Elias Rocha, o Elias dos Bonecos (1)

Em 2003, Nordahl Christian Neptune apresentou sua dissertação “Elias dos Bonecos” ao Curso de Mestrado em Multimeios do Instituto de Artes da Unicamp. O objetivo do estudo foi mostrar a trajetória de vida de Elias Rocha, mais conhecido como “Elias dos Bonecos”, cuja arte singular foi confeccionar bonecos, em tamanho natural, feitos a partir de sucata e de roupas doadas por parte da população, e inseri-los nas margens do rio Piracicaba.

Fabrice Desmonts – Folder da Prefeitura Municipal de Piracicaba – 1995

É impossível começar essa história sem falar da Rua do Porto. O depoimento, disponível na dissertação, é do próprio Elias dos Bonecos: “Tenho 71 anos de Rua do Porto, nunca saí daqui, já quiseram levar eu para um monte de lugar, mas eu não vou, só saio daqui quando morrer, aqui é meu paraíso”.

Elias dos Bonecos faleceu no dia 1º de abril de 2008, aos 76 anos.

O Elias dos Bonecos

“Meu pai trabalhava na Chácara do Francisco Morato, era jardineiro, cuidava da roça, pescava no rio com as mãos, pois não tinha dinheiro para comprar tarrafa de nylon. Minha mãe, além de cuidar dos sete filhos, também lavava roupas para fora, para poder ganhar uns trocados”. (Elias Rocha)

A descrição a seguir foi feita por Nordahl C Neptune em seu trabalho: Conheci Elias dos Bonecos no final da década de 70, quando no verão, junto com alguns amigos, costumava descer até a Rua do Porto, para apreciar o pôr do sol e a música tocada e cantada por alguns de seus moradores, que se reuniam no único armazém existente, atrás do tradicional restaurante Arapuca, onde hoje está instalado o calçadão da Rua do Porto.

Figura simpática, alegre e bem humorada, Elias se divertia, e divertia os outros, colocando alguns bonecos de galhos e trapos velhos junto a vegetação abundante à beira rio. Era então um ilustre desconhecido para a maioria dos piracicabanos, porém personagem bastante conhecida entre os moradores e freqüentadores daquele lugar.

Nascido no dia 3 de agosto de 1931, na antiga Chácara do Morato, localizada à margem esquerda do Rio Piracicaba, na estrada do Bongue, Elias Rocha era um dos sete filhos do piracicabano descendente de bugre, Renato Rocha, e da cabocla, Sebastiana Souza Rocha, ambos falecidos.

O bonequeiro Elias Rocha em frente à sua casa, segurando material de trabalho. Nordahl C Neptune – 2000

Aos 14 anos, Elias entrou no curso de mecânico ajustador do SENAI, o que lhe garantiu um diploma e uma profissão para trabalhar nas diversas oficinas metalúrgicas da cidade. Seu primeiro emprego foi na fábrica de tecidos Arethusina Boyes, localizada à esquerda do salto do Rio Piracicaba.

Na sua mocidade, chegou a jogar como quarto-zagueiro no Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba. Por um breve período, o futebol chegou a tirar Elias de Piracicaba. E o futebol profissional não foi o seu destino, mas o campo de futebol da Rua do Porto foi construído por Elias e demais moradores do bairro na base do enxadão.

Depois da morte de sua mãe, em 1962, o rio tornou-se a coisa mais importante de sua vida, observa o autor Nordahl Christian Neptune. Elias pescava de vez em quando, por pura diversão ou para saciar a fome da família, quando a situação apertava e o dinheiro não dava para comprar carne. As palavras de Elias estão na dissertação:

“Como minha mulher não comia peixe, de vez em quando eu comprava 200 gramas de carne, só para ela; eu e meus filhos ficávamos com o peixe”.

Elias trabalhou na Mausa, sendo despedido em 1975, devido a uma greve promovida pelos operários reivindicando melhoria de condições de trabalho e aumento salarial. Aposentado aos 44 anos, Elias comprou uma carroça e um cavalo e passou a percorrer alguns bairros da cidade fazendo carretos, biscates, catando sucata para vender e sustentar a família. Mais tarde, fez um roçado na margem esquerda do rio, onde plantou milho, feijão, abóbrinha, cambuquira, mandioca, frutas e ervas para temperos.

Em 1996, após sofrer uma cirurgia na garganta, o artista teve suas cordas vocais danificadas, fato que o impediu de falar, mas não de se comunicar, o que o fez através de gestos e da escrita. Os bonecos, conforme observa o autor, foram a forma que um homem de cultura simples, semi-alfabetizado, encontrou para transmitir sua mensagem para os piracicabanos e para os turistas.

Elias com sua carroça, meio de transporte e trabalho. Nordahl C Neptune – 2000

Através da arte de reaproveitamento e transformação de sucata, Elias tentou conscientizar a população para o processo de degradação ambiental que a cidade e o rio Piracicaba vinham vivendo.

Veja também o vídeo da dissertação:

Elias dos Bonecos – parte 1 http://www.youtube.com/watch?v=pVBhwg27O0U

Elias dos Bonecos – parte 2 http://www.youtube.com/watch?v=5kfBrc3xGg4

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