Viva a velha república!

A reportagem abaixo foi publicada em agosto de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba. Preservamos a matéria na íntegra, mantendo inclusive às citações referentes a datas. (Ou seja, todo o texto deve ser lido considerando que o ano de autoria é 1987.)

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República de estudantes é uma forma de moradia tradicional na cidade e que já tem 80 anos, desde que foi criada a ESALQ. No início, com a dificuldade de locomoção dos estudantes de Piracicaba para suas cidades de origem, as repúblicas surgiram como uma nova forma de divisão de espaço, com códigos de convivência baseados principalmente na coletividade e desprezando o individualismo, criando um modelo que foi seguido em todo o Brasil. Atualmente, com as facilidades da vida moderna, seria de se esperar que o conceito inicial de república e toda Filosofia de igualdade na distribuição do espaço comum tivessem desaparecido e dado lugar a uma nova forma de convivência.

Mas A PROVÍNCIA mostra que esse estilo de vida, longe de desaparecer, ainda continua bastante presente nos meios universitários.

A Kapixama, república de estudantes da ESALQ, é um bom exemplo dessa continuidade. A ideia de comunidade já está presente no próprio nome da república, já que Capixama significa uma barraca do exército em que cada soldado carrega a metade e precisa se unir para montá-la, dando a ideia de que um precisa do outro para morar.

República contínua 

A Kapixama é uma das repúblicas mais tradicionais da ESALQ, funcionando há 11 anos, um ano na rua Prudente de Moraes, 9 anos na avenida dos Operários e, atualmente, na rua do Vergueiro.

Um dos fatores mais respeitados pelos estudantes é o da continuidade da república, pois as pessoas que já saíram ainda continuam participando. E isso ficou provado na reforma que fizeram para a ocupação do prédio. Foi feito um mutirão, em que os atuais moradores fizeram todos os serviços e os ex-moradores, já formados, entraram com o dinheiro necessário.

Hoje, na Kapixama, moram dez estudantes: Luciano, o “Kvalo”; Joaquim, o ‘Bastardo”; Orestes, o “Xoró”; Júlio, o “Frangão”; Durval, o ‘Jumento”; Paulo, o “Fifi”; Thomas, o “Podexá”; Marcelo, o “Kdinho”; Carlos Alberto, o “Falcão” e Luis Cláudio, o “Pedágio”. E eles fazem questão de afirmar que “na república é todo mundo igual e todas as posições em relação à escoIa, aos problemas de convivência e à manutenção da casa são tomadas coletivamente”.

Estrutura organizada 

Morar em república não é simplesmente ocupar um espaço, mas participar de uma estrutura em que todas as funções são divididas e revezadas a cada semestre. Na Kapixama, existe o caixa, que faz todo o orçamento do mês; o estoque, que faz a compra de todo o material que vai ser estocado; o feirão, que faz a feira e o telefone, que controla as chamadas interurbanas de cada um, além das duplas de compras. Essas tarefas, segundo eles, são revezadas, para que “a cada semestre cada um participe da vida da república de uma maneira diferente e para que não se criem hierarquias e, no final, prevaleça o equilíbrio”.

Esse equilíbrio entre as relações dos moradores parece ser a norma principal no cotidiano da república. E isso fica claro na divisão de quem vai morar com quem no quarto, o que é decidido em reunião a cada semestre. Os estudantes dizem que “a prioridade é morar com quem você ainda não morou, pois assim se cria uma intimidade maior com a pessoa. Se essa divisão de quartos for fixa, a tendência natural é de que as duplas fiquem mais próximas e se formem ‘panelas’, o que não queremos, já que isso compromete o principal, que é o equilíbrio”.

Trote não é sadismo 

Outro fator considerado seriamente pelos moradores da Kapixama é a admissão de estudantes para a república. Eles dizem que a cada ano, no dia da matrícula, “olhamos para as caras dos ‘bichos’ e convidamos alguns para morar durante um mês em fase de experiência para ver quais deles se adaptam à república”. Segundo eles, o fundamental é que o “bicho combine com a estrutura que já está formada, dê importância ao que se faz coletivamente e não seja individualista. E cada novo morador tem que ser aprovado por unanimidade”.

E para eles, uma das maneiras de se conhecer a pessoa em pouco tempo é o trote. Em sua opinião, o trote não é uma forma de sadismo e não usa de violência, mas “são brincadeiras que fazemos e que no fundo fazem parte de uma filosofia da república que usamos para conhecer as pessoas. Você coloca a pessoa dentro de uma situação nova e vê como ela se sai. Por exemplo, você chega e diz ‘Bicho, diz damos alguns para morar durante um mês em fase de experiência para ver quais deles se adaptam à república”. Segundo eles, o fundamental é que o “bicho combine com a estrutura que já está formada, dê importância ao que se faz coletivamente e não seja individualista. E cada novo morador tem que ser aprovado por unanimidade”.

E para eles, uma das maneiras de se conhecer a pessoa em pouco tempo é o trote. Em sua opinião, o trote não é uma forma de sadismo e não usa de violência, mas “são brincadeiras que fazemos e que no fundo fazem parte de uma filosofia da república que usamos para conhecer as pessoas. Você coloca a pessoa dentro de uma situação nova e vê como eia se sai. Por exemplo, você chega e diz ‘Bicho, diz maia!’. A tendência é ele cair duro no chão, até que descubra que é simplesmente para dizer “maia”.

Ainda segundo o trote, os moradores da Kapixama têm um ponto de vista comum. “O trote é um balde de água fria necessário, para que o cara entenda que não é porque ele venceu a batalha do vestibular que ele vai se considerar o máximo. Então, é bom que ele passe por esse tipo de situação para que tome consciência que vai começar tudo de novo e tem uma batalha ainda pior pela frente”.

Convivência com a cidade 

Embora afirmem que “ainda existe um preconceito de Piracicaba em relação aos estudantes”, os moradores da Kapixama dizem que os próprios estudantes às vezes contribuem para isso, pois “o pensamento da maioria atualmente é ficar de segunda a sexta-feira na cidade e no final de semana voltarem para casa”. Para eles, isso dificulta a integração na comunidade. “Nós viemos para ser piracicabanos enquanto estivermos aqui, procuramos manter contato com a cidade. Achamos que Piracicaba é como a grande maioria das cidades, é difícil de se entrar, mas se você colocar na cabeça que você precisa se adaptar a ela e não ela a você, acaba conseguindo conviver e fazer parte dela”.

Sobre a experiência de se viver em república, eles consideram “muito importante, é a continuidade de uma estrutura familiar, um casamento em que os relacionamentos entre todas as pessoas têm que dar certo, e por isso é fundamental que você tenha tesão em morar com as pessoas. Embora pareça ser uma coisa descontraída e divertida, república é um negócio muito sério e importante para o nosso futuro profissional. Se a gente errar aqui, vai errar no mercado de trabalho!”.

 

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