraguai do qual é afluente, pelo meio da vasta área denominada Pantanal do Taquarí. Esse pantanal constitui um inesgotável viveiro criador de peixes com seu sistema de lagoas e pântanos comunicantes drenando para o curso do rio.

A área é enorme, a procriação estupenda e livre de qualquer impecilho que não sejam os naturais. Não há poluição e a pesca que lá realizam não se compara a que aqui praticamos, em poder de dizimação da fauna. Nem de longe pelo que observei.

Todos esses fatores contribuem para a manutenção desse verdadeiro paraíso da pesca.

Bem, estamos na torrente: Michel, Dalton e quem relata. Michel já conhecedor dalí estava sereno, porém eu e Dalton com a ânsia natural da expectativa. Chispa-se o Johnson navegando cerca de 500 metros rio abaixo. Paramos.

– Aqui Michel? Podemos começar?

– Calma, vamos localizar o cardume.

– Que? Mas como?

– Espe-re um pouco, escute … aqui estão eles.

Leitores, é verdade. Lá pesca-se na certeza. Primeiro se localiza o cardume pelo barulho que faz, depois inicia-se a pesca.

É incrível. Impressionante. Estávamos em cima de um cardume de pacús e o barulho que faziam era semelhante ao de uma vara de porcos comendo. É croc, croc, croc, croc, em baixo do bote, dos lados, em toda extensão que se pode ouvir. A quantidade de peixes deve ser incalculável a julgar pelo barulho que fazem. Dá as vezes impressão de vibração.

Pensam que é um fato passageiro? Também pensei, mas me enganei. Em todo percurso navegado, aproximadamente 1 e ½ km. Foi assim. Ora mais forte, ora mais fraco.

Alternando-se e misturando-se ao som emitido pelos pacus escutávamos outro diferente, mais ou menos assim: tá, tá, tá, táBote com 44 pacus pescados no Coxim, tá, tá, tá … Piaiúvas em quantidade fabulosa.

Que maravilha. Foi coisa que nunca presenciei em toda minha vida.

A pergunta já está engatilhada não é mesmo? Pegaram?

Sim. A foto ilustra o resultado de 200 metros de descida. Nela estão 44 pacus.

 

Saliento que estando o rio sujo, nos seria impossível pescar com linha e anzol e nem teríamos oportunidade de esperá-lo limpar, devido ao tempo que lá pretendíamos ficar. Era curto infelizmente.

Assim das 2 da tarde até o escurecer, quando não mais aguentávamos o cansaço em dois botes, pescando seis pessoas, recolhemos uma quantidade enorme, de pacus, dourados e pintados. Bem que os contamos, mas não vale a pena declarar o número. Seria inacreditável a quem não conhece o Coxim.

Vem se aproximando o ocaso. O sol mortiço está baixo no horizonte, pela metade enterrado na copa do arvoredo marginal. É hora dos peixes rebojarem.

Continuamos pescando, porém agora não é só o barulho dos peixes que se ouve. Vê-se-os saltarem fora da água em quantidade impressionante até onde se pode alcançar com a vista. Nas margens os pintados dando caça aos peixes menores, no meio os pacus e dourados. Nossas vontades estão satisfeitas.

Quando iniciamos, pretendíamos continuar pescando à noite, porém o cansaço, a vontade morta e sepultada sob o monte de peixes nos impediram de continuar.

Qualquer um por mais entusiasta que seja faria o que fizemos: banho, jantar e cama com sono plúmbeo.

O que relatei, lá é rotina. O que não o é, é a retirada de volume tão grande de pescado por pescadores da região. Para nós daqui, todos sabem, é só haver peixes que os havemos de retirar da água. Nosso rio é uma verdadeira escola de pesca, e não há piracicabano que não conheça pelo menos de nome os vários tipos de pescaria.

Lá não. Desconhecem muito. E olham-nos pasmados, das margens, ao subirmos o rio com o bote calando fundo pelo peso dos peixes.

Sabem como rodam? Para começar não teem botes. Usam uma canoa comprida tipo indígena. O piloto senta-se à prôa que está virada para baixo. Em vez de segurar o barco puxa-o para baixo com uma vara de mais ou menos 4 metros, remando.

Bom, já falei da viagem, do rio, dos peixes e do modo de pescar da região. Agora falta falar da tristíssima partida. Ficou por último por que é o final. Um final como todo outro qualquer de coisa boa.

Todos nós já o sentimos, e sabemos que nem bem ele começa e já estamos com a idéia remoendo planos para a próxima.

FIM

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